Folha de S. Paulo


Veja como parque no Minhocão ficaria se projeto saísse do papel

Que tal colocar uma sunga e ir para o meio do Minhocão? E nem é fim de semana: pense no sol a pino em plena segunda-feira à tarde.

Há quem esteja pensando seriamente nisso: transformar o elevado Costa e Silva em um grande jardim suspenso, com direito a piscina.

Na cidade de Nova York, uma ideia similar não ficou só no papel. Em 1999, dois moradores defenderam a ideia de transformar um viaduto ferroviário desativado, no coração de Manhattan, num parque.

Em 2002, a proposta para o chamado High Line foi adotada oficialmente pela prefeitura. Seis anos depois, o projeto abriu ao público.

Inspirado pela intervenção nos EUA, o engenheiro Athos Comolatti fundou em 2013 uma associação para transformar o Minhocão numa área de lazer que até praia artificial teria.

A construção foi inaugurada em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf, e o efeito dominó veio rápido: degeneração do entorno provocada pela poluição visual, sonora e do ar.

Nas últimas três décadas, diferentes propostas aparecem para o lugar.

Em 1986, o arquiteto Pitanga do Amparo propôs um parque para substituir a via expressa, o que interessou o prefeito Jânio Quadros (PTB).

A prefeitura de Luiza Erundina (então do PT) trouxe a primeira proposta para demolir a estrutura, iniciativa também defendida pela petista Marta Suplicy. José Serra (PSDB) fez um concurso de ideias para o lugar, e o sucessor Gilberto Kassab (PSD) prometeu levar o Minhocão abaixo.

Imagens Ciro Miguel & Bruna Canepa/Associação Parque Minhocão
Dá até praia: no que o elevado Costa e Silva se transformaria se o projeto da Associação Parque Minhocão saísse do papel
Dá até praia: no que o elevado Costa e Silva se transformaria se o projeto da Associação Parque Minhocão saísse do papel

Nenhum dos projetos jamais foi para a frente.

Quando Kassab desengavetou o plano de demolição, Comolatti ficou "indignado". Argumentos não faltam para pôr um parque no lugar. Os ruídos nos edifícios próximos chegam a 85 decibéis de dia, segundo medições de sua associação, muito acima dos 70 decibéis estabelecidos pela Lei do Silêncio (uma comparação: a gritaria de uma feira livre, medida em 2011 pela sãopaulo, ficou nessa média).

Por sua vez, derrubar a estrutura traria grandes transtornos e um grande volume de entulho: mais de 50 mil metros cúbicos de concreto usados na construção -como se orgulhava, na época, a empresa de engenharia Hidroservice, autora do projeto.

COMPRIDÃO

Um espaço de lazer no Minhocão teria apenas 17 metros de largura, com área total de 46 mil m² (o Ibirapuera, por exemplo, tem 1,6 milhão m²). Só que atingiria mais pontos da cidade, por causa da longa extensão da via, com cerca de 3 km.

A proposta desafia a supremacia dos automóveis nas intervenções urbanísticas. "A maioria das metrópoles já descobriu que há uma incompatibilidade entre boa qualidade de vida e o carro como meio de transporte, mas por aqui essa mudança ainda não começou", diz Comolatti.

O parque Minhocão atraiu a atenção da Bienal de Arquitetura, que começará em outubro e discutirá decadência e recriação dos espaços públicos a partir do tema "Cidades: modos de fazer, modos de usar".

Guilherme Wisnik, curador do evento, acha que a onda de protestos, que começou com cobranças por um transporte público barato, dá "consciência política" e "nos permite olhar a questão de forma otimista".

A sede da Associação Parque Minhocão, localizada num apartamento recém-reformado no segundo andar, com vista para as pistas, abrirá à visitação durante a Bienal, com mostra sobre o High Line nova-iorquino.

Para Fernando Serapião, crítico de arquitetura e colaborador da Bienal, o impacto positivo seria maior por aqui. Na cidade americana, "o elevado não trazia barulho nem poluição".
Bem diferente daqui.

AGORA VAI?

E será que o paulistano, depois de tantas promessas afins, pode esperar mesmo por esse parque?

O urbanista Flamínio Fichmann é voz dissonante. Ele acha que a empreitada traria caos para o tráfego da região e propõe: "Se o viaduto fosse demolido, seria possível ampliar duas faixas nas avenidas de baixo".

Para Wisnik, vale mais a "consciência de que uma mobilidade democrática passará por ações de sacrifício do transporte individual".

"É possível, pela primeira vez, ter a coragem de dizer que não é necessário buscar uma alternativa para o trânsito do Minhocão, mas simplesmente transformá-lo em um parque sem qualquer outra obra viária."

Ele provoca: "A cidade cria seus espaços públicos a partir das formas mais selvagens possíveis".

Quem sabe os decibéis no Minhocão um dia venham do vendedor de picolé anunciando seu produto numa tarde ensolarada qualquer.

Imagens CiroMiguel & Bruna Canepa/Associação Parque Minhocão
Parque Minhocão: uma piscina com trampolim está no projeto esboçado para o novo elevado
Parque Minhocão: uma piscina com trampolim está no projeto esboçado para o novo elevado

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