Folha de S. Paulo


Pediatras fecham consultórios para atender em hospitais

Quando se formou em pediatria, há mais de 30 anos, Dárcio Duarte decidiu abrir um consultório. Passados 25 anos, o retorno financeiro começou a não compensar: "Trabalhava para pagar despesa. É um investimento muito alto para pouco retorno".

Hoje, ele engrossa a lista dos pediatras que decidiram trocar os consultórios por plantões em prontos-socorros e hospitais. Segundo entidades de classe, essa migração foi causada pela baixa remuneração dos convênios.

"Todos as especialidades são afetadas pelo repasse, mas a pediatria não tem o ganho adicional dos procedimentos", explica Milton Macedo, diretor de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria. Além do valor da consulta, um ortopedista recebe ao engessar um braço, por exemplo.

"O pediatra recém-formado não tem condições de abrir seu consultório", diz Marun Davi Cury, coordenador do Departamento de Defesa Profissional da SPP (Sociedade Paulista de Pediatria) e da Associação Paulista de Medicina.

Os problemas da saúde pública brasileira foram discutidos na semana passada durante o Fórum a Saúde do Brasil, promovido pela Folha, que publicou um caderno sobre o tema ontem.

Atualmente, o Brasil tem cerca de 32 mil pediatras -ao todo, há quase 400 mil médicos registrados no CFM (Conselho Federal de Medicina).

Não existe ainda levantamento de quantos pediatras fecharam o consultório e migraram para hospitais.

De acordo com Cury, os convênios pagam, em média, R$ 66 por consulta. Um levantamento da SPP aponta que cada criança atendida custa R$ 55 ao médico. "Sobram apenas R$ 11. Qual a vantagem? Vai todo mundo trabalhar em hospital."

"Todo fim de mês repenso se devo continuar com o consultório", conta a pediatra Luciane Armani, 34, que atende pacientes privados há um ano e meio.

Atualmente, ela dá plantões em uma UTI neonatal na região de Porto Alegre (RS). "A cada dois plantões de 12 horas, recebo o mesmo que meu mês fechado no consultório."

Julia Chequer - 3.abr.2013/Folhapress
Falta de pediatras que atendem em clínica leva à lotação de prontos-socorros pediátricos
Falta de pediatras que atendem em clínica leva à lotação de prontos-socorros pediátricos

ATENDIMENTO

A migração dos médicos para os hospitais tem sobrecarregado os pediatras que resistem nos consultórios. A agenda cheia torna cada vez mais difícil uma relação próxima com a criança.

"Sinto falta da intimidade com o pediatra. Minha mãe teve isso com meu médico. Hoje, ou o atendimento é frio e corrido ou nunca tem horário disponível", queixa-se Rachel Brum Coelho, 31, mãe de uma menina de três anos.

A paulistana conta que já chegou a ficar 45 dias esperando por uma consulta. "Está cada vez mais difícil achar pediatra pelo convênio."

No começo do ano, a ANS (agência que regula os planos de saúde) sistematizou como os planos devem pagar ao médico o atendimento de puericultura -consultas periódicas que a criança deve fazer.

Agora, está explicitado, por exemplo, que as consultas mensais nos primeiros seis meses de vida deverão ser pagas dentro do pacote de atendimento de puericultura, não como consultas.

"Há casos em que o valor pago por esse tipo de atendimento chega a ser o dobro do da consulta", conta Macedo.


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