Folha de S. Paulo


Tênis de R$ 900 vira moda entre paulistanos da periferia

"Cola de Mizuno ou de Puma Disc/ Fecha o camarote, um gole no uísque/ Chama que ela vem, foi selecionada/ Uma das mais tops é edição limitada!".

MC Maike, autor do funk "Cola de Mizuno", que já tem mais de 600 mil visualizações no YouTube, não se apresentou na última Virada Cultural. Mas o recado do rapper de Bortolândia, zona norte, cai sobre o evento como um par de meias.

No fim de semana passado, mais de cem ocorrências de roubos e furtos foram registradas no centro, durante a Virada. Bonés e celulares à parte, os alvos dos arrastões eram os tênis. Como o Mizuno Wave Prophecy (preço sugerido de R$ 999) do auxiliar de supermercado Fábio Viana, 24.

Até Mano Brown, dos Racionais MC's, interrompeu seu show para comentar a encrenca: "Os malandrão [sic] roubaram o Mizuno de um moleque que custa 900 paus. Quem aqui ganha isso por mês?".

À dúvida de Brown somam-se outras duas questões: quem compra um tênis de quase R$ 1.000? E para quê?

A primeira resposta aparece tanto nas academias mais luxuosas da cidade como nas quebradas. "Uso porque é confortável e ótimo para correr", diz o professor de educação física Bruno Montovani, 23, que dá aulas na academia Bio Ritmo da av. Paulista.

Ele assume que seu modelo é um primo mais barato, o Wave Creation, que por aqui custa cerca de R$ 649. "Mas um amigo trouxe de fora. Gastei US$ 120 [cerca de R$ 240]."

Os designers do Wave Prophecy prometem "uma experiência nova aos apaixonados por corrida", com marketing direcionado às classes A e B. Mas a profecia não se cumpre totalmente.

"Tenho um 'mano' que tem sete pares diferentes", conta o auxiliar de gráfica Anderson Celestino, 24, morador de São Mateus, na zona leste.

Seu amigo não frequenta academias nem se considera atleta. "Ele usa nos bailes funk, sempre um pé de cada cor. Que nem no clipe dos Lelekes", diz ele, sobre o funk carioca.

Rogério Barenco, gerente de negócios da Mizuno no Brasil, tenta reafirmar o marketing da grife. "O tênis foi elaborado para corredores que buscam alta performance. Não é bom um funk que fala sobre o seu uso casual."

Mas o tênis já virou moda na periferia. Paulistano de Itaquera, zona leste, Uanderson Ferreira, 19, comprou seu primeiro par há seis meses e junta dinheiro para arrematar o próximo. "Eu gostei e está na moda", conta o rapaz, que parcelou o "pisante" em três vezes e usou a grana do 13º salário e das férias para pagar a dívida.

"ZUMBA"

No Parque Arariba, zona sul, é fácil encontrar o Mizuno Wave em pequenas lojas. Elas vendem camisas Abercrombie & Fitch, calças Calvin Klein, casacos Hollister, relógios Tag Heuer e tênis, muitos tênis. Tudo pirata.

Um Puma Disc amarelo, que no shopping mais próximo custa em média R$ 700, ali sai por apenas R$ 150. No comércio informal da periferia, as réplicas se chamam "zumba".

Caio Ciotta, 20, garante que seu Wave Prophecy é original. Mas não os que ele vende todos os dias na loja de seu pai por R$ 100.

Ao menos por fora, eles são parecidos. E as etiquetas coincidem --réplicas ou originais, todos vêm da China. "Mas o falso é todo colado, não tem amortecimento nem tecnologia", afirma o personal trainer Bruno.

A Mizuno não divulga a quantidade de pares comercializados. Mas, em 2012, as vendas do tênis de quase R$ 1.000 foram quatro vezes maiores que o previsto.

Revista sãopaulo

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