Folha de S. Paulo


Conheça mais sobre a Rússia, destino que virou moda entre os brasileiros

Uma das delícias de jogar "War" na adolescência era a possibilidade de conquistar territórios distantes nos confins daquela Ásia de tabuleiro, como Omsk ou Vladivostok.

Viajar à Rússia é, de certa forma, acessar essa memória do tempo em que a exploração do mundo pertencia mais à imaginação do que a um ato mecânico de consultar sites atrás da melhor opção de hotel.

De quebra, se você embarcar na Transiberiana, vai esbarrar em estações com todos aqueles nomes do jogo. A viagem pela famosa estrada de ferro é um excelente meio de descobrir o maior país do mundo, embora demande mais tempo (sete dias sem sair do trem, o que é despropositado, para ir de Moscou até Vladivostok).

A parada em Irkutsk, com uma visita ao lago Baikal, é imperativa para captar o porquê de a Sibéria ter se tornado sinônimo de exílio desde os tempos imperiais.

Mas lá também é possível esbarrar no século 21, com adolescentes em onipresentes abrigos esportivos checando seus smartphones, nada muito diferente de seus pares na parte mais conhecida do país: a dupla São Petersburgo e Moscou.

Nesta versão russa do universal embate entre cidades (São Paulo/Rio, Madri/Barcelona), São Petersburgo é a janela do colosso eurasiano à sua faceta mais ocidentalizada. Lá convivem arquitetura europeia, canais à la Veneza, o esplendor do Museu Hermitage e das fontes jorrando entre estátuas douradas no palácio Petrodvorets.

Mas é na capital em que o "melting pot" se completa. Os desejos europeus, reanimados pela pujança da elite moscovita, esbarram no caráter ortodoxo e asiático. Tudo isso sob camadas com "memorabilia" de um experimento desastroso e único, a União Soviética (1917-1991).

Basta olhar em volta. A fachada das "sete irmãs" de Stalin, prédios do improvável gótico comunista. Uma vista ao incrível parque de estátuas derrubadas no regime, à beira-rio.

Um passeio pelas estações centrais do eficiente metrô, onde criaram ilusões magníficas do paraíso socialista --significativamente, embaixo da terra.

E, claro, uma paradinha no Glavpivtorg, um bar-restaurante em que se bebe vodca em quantidades industriais (nunca esqueça de brindar, mesmo sozinho) entre tranqueiras soviéticas e à sombra da antiga sede da KGB.

Já para gastronomia russa moderna, vá ao Kvartira 44 (no mesmo endereço, perto do Kremlin; a fortaleza da capital, aliás, é imperdível). O centro de bares e galerias Outubro Vermelho, na antiga fábrica de chocolate homônima, é sucesso entre os locais.

Saber rudimentos de russo é útil, mesmo em Moscou, e decorar algo do alfabeto cirílico (boa sorte ou "udátchi"), essencial para não se perder. No mais, a fama de lugar misógino e homofóbico tem fundamento, sendo preciso usar de bom senso.

A abertura recente facilitou a visita a muitos locais antes inacessíveis: Murmansk (a "capital" do polo Norte), Kazan (Tatarstão, um mundo à parte), Rostov Veliki (o centro do "Anel Dourado" de monastérios em torno de Moscou) e mais.

Por fim, é vital checar a previsão do tempo: o inverno não ajudou a derrotar Napoleão e Hitler por acaso.

Igor Gielow, que apesar do nome é de família alemã, foi cinco vezes à Rússia desde 2000, quando cobriu a primeira eleição do "czar" Vladimir Putin. Conheceu Murmansk a trabalho e fez a Transiberiana em férias. É fluente em russo até a frase "Você fala inglês?".

VIROU MODA

Sílvia Biasini, 55, manda umas 200 pessoas para a Sibéria todos os anos. Não é nem nunca foi da KGB, o serviço secreto da antiga União Soviética, mas chefia as operações da Tchayka, agência (de viagens) especializada na Rússia.

Segundo suas informações privilegiadas, 99% dos 600 a 700 clientes que atende anualmente já esteve fora do Brasil, e a maior parte está na faixa dos 50 aos 60. De uns quatro anos para cá notou, no entanto, que a terra de Dostoiévski tem atraído um pessoal de até 30 anos. Se antes raramente apareciam, hoje somam aproximadamente 20% das viagens.

"Esses jovens são pessoas que conhecem bem a história do país. Já saem daqui com uma base", diz Sílvia. Ela atribui esse novo interesse à internet, onde podem ver "o visual da Rússia, que é lindo". Mas persiste, em qualquer faixa etária, o fetiche de conhecer o lugar onde o socialismo saiu da teoria para se tornar fato.

Segundo Rafael Tramm, 74, presidente da União Cultural pela Amizade dos Povos, entidade que oferece curso de russo desde 1960, a procura pelas aulas tem aumentado, e novas escolas foram abertas na cidade, também de quatro anos para cá. A maior parte de seus cerca de 100 alunos não está ali em preparo para uma viagem, mas, conforme se aprofunda nos estudos, decide conhecer o país. "Sempre aconselho a esperar um pouco e falar melhor a língua, para aproveitarem mais".

Para Rafael esse interesse renovado tem a ver com o atual presidente russo, Vladimir Putin (agora sim, um ex-KGB). "Houve um período de desorganização, mas ele contribuiu para reconsolidar a Rússia", diz ele, com a convicção de um fã.

SAIBA MAIS

Agência Tchayka. Rua Purpurina, 59, Pinheiros, tel. 3097-0737. Pacote Grande Expresso Transiberiano: 15 dias, saída em 9 de agosto de 2014, R$ 17.658 (não inclui aéreo). Pacote Duas Capitais (Moscou e São Petersburgo): oito dias, saída em 23 de maio de 2014: R$ 3.418.

União Cultural pela Amizade dos Povos. Aulas particulares de russo: R$ 40 reais/2 horas. Rua Epitácio Pessoa, 122, conj. 21, República, tel. 3258-3842.


Endereço da página:

Links no texto: