Folha de S. Paulo


Para Eduardo Srur, arte de rua pode salvar até a mais feia construção

Debruçado sobre o parapeito, um touro admira os carros que passam pela marginal Pinheiros. A cena surreal tem lugar no ateliê de Eduardo Srur, 38, em Pinheiros, zona oeste.

Em 2010, o animal, feito de materiais como isopor e fibra, foi montado numa vaca do evento Cow Parade na avenida Paulista. O ato libidinoso rendeu visibilidade (e um inquérito) ao artista plástico paulistano, que hoje produz miniaturas da obra para quem quiser levar a polêmica para casa.

Srur começou com as intervenções em São Paulo em 2002. Nas mais lembradas, pôs garrafas plásticas gigantes no Tietê para destacar a poluição e vestiu estátuas com coletes salva-vidas.

Ele exibe até 30/5, em ruas da região central, a mostra "Sonhos e Pesadelo", que inclui cata-ventos gigantes e 20 mil ratos de borracha.

sãopaulo - Qual a marca de nossa arte urbana?
Eduardo Srur - As pessoas veem a cidade como um plano bidimensional e priorizam o grafite. Hoje, mesmo em uma galeria, não só se pendura um quadro; há ali uma discussão. Minha visão é tridimensional. Temos de ampliar o conceito e nos apropriar de paredes, arquitetura, rios.

Por que pôr ratos no Anhangabaú?
Para mostrar que esta cidade realiza os melhores sonhos e os piores pesadelos. Por isso as obras no centro, lugar que eu nunca tinha ocupado, exploram uma visão mais onírica do que crítica. Não é surreal pensar que há por aí 15 ratos por habitante? Só vou mostrá-los.

Desde sua primeira obra, mudou a relação com o poder público?
É sempre complicada, até porque meus projetos têm exigido operações cada vez maiores -e negociações também. Mas certas obras são feitas sem autorização, como parte da estratégia artística.

O trabalho atual teve liberação?
Sim, mas foi preciso muito diálogo com áreas distintas. As bicicletas suspensas que estão na estação Júlio Prestes, com fios de alta tensão ao redor, exigiram documentação técnica impressionante.

Qual foi sua obra mais complexa?
A da carruagem [em 2012, ele instalou uma réplica de carruagem imperial na ponte Octavio Frias de Oliveira, região sul]. Por outro lado, foi a que mais gerou desdobramentos, como a corrida com o Ingo Hoffmann [Srur, de carruagem, competiu com o piloto em um carro na hora do rush; deu empate]. Você pensa algo que, na rua, vira outras coisas.

Museus ainda te interessam?
Menos, apesar de eu ser um pintor de formação. Nas ruas há uma democratização da mensagem, é diferente de lidar com o público especializado do circuito artístico. A cidade é minha galeria.

E o que o inspira na metrópole?
Agora estou respirando o centro As fezes e a urina, a arquitetura, a cracolândia, o cheio e o vazio. Como cidadão, respondo à paisagem que me é imposta.

Qual nossa construção mais feia, que intervenção nenhuma salva?
Acho que a arte é sempre uma chance.


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