Folha de S. Paulo


Opinião: Governo deve centrar verba na área social

O SUS completa 25 anos. A Constituição de 1988, que o criou, estabeleceu no artigo 196 que "saúde é direito do cidadão e dever do Estado". Até então, a população se dividia em três categorias: 1) pacientes privados que pagavam pelo atendimento; 2) segurados da Previdência, que chegaram a consumir 30% da arrecadação previdenciária; 3) o grande grupo que não tinha cobertura ou recursos, incluindo os rurais.

Simultaneamente, o artigo 199 estabeleceu que a atividade era livre à iniciativa privada. A consequência foi a organização de dois setores.

O privado, hoje chamado de saúde suplementar, que se apropriou dos que podiam pagar.

E o público, chamado SUS, composto pela parcela dos segurados que não puderam migrar para o setor privado, somada à enorme parcela dos que não tinham cobertura.

Era de supor que fossem indicados recursos para o SUS. Acontece que os 30% do orçamento da seguridade indicados nas disposições transitórias da Constituição nunca foram regulamentados.

As novas fontes criadas no orçamento da seguridade destinadas à saúde eram insuficientes. Acresce que os recursos da Previdência destinados à saúde foram em um primeiro momento reduzidos à metade e em um segundo momento, em 1993, a zero.

Acrescentaram-se ainda ao orçamento da seguridade os encargos previdenciários da União e adotou-se a DRU (Desvinculação das Receitas da União).

A DRU retira 20% do orçamento da seguridade (excluindo os recursos da Previdência) e os destina ao superavit primário, para fazer face aos encargos da dívida pública.

Sempre estive preocupado com o esquema financeiro que deve suportar a saúde. Tenho dito que é preciso dobrar os recursos do SUS, que ainda assim representariam, per capita, metade do que gasta a saúde suplementar.

Por outro lado, concordo que não há espaço para onerar mais a população com novos tributos.

Destinar 10% dos recursos brutos arrecadados pela União seria suficiente. Só que o Orçamento da União tem 90% dos recursos comprometidos, o que torna a proposta inviável.

De repente me dei conta de que São Paulo tem as melhores estradas do Brasil, suportadas por parcerias público-privadas.

Por muito tempo o governo federal quis ele próprio construir estradas, portos, aeroportos e toda a infraestrutura. É por isso que não sobram recursos para as funções precípuas de um Estado democrático adequadas à população.

Deixemos para as parcerias público-privadas a construção da infraestrutura, liberando recursos para saúde, educação, saneamento básico e segurança, tão desgastados.

E, por favor, não me digam que o problema se resolve com gestão. Estou cansado de ver gestores criticados no serviço público transformarem-se em grandes administradores na iniciativa privada.

Não foram eles que mudaram, mas os recursos com que passaram a contar permitiram que usassem toda sua capacidade.

ADIB D. JATENE, 84, cardiologista, é professor emérito da USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC) e secretário estadual da Saúde de SP (governo Maluf)


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