Folha de S. Paulo


Frieza do médico é queixa comum entre pacientes

As iniciativas para melhorar a relação entre estudantes de medicina e seus pacientes surgem como resposta a uma queixa comum: a de que os médicos são frios e conversam pouco durante os atendimentos.

"Não precisa perguntar muito para constatar que as pessoas saem insatisfeitas das consultas," afirma Rodrigo Lima, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e da Comunidade. É uma impressão independente de classe social. "Mesmo quem tem plano de saúde diz que não foi bem atendido".

Para Izabel Cristina Rios, coordenadora do núcleo de humanização do Hospital das Clínicas da USP, a relação médico-paciente em muitos casos já poderia ser chamada de relação instituição-cliente: a pessoa paga o hospital ou convênio e é atendida.

Ela não sabe dizer se é a formação técnica das universidades que deixa os médicos mais frios ou se é o mercado que dificulta um atendimento mais humanizado. "Não dá para separar. O ensino é voltado para o trabalho e o mercado pede um profissional técnico e rápido", diz.

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e diretor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, culpa a formação médica. Segundo ele, a universidade valoriza o conhecimento técnico em detrimento de valores humanos como ética e respeito.

Ele é crítico às mudanças curriculares nos cursos de medicina feitas pelo Ministério da Educação no ano passado, que devem ser incorporadas pelas universidades até o fim de 2018. Entre outras coisas, as novas diretrizes preveem estágio obrigatório no SUS e um maior peso para as práticas humanistas.

"Não tem como impor uma mudança para todo o país. Um currículo realmente humanista deveria ser centrado na comunidade e nas doenças prevalentes de cada região." Para Lima, as modificações são interessantes, mas não suficientes.

"O modelo da formação médica de hoje desencoraja os estudantes. Não precisamos ensinar os alunos a serem humanos, precisamos deixar de ensinar o oposto."

Henrique Batista e Silva, secretário-geral do Conselho Federal de Medicina, critica, além do ensino, as políticas públicas de saúde. "Não há boas condições de trabalho, falta tempo, os médicos são mal remunerados. Isso contribui para que as boas práticas não sejam aplicadas."

OUTRO LADO

Hêider Aurélio Pinto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, diz que não dá para culpar o sistema. "Exemplos mostram que é possível fazer diferente, como com o programa Mais Médicos e com a política de humanização do SUS. Na atenção básica, orientamos que sejam criados vínculos com o paciente e que ele se sinta acolhido."

Em nota, o MEC afirmou que as novas diretrizes curriculares foram criadas com base em uma série de audiências públicas e têm como fim integrar a educação médica brasileira a um movimento mundial em que, "além de competência técnica, (...) é esperado do profissional médico um desenvolvimento adequado de sensibilidade humanística". (


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