Folha de S. Paulo


Repórteres se encontram em motel para projeto de arte –acontece de tudo, menos sexo

Você se deixa carregar por um desconhecido até um motel próximo à marginal Tietê. Chegando lá, é guiada até um daqueles quartos de cama redonda e cardápio que oferece batida Meia de Seda (leite condensado e licor de cacau, a R$ 3).

Abre porta e encontra... uma colega de trabalho.

Aconteceu com a gente. Mas juramos: não é nada daquilo que você está pensando.

As duas repórteres da sãopaulo integraram um grupo de 16 pessoas selecionado para participar de uma experiência proposta pelos designers americanos ND Austin, 31, e Ida Benedetto, 29.

Tudo era feito às cegas, a começar pelo convite misterioso: um cilindro feito de bambu e, dentro dele, um copinho branco (ideal para a dose de alguma bebida) e um bilhete com as instruções: esteja às 20h da terça-feira marcada em frente ao Metrô Vila Madalena e procure uma mulher usando chapéu com uma flor na lapela.

Ninguém conhecia a identidade dos outros participantes (nem nós, que trabalhamos a dois metros de distância no jornal, desconfiávamos uma da outra).

Pontualmente, um sujeito careca de terno levou três pessoas em seu fusquinha bordô com bancos de couro branco. Destino? Ninguém fazia ideia.

Até que, aos poucos, o letreiro em néon do motel Ele & Ela se destacou no horizonte. Lá paramos. O motorista indicava com a cabeça que cada pessoa devia subir as escadas até um quarto.

Eram duplas ou trios trancadas ao acaso dentro do mesmo cômodo. Foi aí que nós, que até então ignorávamos a presença da outra, nos esbarramos. Num quarto de motel. Com a TV ligada num filme pornô. Sem sacanagem: explicar isso para nossos colegas seria o auge do dia seguinte.

De volta ao quarto: uma moça vestida com tutu de bailarina surge pelo vão onde, num "dia normal", funcionários passam o serviço de quarto. Manda seguirmos os balões brancos, uma de cada vez.

Obedecemos. Num quarto decorado com crânios e ao som de risadas maquiavélicas, uma tela de TV com um vídeo aleatório chama atenção para uma tecla com a inscrição "aperte-me".

Assim que o botão é pressionado, surge o barulho de trovões, e um bigodudo de óculos e chapéu (o designer ND Austin) aparece no teto pedindo que se suba uma escada de alumínio.

Andamos pelo teto do Ele & Ela até descer uma escada para outro quarto. Ali descansa uma mulher pelada, dentro de uma banheira com espuma, taça de vinho em mãos.

Ela indica o caminho do quarto, do qual é preciso voltar com uma carta "com a qual você se identifique". À primeira vista, o espaço parece o cenário de uma investigação criminal. Uma calça jeans com cinto está jogada na entrada. Lá dentro, lenços e folhas de papel se acumulam no chão.

Os textos são de cartas de amor, com diversos temas e destinatários. Por coincidência, ou consequência da profissão, as duas repórteres ficam sabendo depois que escolheram o mesmo texto, no qual declaram seu grande amor ao café.

No quarto seguinte, somos convidadas a deitar sobre o chão coberto de folhas e a receber uma massagem nas mãos. A surpresa seguinte é tomar chá com uma gueixa, que pede em troca que lhe seja contado um segredo.

A passagem ali é finalizada com o abraço de uma desconhecida em um quarto com (muito) vapor –e o recado sussurrado no ouvido: "Seja o amor da sua vida". Na sequência, somos conduzidas novamente à escada que leva a outro quarto.

Dessa vez, o teto solar ainda está fechado enquanto caminhamos no topo do motel sob o céu de São Paulo.

Quando a geringonça abre, começam os gritos e a recepção calorosa de um grupo de desconhecidos que pula enquanto canta "Parabéns pra Você".

No fim da descida, uma profusão de abraços, seguida por foto no bolo de aniversário e presente. Chapéu, língua de sogra, coxinha, cerveja e brigadeiro completam a festa, cheia de pessoas que parecem amigos há tempos. A cada vez que o teto solar abre, o ritual se repete, e começa uma nova festa de aniversário.

A festa foi interrompida por um cliente do motel que queria saber o que estava acontecendo, incomodado com o barulho da comemoração. Para infelicidade do reclamante, a maioria das pessoas também não sabia por que estava ali.

O teto solar teve de ficar fechado, e o restante do grupo chegou pelas escadas de concreto do andar de baixo. As comemorações duraram mais alguns minutos até que os convidados começassem a ser mandados de volta ao metrô Vila Madalena, de táxi (por conta da casa).

Na semana seguinte, um encontro esclareceu o mistério. O "presente" tratava-se do trabalho final de um workshop da empresa Mesa & Cadeira.

Na ocasião, a dupla ND e Ida mal falou sobre o projeto, e a explicação limitou-se a relatos de quem participou da experiência –como aluno ou como convidado da festa.

Soubemos que os 16 escolhidos eram amigos próximos de quem havia recebido a missão de convidar alguém para algo que não também não sabia do que se tratava –e que o evento não havia sido combinado com os responsáveis pelo motel.

Entre os participantes do workshop, a maioria revelou-se de publicitários querendo desbloquear a criatividade. Cada quarto da experiência no motel era resultado do trabalho de um grupo de alunos.

Durante seis dias, eles viveram intensamente todas as tarefas que envolvem conceber e produzir um "design de experiência".

Cada um dos que, como nós, viveu o resultado de tudo isso tem uma teoria sobre a "ocupação criativa". O certo é que, em comum, todos saímos com uma história muito boa para contar. Parabéns pra você!


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