Folha de S. Paulo


Bares e restaurantes de SP apostam em estrangeiros como diferencial

Quem entra no número 1.415 da rua Augusta, na região central, vê logo que não são só o cardápio e o nome do Sancho Bar y Tapas que reproduzem a típica boemia da Espanha. Ali, os clientes são recebidos com sotaque.

Além das boas-vindas da argentina Melina Ferreira, 25, o serviço conta com o chefe de salão Ricardo Arias, 37, espanhol, e com o ajudante de garçom Felipe Salas, 24, chileno. "Sempre que algum estrangeiro bate aqui [à procura de emprego], pego os contatos", diz o brasileiro Martin Jirousek, 32, sócio do Sancho. "É um diferencial. Os clientes acham interessante."

A situação se repete em outros lugares da cidade, que aproveitam a mão de obra estrangeira para um ou mais entre três motivos: reforçar as características culinárias da casa, atender melhor clientes que não falam português e encantar o público brasileiro.

Já as razões dos gringos para trabalhar aqui são variadas: há desde os que casaram com brasileiros até aqueles que fugiram da falta de emprego em seu país de origem. Desde 2009, um ano após a quebra do banco americano Lehman Brothers abater o mercado mundial, as autorizações para estrangeiros subiram 70% no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho.

Na unidade local do restaurante e bar Bistrot Bagatelle --que tem endereços em cidades como Nova York, Los Angeles e Miami--, os clássicos da França no cardápio têm a mão de um subchefe e podem ser explicados por dois gerentes, todos daquele país.

"A gente agrega ao falar sobre um prato. É algo que vivemos, faz parte da nossa cultura. Por isso, conseguimos explicar melhor", diz o francês Nicolas Marceron, 33, gerente-geral da casa.

Seu xará, conterrâneo e colega Nicolas Jorre, 32, veio para São Paulo há um ano com a namorada brasileira. Aqui, foi garçom até aprender português. Promovido à gerência, fala sobre seu país com o público do bistrô.

"Os clientes estão acostumados aos pratos e querem comentar", conta ele, que já trabalhava no ramo na França.

Um dos sócios da casa, Gui Chueire, 32, vê outro diferencial: para ele, os gringos são mais comprometidos nesse ramo. "Lá fora é comum trabalhar em restaurante. O pessoal tem orgulho, sabe tudo sobre cardápio e carta de vinho", diz ele, que mira abrigar nacionalidades diversas na equipe.

Apesar de não importar traços de outras nações no menu, um dos sócios do Cão Véio, Kichi, 42, também está à caça de forasteiros. "Teremos um cardápio em inglês e acho que o estrangeiro se sentirá mais à vontade com alguém para explicá-lo", afirma ele, que já chegou a sondar -sem sucesso- a garçonete italiana de um vizinho.

O serviço multilíngue é uma das tarefas do francês Paul Glory, 32, que fala também espanhol, inglês e um pouco de árabe na Casa de Francisca e nos extras que faz no restaurante Marcelino Pan y Vino, ambos na zona oeste. Segundo o gerente desta, o paulistano Lincoln Nery, 38, além de versátil, ele também é um "bibelô". "Brasileiro adora puxar saco de estrangeiros", diz.

Porém, para a chilena Macarena Venegas, 29, garçonete do Sabiá, nem todos os clientes são receptivos. "Já ouvi que estou tirando trabalho de brasileiros", conta ela, que é formada em ciência política e, no Brasil, quer fazer mestrado e migrar para a pesquisa.

FUGA DA CRISE

O ramo também não é o mais familiar para o grego Ionnes Kattavenos, 36. Ele foi paramédico por 11 anos em seu país até migrar, em 2012. "A situação está muito ruim por lá", diz ele, que relata queda salarial de € 1.500 (cerca de R$ 3.950) para € 850 (R$ 2.240).

Arranhando inglês e português, ele pressentiu uma oportunidade ao avistar o nome da cidade grega no restaurante Athenas, na rua Augusta. "Pedi para falar com o dono [que é grego] e, como tenho os documentos para viver aqui porque sou casado com uma brasileira, ele me ajudou." Agora garçom, Kattavenos ganha R$ 1.250 ao mês e espera ter chances melhores conforme aumente sua fluência na língua.

Ricardo Arias, do Sancho, tem história semelhante. Mudou de profissão ao fugir da crise na Europa, há sete meses, e também procurou emprego por conta do nome e do estilo do bar. Formado em arquitetura, ambiciona trabalhar com design de interiores.

Na contramão dos gringos que estão na área provisoriamente, outros pensam em chegar e começar no setor. "Muitos me perguntam como vir", diz Marceron. "Os salários são bons e o mercado local não para de crescer."

Segundo o presidente da Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo), Joaquim Saraiva de Almeida, um garçom em um estabelecimento de médio porte na Europa ganha cerca de € 900 (R$ 2.370) ao mês, entre salário e gorjetas.

Na capital, a média é de R$ 1.600. "Lá, porém, conseguir emprego é mais difícil", diz. Ele vê outro agravante: as casas europeias já operavam com 30% menos funcionários que as locais. "Aqui ainda há demanda", conclui.


Endereço da página:

Links no texto: