Folha de S. Paulo


Divergências entre órgãos públicos empacam restauro da primeira obra modernista do país

A piscina está atrasando o começo da obra. Um quer transformá-la em um ambiente diferente. O outro quer deixá-la como está. O elevador também é um problema: ninguém consegue chegar a um acordo se vai ficar na lateral ou nos fundos da casa.

O que poderia ser uma discussão entre um casal reformando o lar são, na verdade, divergências que empacam a restauração de um dos principais marcos da arquitetura modernista no país.

A casa foi erguida em 1928 pelo arquiteto de origem ucraniana Gregori Warchavchik (1896-1972), na Vila Mariana, zona sul, para morar com sua família. A construção é considerada a primeira obra do estilo feita no país. Hoje ela funciona como parque e museu para exposições de arte diversas.

Encomendado pelo Departamento do Patrimônio Histórico da prefeitura, o projeto de restauração de seus anexos, de seu jardim e de alguns detalhes do lugar começou a ser feito em 2011 e está pronto desde o começo deste ano.

Já foi aprovado pelo Conpresp e pelo Iphan, órgãos de preservação do patrimônio histórico municipal e federal, respectivamente, mas está parado no Condephaat, a instância estadual sobre o tema. A discordância do conselho naqueles dois pontos é suficiente para segurar o começo das obras, que estava planejado para este ano.

Segundo o projeto, a piscina viraria um auditório, mas o Condephaat questionou essa finalidade. A localização do elevador nos fundos da casa também é fonte de divergência -apesar de já ter sido aprovada pela Comissão Permanente de Acessibilidade da prefeitura.

Desde que foi tombada, em 1984, a casa modernista já passou por duas reformas. A primeira, emergencial, foi no início dos anos 2000, depois de 20 anos de abandono. A outra ocorreu em 2008, quando piso, pintura, cobertura e partes hidráulica e elétrica foram restaurados, e o local, aberto ao público.

A piscina, a antiga sala de jogos e outras estruturas anexas, no entanto, continuam sem reparos -e vêm sofrendo a ação do tempo. Tapumes escondem a deterioração desses espaços, com musgo acumulado na piscina, estruturas quebradas e infiltrações.

LABORATÓRIO

Era nesses locais que o arquiteto e sua mulher, Mina Klabin (1896-1962), reuniam em festas intelectuais e artistas do modernismo, como Mário de Andrade, Anita Malfatti, Lasar Segall e Tarsila do Amaral, entre outros.

Foi em um dos anexos também que Warchavchik experimentou novas técnicas de construção, como as janelas que vão de um extremo a outro da parede. "A preservação é fundamental. As janelas mostram o amadurecimento que permitiu depois que ele fizesse casas com essas soluções", diz o arquiteto Luís Magnani, do Restarq, escritório responsável pela restauração.

Magnani lembra que a casa de linhas retas foi um choque na época. A fachada de retângulos era tão inovadora que Warchavchik precisou colocar ornamentos no projeto para ser aprovado pela prefeitura --e alegou depois não ter recursos para incluir os enfeites.

A exuberância tropical da área verde de 12 mil m² do paisagismo feito por Mina Klabin é outra ousadia, num período em que a moda era jardins simétricos e podados. A ideia é recuperar as plantas nativas, como os mandacarus.

Também está prevista a construção de um café no espaço. Para a fachada ficar mais visível, parte do muro dará lugar a grades.

Nadia Somekh, presidente do Conpresp, garante que as divergências no projeto são pequenos detalhes que estão sendo acertados com o órgão estadual. O Condephaat, no entanto, afirmou que só poderia responder aos questionamentos da reportagem depois de uma deliberação do conselho, mas não deu prazo para que isso aconteça.


Endereço da página:

Links no texto: