Folha de S. Paulo


Senhores criam 'clube do bronze' no parque Buenos Aires, em Higienópolis

De calça vincada e sapato social --mas sem camisa--, o empresário aposentado Ítalo Battiato, 82, há três anos toma sol todos os dias no parque Buenos Aires, em Higienópolis (centro de São Paulo).

Com a careca cheia de sardas acentuadas pelo sol, ele e mais 14 senhores sorridentes e muito bronzeados chamam a atenção nas manhãs ensolaradas -e também no inverno. "A gente só não vem quando chove", diz Ítalo.

O grupo começa a chegar por volta das 10h30 e ocupa quatro bancos "cativos" na parte alta da praça, onde há menos árvores para fazer sombra. "Às vezes já tem gente lá. Vamos sentando ao lado até a pessoa se tocar", conta, rindo, o arquiteto José Carlos Lodovici, 63, um dos caçulas.

A turma dos sem-camisa (todos moradores do bairro) se juntou há cerca de seis anos. Os banhos de sol viraram rotina quando o aposentado Fausto Esperanza (morto em 2011, aos 82 anos) começou a reunir outros frequentadores do parque para aproveitar o calor e prosear.

Juntos, eles perderam a vergonha e, como brinca o vendedor aposentado Mauro Noronha, 75, formaram "o grupo dos 'descamisados'".

Nem todos são desinibidos: três senhores não quiseram aparecer na sãopaulo. Em público, é difícil escapar dos flashes: tem sempre alguém tirando uma foto do grupo sem que eles percebam.

Novos membros continuam chegando --e são muito bem-vindos. Quem conta é o empresário aposentado argentino Osiris Romagnoli, que prefere não revelar a idade.

Com sotaque carregado, Osiris --o único que não fica de torso à mostra-- faz questão de frisar que o grupo interage com os outros frequentadores do parque e que ninguém ali é desocupado. "Falamos com toda la gente do parque e fazemos amigos."

Há mais estrangeiros. O industrial aposentado Vitali Arditti nasceu na Turquia há 66 anos. De família francesa e italiana, tem a pele branquinha e usa chapéu contra o sol.

Já o italiano Gianfranco passa só um mês por ano no Brasil --no qual, segundo os colegas, faz questão de aparecer no parque todos os dias.

BOLÃO

Raramente os 15 homens conseguem estar juntos ao mesmo tempo (alguns não são aposentados). Mas, se alguém some por semanas, eles ligam para perguntar se está tudo bem. "A gente faz bolão para ver quem vai ser o próximo a morrer", entrega Mauro, o piadista da turma.

Agora veterano, Ítalo demorou para se enturmar. "Vinha só aos domingos e ficava no outro canto", conta. Quando ficou viúvo, começou a ir nos dias de semana e fez amizade.

Mulheres e namoradas não participam dos encontros solares (porque não querem, segundo os homens). "Às vezes, fazemos churrascos e levamos a família, mas aqui na praça é só a gente", afirma Ítalo.

Além de nunca usar tênis e roupas esportivas, ele não passa protetor solar nem nos dias em que a conversa se estende até o sol estar a pino.

"Nessa idade, se eu pegar câncer não vai fazer diferença", brinca.

Revista sãopaulo

Endereço da página:

Links no texto: