Folha de S. Paulo


'Pílula do câncer' fez de médico e paciente 'adversários', diz oncologista

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A última mesa do primeiro dia do Fórum O Futuro do Combate ao Câncer, realizado pela Folha, abordou um dos temas mais polêmicos dos últimos tempos quando se fala de câncer: as pílulas de fosfoetanolamina da USP.

As alegadas "pílulas anti-câncer" tiveram sua produção e distribuição aprovadas pelo Senado Federal na semana passada, mesmo obtendo resultados desfavoráveis nos primeiros testes clínicos, e agora seguem para sanção da presidente Dilma.

A mesa contou com a presença de Gilberto Lopes, diretor científico do Grupo Oncoclínicas e professor associado da Faculdade Johns Hopkins, nos EUA; Mauricio Tuffani, editor-chefe da revista "Scientific American Brasil" e blogueiro da Folha; e Helano Carioca Freitas, coordenador de pesquisa clínica do A.C. Camargo Cancer Center.

A Folha convidou quatro profissionais envolvidos na pesquisa da fosfoetanolamina para o debate, mas só obteve recusas.

Lopes abriu a discussão afirmando entender o lado pessoal de quem sofre com a doença, ao citar diversos casos de câncer que ele mesmo teve na família. "Esse lado entende o paciente que se apega à promessa de uma pílula mágica". Ele ponderou, porém, que até hoje a pílula não mostrou efeitos benéficos à cura de pacientes, na análise da comunidade científica.

Ele rechaçou uma impressão que, segundo ele, ativistas pró-fosfo tentam imputar à opinião pública: a de que médicos e imprensa têm uma conspiração com a indústria farmacêutica para barrar os remédios. "Eu quero é ter certeza sobre o que estou dando ao paciente."

Helano Freitas aponta que essa visão conspiracionista chega a opor pacientes aos médicos, quando estes levantam dúvidas sobre a fosfo para aqueles que têm certeza de sua eficácia. "Parece que viramos adversários". Freitas diz que as afirmações de melhora de seus pacientes que tomam a pílula não são corroboradas pelos exames. "E eles dizem que nós é que não estamos enxergando."

"A aprovação da pílula como medicamento, sem passar por testes clínicos, é como levar uma criança da pré-escola à universidade," compara Freitas. O problema, diz ele, é que não foram levantados dados suficientes nem para apontar se a substância é tóxica. "O que vimos até agora é que o conteúdo das cápsulas é irregular, combinando a fosfoetanolamina com outras substâncias".

Mauricio Tuffani, da "Scientific American Brasil", aponta que é papel da imprensa fazer a mediação entre a ciência e a parcela da sociedade favorável a liberar as pílulas, sendo cética com ambos os lados. Mas diz que isso também é papel dos representantes no Congresso, que "não está lá só para representar o povo, mas também para mediar. Essa é a diferença entre democracia e demagogia."

Ele lembra também que, antes de tudo, o Poder Judiciário interferiu de forma indevida ao forçar a USP a distribuir a droga, atividade que, segundo ele, não devia ser responsabilidade da universidade.

No seu ponto de vista, a aprovação da droga no Congresso erodiu a autoridade da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ilustra a falta de racionalidade do debate público, que legou agora a uma "presidente completamente acuada" a decisão de sancionar ou não a medida. "Foi um tapa na cara de todos que estão trabalhando seriamente no assunto".

Lopes classificou a aprovação no Congresso de "populista". "É mais fácil aprovar logo a droga que acelerar o processo de pesquisa".

O oncologista exortou também a necessidade de que se mudasse o foco da mobilização popular. Em vez de defender a liberação de uma droga não testada, disse ele, é melhor canalizar a energia para cobrar mais rapidez do sistema público de saúde em diagnosticar e tratar câncer e em incorporar novas drogas.

Editoria de Arte/Folhapress
Veja o especial multimídia sobre os caminhos do combate à doença
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