Folha de S. Paulo


Diretora de "Elena" diz que filme é íntimo e também universal

A mineira Petra Costa tinha 17 anos quando encontrou os diários da irmã mais velha, Elena Andrade --na época, morta há uma década--, e se viu nos escritos. Assim, prometeu que um dia transformaria aquele material em filme.

No meio do caminho, foi estudar teatro na Columbia University, em Nova York, fez um mestrado em Londres, na Inglaterra, e dirigiu o curta-metragem "Olhos de Ressaca" (2009). Agora, aos 29, "Elena", a obra que comprometeu-se a fazer anteriormente, acaba de chegar aos cinemas do circuito comercial.

O longa, segundo Petra em entrevista à sãopaulo, retrata um drama íntimo, mas que é, ao mesmo tempo, universal. "Todo trabalho é pessoal, mas acho que o filme acaba falando também de questões universais, não só essas das crises existenciais e das angústias, mas também da perda. Todos sofremos perdas", diz.

Para resgatar a memória de Elena, Petra voltou à "Big Apple", cidade onde ela morreu, a fim de buscar seus vestígios. E, para apresentar aos espectadores essa história familiar, também utilizou entrevistas, fotos, lembranças e divertidos vídeos caseiros.

Abaixo, leia entrevista com a diretora Petra Costa

*

sãopaulo - Quando você sentiu vontade de fazer um filme com a história da sua irmã?
Petra Costa - O desejo me veio aos 17 anos, quando encontrei os diários da minha irmã pela primeira vez e me identifiquei profundamente com o que estava escrito. Eu tinha encontrado um livro da minha vida que eu não conhecia. Na época, fiz uma cena no teatro em que misturava trechos do diário dela com trechos do meu, e vi uma potência dramatúrgica nessa confusão entre as duas irmãs que eu queria investigar. Assim, prometi que um dia faria um filme sobre isso. Dez anos depois, quando essas questões já tinham se resolvido através de terapia, eu estava pronta, com o distanciamento necessário para fazer o filme, que é para mim um retrato sobre esse tempo, dos sete aos 21 anos. Tive um desejo de olhar para a minha própria vida e vê-la como um filme de ficção.

De alguma forma o filme serviu como terapia?
Não, passei pelo processo de terapia muito antes. Dos sete aos 21 anos fiz terapia em diversos momentos. O filme mesmo foi um processo artístico de querer contar uma história que eu achava relevante.

Por que o seu pai é não é um personagem tão presente no filme quanto sua mãe e você?
Porque o filme é muito sobre a confusão de identidade entre essas três mulheres [ela, a mãe e a irmã]. E meu pai não estava no meio da confusão. Quando o filme tinha um aspecto mais documental eu fiz diversas entrevistas com ele, mas que, como muitas outras entrevistas, acabaram saindo [sendo cortadas]. "Elena" foi ficando mais e mais sobre essas três mulheres.

Qual foi a reação da sua mãe ao saber do seu desejo de fazer um filme sobre a Elena?
Ela me apoiou e mergulhou fundo [no projeto].

A cena da água destoa do restante do documentário. Como ela foi criada?
Aquela foi a primeira imagem que eu tive para o "Elena", pois quando decidi fazer o filme lembrei da Ofélia [personagem de "Hamlet", de William Shakespeare] como um arquétipo que vi presente tanto em mim quanto na minha irmã. Fora que também enxergava essa crise existencial pela qual eu e ela passamos, uma crise presente em muitas jovens mulheres e em jovens homens durante o período de transição da adolescência para a vida adulta. Essa coisa de se afogar nos próprios sentimentos, no excesso de sensações e desejos e ainda não ter instrumentos suficientes para lidar com tudo. Então, quis fazer a imagem de uma Ofélia na água, que são duas, três, que são cem mulheres na água. Para mostrar que essa história não é só dessas mulheres, mas de muitas.

A delicadeza do seu cinema tem alguma influência?
Sim. No cinema, as pessoas que mais me influenciaram foram o Chris Marker e a Agnès Varda. Gosto da produção francesa que foi paralela à nouvelle vague, dessa coisa mais de ensaio. O Alain Resnais também. Os três são cineastas bem delicados, que falam muito através da poesia.

Acha que o público vai se identificar com o seu filme, mesmo ele sendo tão pessoal e intimista?
Acredito que todo trabalho seja pessoal, mas acho que o filme acaba falando também de questões universais, não só essas questões das crises existenciais e das angústias, mas também da perda. E todo mundo sofre perdas.

Pretende dirigir um novo longa?
Já estou fazendo um próximo filme. É um longa de ficção com dois atores da companhia [francesa] Théâtre du Soleil codirigido por uma dinamarquesa. A história vai acompanhar um dia na vida de uma mulher que decide dar uma festa para celebrar o bebê que espera, mas acaba descobrindo que o objetivo do evento é totalmente diferente. O filme, ainda com o título provisório de "Mrs. Dalloway", é bastante inspirado no romance homônimo da Virginia Woolf.

Informe-se sobre o filme


Endereço da página:

Links no texto: