Folha de S. Paulo


Em clube de tiro, repórter dispara cem vezes e aprende a relaxar

"Você não vai querer disparar e acertar um colega, vai? De-do fo-ra do ga-til-ho, sempre, ao manusear uma arma", orienta meu instrutor.

Na mesa forrada de lona preta, três pistolas calibre 380 e quatro revolveres calibre 38. Projéteis de aço, chumbo, cobre e latão estão espalhados.

Tudo pronto para o curso básico de tiro, no subsolo de um prédio velho na avenida São João, no centro paulistano.

As aulas são ministradas por Cristian Silveira, 37. Pai de duas meninas, ele desistiu de hotelaria e entrou no Exército, sua paixão.

Numa parede de tinta descascando, a placa: "Meu vizinho não tem armas. Ele apoia o desarmamento civil. Em respeito, não vou defendê-lo com minhas armas".

Sento-me ao lado de um bombeiro civil aposentado de 48 anos, o outro aluno. Minha cara de menina de franja desperta sua curiosidade. Quer perguntar algo, mas a aula já vai começar.

Ao falar sobre regras de segurança, Cristian nos pergunta: qual seria um local seguro para se apontar a arma em casa? "Mirar para o chão", respondo.

"Aí o tiro ricocheteia e atinge alguém da sua família", ele retruca. "O ideal são locais que absorvam o tiro, como um armário com cobertores, ou na cozinha, com sacos de comida."

Ele conta sobre um pai que limpa o equipamento. "Vai para cozinha, pega o pano, se esquece da vida e que a arma está municiada. A esposa chega e se assusta. O marido dispara e acerta o filho na sala. Não existe acidente. É sempre imprudência. Negligência. E imperícia."

"Eu não teria coragem de dar um tiro num bandido. No máximo, daria um tiro no chão, para assustar", digo. E Cristian: "Se você quer assustar o ladrão, dá um ingresso da noite do terror do Playcenter para ele".

Após duas horas de teoria, o professor me dá um revólver. A mão vai ao chão. É difícil se acostumar com o peso (quase 1 kg). Passamos mais duas horas aprendendo técnicas de manuseio e regras de segurança com as sete armas.

Ao entrar no estande de tiro, os dedos já estão vermelhos. Meu colega bombeiro vai embora (havia estacionado longe). "O centro é um perigo à noite. Tchau, mocinha."

O instrutor entrega o protetor auricular (uma espécie de fone de ouvido, pois o barulho do tiro pode ser ensurdecedor) e óculos de proteção (contra as cápsulas ejetadas no disparo).

Bang! Bang! Bang! Bang! Bang!

Tusso com a fumaça da pólvora. O instrutor me parabeniza. O primeiro tiro, a sete metros de distância, acerta em cheio o centro do alvo, que tem formato de uma pessoa e é feito de papel. São 50 tiros com revólver, 50 com pistola.

Quase cinco horas de curso: corpo doendo, cabelo e pele oleosos por conta da fumaça da pólvora.

É como se tivesse feito musculação sem aquecer antes. A sensação também é de relaxamento. A concentração é tão fundamental que não consigo pensar em mais nada. Nem que estava fazendo uma reportagem.


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