Folha de S. Paulo


Recém-formados em medicina erram o básico no 'provão'

"Eu tenho medo de médico hoje. E olha que dou aula há 30 anos." A frase de Segisfredo Brenelli, presidente da Abem (Associação Brasileira de Educação Médica), arrancou risadas da plateia no 2º Fórum a Saúde do Brasil, promovido pela Folha, mas reflete bem o atual cenário da formação médica no país.

Em vigor há dez anos, o exame de avaliação do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) tem reprovado mais da metade dos recém-formados em medicina no Estado de São Paulo -que concentra algumas das melhores escolas médicas do país.

Jorge Araújo/Folhapress
Bráulio Luna Filho no debate
Bráulio Luna Filho, presidente do Cremesp, em debate no 2º Fórum a Saúde do Brasil, no MIS

Segundo Bráulio Luna Filho, presidente do Cremesp, os estudantes erram questões básicas sobre atendimento inicial de vítima de acidente de trânsito ou de ferimento por arma branca, pneumonia, pancreatite aguda e pedra na vesícula.

Apesar de ser exame obrigatório para obtenção do registro do CRM (Conselho Regional de Medicina), mesmo quem vai mal nele não é impedido de exercer a profissão. O conselho não pode, por força de lei, condicionar o registro ao resultado da prova.

A taxa de reprovação é ainda maior nas escolas privadas: 65,1% contra 33% nas escolas públicas, conforme dados do "provão" de 2014. As instituições mais novas são o maior problema, segundo Luna Filho. "Não tem uma escola aberta nos últimos dez anos que tenha tido resultado bom no exame."

Segundo os especialistas, o número elevado de cursos de medicina dá margem a discrepâncias em todo o país, como cursos de medicina coordenados por profissionais de outras especialidades e escolas que cobram caro pelas mensalidades sem oferecer formação de qualidade.

"Antes, era preciso ser um bom médico para ser um bom professor de medicina. Hoje, já não precisa ser nada", afirma Brenelli, da Abem.

Para Mario Dal Poz, professor do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a avaliação de alunos, além de ser ferramenta para as próprias escolas aprimorarem o ensino, tornou-se uma necessidade pública, uma medida protetiva para a sociedade.

"Já são 250 escolas, sendo que 70 delas, mais recentes, ainda não formaram nenhum médico. Aquelas com mais de seis anos já formam mais de 20 mil médicos por ano."

O tipo de avaliação necessário não é um consenso. Tanto governo federal quanto CFM (Conselho Federal de Medicina) e Abem defendem que os alunos sejam avaliados periodicamente durante o curso, e não no final.

"Defendemos um teste de avaliação contínuo, não no final. Mas o CFM não desqualifica o exame do Cremesp", diz Mauro Ribeiro, vice-presidente da CFM.


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