Folha de S. Paulo


Centro de São Paulo tem dezenas de prédios vazios; saiba mais

Nas décadas de 1960 e 1970, chique era apreciar a vista do vale do Anhangabaú comendo o fondue do restaurante no terraço do Othon Palace.

Na época, até realeza circulava pelos corredores do hotel de luxo: do rei do pop ao príncipe do Japão. Michael Jackson (1958-2009), em 1974, na fase Jackson 5, e Akihito, em 1967, foram dois entre tantos famosos e chefes de Estado que passaram por lá.

De outubro de 2012 a junho deste ano, seus quartos receberam novos hóspedes: 800 famílias sem-teto deram "check-in". Aberto em 1954, o Othon fechou em 2008, após perder clientes para hotéis de outras regiões.

O hotel entrou no mapa dos edifícios vazios do centro. Até quinta-feira, a Secretaria Municipal de Habitação listava 49 prédios: 30 imóveis ocupados por movimentos de moradia, 17 vazios e 2 em reforma pelo Renova Centro, programa de habitação.

O número, contudo, provavelmente é maior: há imóveis que ainda estão de fora dessa contagem oficial.

Eis o destino desses endereços, segundo a gestão Fernando Haddad (PT): ou é usado para habitação popular ou vira imóvel de utilidade pública. Casos parecidos com o que foi feito com um prédio comercial na rua Riachuelo, que deu lugar a 120 apartamentos após reforma entre 2006 e 2008, e com o edifício Sampaio Moreira ­("avô dos arranha-céus" da cidade, feito em 1924 com... 12 andares), que está sendo restaurado para receber a Secretaria de Cultura.

O Othon está na fase final de desapropriação, numa negociação de cerca R$ 31 milhões. A ideia é abrigar escritórios da prefeitura no local.

Em junho, os sem-teto saíram do nº 190 da rua Líbero Badaró após o dono pedir reintegração de posse -que é a desocupação solicitada na Justiça. As entradas ganharam muros de concreto. Hoje, está vazio.

APAGOU A LUZ
O projeto Nova Luz, que pretendia revitalizar a região com ruas e praças inspiradas em locais como La Rambla (Barcelona) e Bryant Park (Nova York), foi engavetado em janeiro pelo prefeito.

Agora, são duas as promessas para ocupar o centro: o programa Casa Paulista e a tomada, pela prefeitura, de imóveis abandonados sem pagar indenização.

Endereços são inclusos nessa categoria quando:
1) O dono não tem mais interesse em conservá-lo;
2) Não está ocupado por ninguém;
3) Os impostos não estão em dia.

O Casa Paulista é uma parceria entre os governos estadual, municipal e federal que, em junho, resultou no decreto de 880 imóveis na região como de interesse social. Entraram na lista prédios considerados subutilizados (em grande parte vazios), estacionamentos, imóveis ocupados há décadas pelos mesmos moradores e até a padaria 14 de Julho, que está no mesmo local desde 1896, entre outros casos que devem ser revistos.

Se vingarem, os projetos ajudariam a reverter o abandono da região, que começou com a saída de escritórios do centro para as avenidas Paulista, Berrini e Faria Lima nos anos 1970, segundo Valter Caldana, professor da faculdade de arquitetura do Mackenzie.

"Isso fez com que a região ficasse em segundo plano em termos de investimentos", afirma.

Justificam o abandono, ainda, imbróglios judiciais, disputas entre família e dívidas de IPTU. Nesse roteiro, há prédios centenários, envidraçados e inacabados, muitos deles com tapumes pichados ou portas fechadas por muros, que há anos se deterioram pela falta de manutenção.

Exemplo: o imenso mausoléu que virou o nº 548 na av. Nove de Julho. Em 1990, deixou se ser usado, pois vários institutos de previdência que funcionavam lá foram extintos.

Hoje, o prédio pertence ao INSS. Fechado, passou por uma série de ocupações. Tem entradas cobertas com cimento e tijolo. Após ter sua documentação regulamentada, se tornará moradia social, diz o INSS.

Outro exemplo: a esquina da rua Roberto Simonsen com a praça da Sé, onde estão dois edifícios cobertos com telas finas e empoeiradas. Do outro lado da rua, chama atenção a antiga sede da Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas, criada em 1891 por um grupo de carpinteiros e pedreiros atrás de direitos trabalhistas.

O edifício de 1909 é tombado. À 1h48 de um domingo de 2008, começou um incêndio que destruiu o teto da construção de quatro andares.

Saldo de uma briga entre proprietários e seguradora: o endereço está trancado com cadeado. "O dano do fogo foi mínimo, o prédio ficou assim por causa do abandono", afirma o chefe de almoxarifado das Classes Laboriosas, Sérgio Alexandre Ferreira.

Por trás da fachada azul, restam poucas lembranças do que já foi esse predinho do número 22. Operários costumavam fazer filas para participar de bailes e, nos anos 1940 e 1950, organizavam ali greves trabalhistas.

No térreo, restam documentos esquecidos, sapatos e outros vestígios de quem passou por ali em invasões.

No piso de marfim e madeira de imbuia do teatro que ficava no último (e destelhado) andar, crescem plantas sob a luz direta do sol. "O pessoal que faz a manutenção chama aqui de Jardim do Éden", conta Sérgio.

Em outras ruas, é preciso olhar para cima se quiser perceber as ruínas. No fundo da loja de roupas sem nome na rua General Carneiro, Michel Hamuche, 65, diz que prefere usar dez dos 13 andares de seu prédio como estoque do que alugar alguns pavimentos enquanto negocia a dívida da compra do imóvel com o banco.

"Não vale a pena pagar porteiro e fazer reforma para receber aluguel de um andar só", justifica ele, que é da família também dona do prédio onde fica a ocupação Prestes Maia.

Um consultor de imóveis da região estima que o aluguel do m² em prédios comerciais no bairro vai de R$ 20 a R$ 45. Na região da Paulista, o valor pode ser até quatro vezes maior.

A dúvida é quando os projetos de governo superarão os entraves para, de fato, #ocuparocentro.

O secretário municipal de Habitação, José Floriano Azevedo, vê uma dificuldade para pôr esse plano em ação. Revitalizar os edifícios, afirma, exige "obras que demoram e são caras". "Nos prédios públicos, banheiros, por exemplo, estão centralizados num lugar. Precisa de hidráulica, esgoto..."

O professor da faculdade de arquitetura da USP Fábio Mariz foi responsável, em 2009, por um estudo de prédios vazios para a prefeitura.

E é cético: "É fácil o governo propor isso porque existe aceitação geral. Agora, como viabilizar é que é estranho". Exemplifica: a megalomania de desocupar 880 endereços "já deixa uma pulga atrás da orelha".

Para Nádia Somekh, presidente do conselho de patrimônio de São Paulo, "o uso desses prédios é algo desejado e fácil, tanto que a população pega e ocupa".


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