Folha de S. Paulo


Comunidade em São Paulo é síntese de problemas ambientais

Um labirinto de barracos feitos de placas de madeirite, alguns deles apoiados em palafitas, contíguos a um córrego que se transformou em um esgotão a céu aberto, de águas acinzentadas e toda sorte de lixo. Obviamente não há ruas, apenas vielas de chão batido, em alguns trechos forradas por panos e tapetes para ninguém derrapar em dia de chuva, além de pontes improvisadas, algumas já quebradiças. As crianças brincam, é domingo. Haverá churrasco na laje e futebol de várzea.

Os emaranhados de fios elétricos improvisados expõem como funciona a distribuição clandestina de energia. E o que dizer sobre o saneamento básico? Não há fosso, tratamento de esgoto inexiste, coleta de lixo só na rua principal.

A água chega aos barracos através de uma rede de canos montada pelos próprios moradores, puxada da tubulação da Sabesp. Isso quando chega: são comuns os apagões elétricos e de água. Assim como os alagamentos em dia de chuva, levando pedaços dos barracos e trazendo as doenças causadas pelo contato com as bactérias da água fétida, como por exemplo alergias.

Conta o açougueiro Francisco de Assis Monteiro que as ratazanas são tão grandes que até os gatos têm medo delas. As cobras também aparecem. Todo mundo ali já topou com uma jararaca ou cascavel.

Compondo a paisagem sobre a crônica da miséria urbana brasileira, as antenas para captar os sinais de satélite pipocam pelos telhados de zinco dos barracos. Não há quem não tenha seu próprio celular. Muitos dos lares contam com duas geladeiras, micro-ondas, computador e mais de um aparelho de TV.

Bem-vindo a Futuro Melhor, comunidade criada por cerca de 350 famílias sem-teto em 96, com apoio da União dos Movimentos de Moradia, nas franjas da Serra da Cantareira, zona norte da capital. Como tantas outras áreas de proteção ambiental da cidade, esta também abriga uma ocupação irregular que só se adensa, na medida que o tempo passa - hoje segundo a Secretaria de Habitação, são 2100 domicílios, mas os moradores antigos falam em cerca de 5 mil famílias.

O nome desta comunidade poderia soar como uma ironia. Mas não para Eliana Kanashiro de Araujo, 49, faxineira. "Viemos pra cá para pressionar o governo e fomos agregando. Escolhemos esse nome em uma votação, a gente precisava ter essa esperança". E de fato, de 96 para cá, as coisas melhoraram, no seu ponto de vista. "Hoje tenho meu barraco. Na época vivíamos em barracas de lona, que não te protegem nem contra o frio e nem contra o calor".

No entanto o fantasma da desapropriação continua assombrando a comunidade. O lote pertence à CTEEP, concessionária privada do setor de transmissão de energia elétrica. No começo foram várias tentativas de desapropriação, com polícia na porta ou através da Justiça. Segundo a gestão atual da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente "o processo de desapropriação foi paralisado, visto que a ocupação irregular impede a municipalidade de tomar posse do terreno".

Ainda de acordo com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a maior parte da ocupação está localizada em Área de Proteção Permanente (APP). Cremildes Jesus da Silva, presidente da Associação Futuro Melhor, e varredora de rua na Marginal Tietê, afirma que praticamente toda a comunidade se encontra em situação de alto risco: "como são poucas as construções de laje, e os barracos estão muito espremidos, a chance de um incêndio de maiores proporções é grande".

Foi o que aconteceu há meio ano. De acordo com ela, cerca de 500 famílias perderam seus lares, e acabaram erguendo novos barracos na margem direita do córrego, já adentrando a mata da Cantareira.

O vereador Nabil Bonduki (PT), professor de planejamento urbano da FAU-USP, lembra que Futuro Melhor não é exceção. "As condições desta comunidade podem ser um pouco mais graves, mas há muitas outras espalhadas pela cidade com características semelhantes, em regiões alagadiças", diz. "Por falta de alternativas, as áreas de proteção ambiental acabam sendo ocupadas, pois em geral são públicas, oferecem água e estão livres de loteamento".

Bonduki lembra que são várias as edificações sobre córregos na capital. "O próprio prédio da Câmara Municipal, foi erguido sobre o córrego do Bixiga, que passa embaixo".

Em sua opinião o que deveria ser feito é um plano de urbanização, envolvendo a construção de prédios verticais em área próxima à avenida Inajar de Souza, ao abrigo da área alagadiça. "Assim seriam honradas as regras de preservação ambiental, com condições sociais".

Marlene Bergamo/Folhapress
Morador de favela salta sobre esgoto a céu aberto
Morador de favela salta sobre esgoto a céu aberto

O projeto da gestão anterior da Prefeitura era de criar um Parque Linear ao longo do curso do córrego do Bispo, que atravessa Futuro Melhor, com o objetivo de proteger a borda da Cantareira da expansão da cidade. Algumas das divisas da favela chegaram inclusive a receber pilares de demarcação, com o intuito de proteger a margem direita de novas ocupações.

De acordo com a gestão atual, o projeto se encontra paralisado, sob a justificativa de que está tendo interferência no traçado do Rodoanel –trecho norte.

Consultada, a Secretaria de Habitação informou que "na região serão implantadas obras de infra-estrutura, saneamento, além de construção de unidades habitacionais. O projeto para as intervenções está sendo elaborado".

Perguntada sobre qual a situação dos moradores de Futuro Melhor, Cremildes responde: "é a mesma há 18 anos. Os políticos prometem, prometem, e nada acontece".


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