Os olhos de Mariana de Queiroz, 21, estão bem vermelhos. Mas ela não cogita ir ao médico. O rubor é de propósito: tatuou de escarlate o branco dos globos e, piscando um deles, concorrerá ao posto de miss da Tattoo Week, convenção que acontece de sexta a domingo.
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O evento é tipo uma São Paulo Fashion Week, só que para modas do corpo. Em vez de roupas, desfilam línguas bifurcadas (divididas em duas partes por um bisturi), lóbulos de orelha com alargadores (em que cabe uma latinha de refrigerante), dentes de ouro e outros acessórios que fazem tatuagem parecer coisa de criança.
A temporada traz com ela baladas como a Frrrkcon. Na pista de dança, festeiros se penduram no teto por anzóis que furam sua pele.
Mas Mariana periga ser obrigada a procurar um médico, caso queira retocar o colorido do olho.
É que o Ato Médico, lei que determina o que os profissionais da saúde podem fazer, foi aprovado pela presidente Dilma Rousseff na quinta.
Seu texto normatiza que cabe apenas a um médico fazer "procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos". Tatuagens e piercings são considerados procedimentos invasivos.
"Temos um medo de que a lei acabe restringindo nosso trabalho", diz o artista Snoopy, à frente da Associação dos Tatuadores e Perfuradores.
A aflição existe há mais de cinco anos, quando um grupo de tatuadores buscou o Conselho Federal de Medicina, responsável pelo texto da lei, e fez o acordo para que as agulhas de tatuagem ficassem fora da jurisdição dos doutores.
Segundo o conselho, o trato ainda vale. Salomão Rodrigues Filho, da entidade, afirma: "Não é interesse do médico fazer isso, ele não fará tatuagens ou piercing. Não tem nada a ver com ação terapêutica ou diagnóstica".
"Mas não está no papel que também pode ser feito por tatuador ou 'piercer'", ressalva Snoopy. "Então nunca se tem certeza."
Não que leis no papel façam muita diferença nesse mercado. Há na cidade 30 mil lojas especializadas em tatuagem ou piercing --99 em cada cem são clandestinas, calcula a associação do setor.
ILEGAL É ILEGAL
Procedimentos da moda, como introduzir um soco inglês feito de silicone sob a pele, para que ele apareça em alto relevo, tampouco estão dentro da lei.
"Implante subcutâneo é invasivo, exige anestesia local e deveria ser feito por médico", afirma Rodrigues, do conselho de medicina.
O outro lado contra-ataca: "Já peguei muito piercing feito por médico que foi rejeitado pelo corpo. Eles não necessariamente sabem fazer melhor", diz o perfurador André Fernandes, no ofício desde 1997.
Um dos nomes em ascendência no ofício, Rafael Leão Dias já tingiu o branco dos olhos de 20 pessoas em um ano. "Tive treinamento de dois anos para fazer isso."
O pigmento utilizado para colorir o globo ocular deveria ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas não tem.
"É impossível registrar tudo. O processo na Anvisa custa coisa de R$ 1 milhão", diz a artista Suzana Deiker. "Então trazemos produtos dos EUA ou da Europa e usamos."
Marina, a menina dos olhos vermelhos, diz que não teve problemas. "Doeu bastante. Mas a dor é rápida e a tinta fica para sempre."
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SERVIÇO
Tattoo Week
O que: convenção com quase 300 expositores e 45 mil visitantes
Quando: de sexta (19) a domingo (21)
Onde: Expo Center Norte - av. Otto Baumgart, 1.000, Vila Guilherme
Quanto: R$ 23
Frrrkcon
O que: festa de suspensão (pessoas que se penduram do teto por ganchos parecidos com os de açougueiro)
Quando: sábado (20), a partir da meia-noite
Onde: Madame Satã - r. Consellheiro Ramalho, 873, Bela Vista
Quanto: de R$ 10 a R$ 60