Folha de S. Paulo


Tipicamente paulistana, gíria "coxinha" tem origem controversa

Espécie paulistana que vem acompanhada de certa carga depreciativa e uma pitada de gozação, os "coxinhas" não são uma tribo e não estão nos dicionários. Mas o apelido virou sinônimo de "engomado", "arrumadinho" e "criado pela avó".

A sãopaulo foi atrás de linguistas, rappers, policiais, "coxinhas" e "anticoxinhas" para tentar descobrir a origem do termo. Difícil foi encontrar alguém que se assumisse como tal. Entre as 20 pessoas abordadas pela reportagem nas regiões de Higienópolis e da Berrini, nenhuma se identificou com a gíria e outras disseram conhecer gente do tipo.

"O Itaim Bibi está para os 'coxinhas' como a Liberdade está para os asiáticos ou a Mooca, para os italianos", diz o apresentador da MTV Didi Effe, 30, ex-blogueiro de celebridades.

Ilustrações Caco Bressane

Na definição do VJ, eles frequentam casas noturnas nos arredores da avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste, trazem o cabelo alinhado, muitas vezes arrumado para trás com gel, e gostam de camisa polo. "Nós, paulistanos, já somos meio 'coxinhas' só de termos essa gíria para a gente", diverte-se ele.

Na internet, em um texto publicado em 2002, o publicitário Marcelo Costa utiliza o adjetivo para classificar bandas como Coldplay e Travis. "Não lembro como a gente chegou à conotação, mas minha turma usava a gíria", afirma. Para ele, que foi criado em Taubaté (SP), o equivalente a "coxinha" no interior paulista é aquele que é "criado pela avó".

No Twitter, o perfil @tiposdecoxinha, aberto em 2010, reúne inúmeros exemplos, como aquele que "despreza quem passa o Réveillon em Buenos Aires porque vai passar em Punta [del Este]". Na internet, ainda há o blog "Troféu Coxinha de Ouro" (trofeucoxinhadeouro.tumblr.com ), também de 2010, que "premia" algumas espécies famosas de "coxinha".

O "expert" no salgado Otávio Filho, 37, dono do Veloso –cuja coxinha foi eleita a melhor porção de bar pelo júri do "Melhor de sãopaulo 2011"–, arrisca uma possível interpretação. "'Coxinha' é aquele cara meio almofadinha. Eu associo almofadinha com a coxinha", diz, sobre o salgado macio.

Especialista em gírias, a professora da USP Marli Quadros Leite, 54, nunca tinha ouvido falar no termo. Mas diz que o nascimento de gírias segue uma lógica: a palavra é usada como código dentro de um grupo, depois o significado extrapola para outros, até que seja adotado por quase todos.

MOTOS E MÚSICA

Uma das explicações é que a palavra tenha vindo dos motoclubes. "'Coxinha' é aquele cara que sai para viajar de moto e, quando chove, encosta no posto da estrada e liga pedindo para alguém ir buscá-lo de carro", conta Reinaldo Carvalho, 55, presidente da Federação dos Motoclubes do Estado de São Paulo. "Tem cara que tem Harley-Davidson e não anda na chuva", debocha.

"Talvez porque o camarada fique com as coxas bem postas junto à moto", especula o professor de português Pasquale Cipro Neto. O colunista da Folha ressalta, no entanto, que é difícil precisar uma gênese do termo. "Não achei referências em nenhuma obra, inclusive nos dicionários mais novos."

Ainda sobre a possível ligação do vocábulo com a coxa da perna, há quem teorize que ele nasceu devido àqueles homens comportados que, quando na praia, usam bermuda no lugar de uma sunga e, depois de tomar sol, ficam com a coxa branca.

O produtor musical DJ Hum, que fez dupla com o rapper Thaíde nos anos 1980, ainda conta que o apelido também é sinônimo para vinil. "Alguns DJs de black music dizem 'ninguém vai morder minha coxinha', para não emprestarem seus discos", afirma ele.

O linguista Bruno Dallari, doutor pela Unicamp, afirma que, na maioria dos casos, é impossível ter certeza sobre qual a fonte de uma palavra ou um significado novo. "Às vezes, há origens identificáveis, mas sempre causam controvérsias", afirma, citando a palavra "Brasil", cujo surgimento, diz, envolve quatro ou cinco teorias.

PMS E SALGADINHOS

"É o estilo favela e o respeito por ela, os moleque [sic] têm instinto e ninguém amarela. Os coxinha cresce [sic] o zóio na função e gela." O trecho da música "Da Ponte Pra Cá" (2006), dos Racionais MCs, não faz referência a frequentadores de baladas do Itaim Bibi, mas a policiais militares.

Há duas possíveis origens para o apelido nada amigável dado à PM. "Acho que é por causa da história que sempre tem uma viatura da PM parada em frente à padaria", diz o rapper Max B.O., que apresenta o programa "Manos e Minas", da TV Cultura. A segunda versão diz que o vale-refeição dos PMs tinha um valor baixo e acabou apelidado de "vale-coxinha".

Assim, o termo pode ter "colado" por ser uma associação entre o salgado e o agente –por lei, um "certinho", defensor da ordem e dos bons costumes.

Em uma abordagem, o cidadão que se referir a um policial por meio do termo não será, necessariamente, preso por desacato. Procurada, a PM não se pronunciou sobre o assunto. Mas a avaliação é de três especialistas em direito e segurança pública.

"Depende do contexto", diz José Vicente Filho, coronel da reserva. "Essa situação cai no que chamamos de ato discricionário: o policial pode ou não tomar uma atitude." O melhor é não contar com o bom humor alheio, seja qual for o contexto.


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