Folha de S. Paulo


Inflação não se combate com tiro de canhão, diz Guido Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que o governo da presidente Dilma Rousseff seguirá sua "política gradualista" de combate à inflação e explicou por que considera este o melhor caminho, sem opção por uma "política heroica" ou um "tratamento de choque".

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Em tom crítico e de condenação, durante entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, Mantega disse que seria fácil reduzir a inflação rapidamente no Brasil: "É só colocar uma bala de canhão: chuta o juro para cima, a economia vai definhar, você vai ter recessão. Aí sim você vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério".

Em sua opinião, quem promete inflação menor do que a meta atual de 4,5% "pode ter más intenções". Que tipo de más intenções?*

"Subir muito a taxa de juros. Como combatiam a inflação no passado? Era assim: valoriza o câmbio e sobe violentamente a taxa de juros (...). Já tivemos aqui no Brasil taxas de juros reais de 30% a 40%. Armínio Fraga [ex-presidente do Banco Central e conselheiro econômico de políticos do PSDB] praticou essas taxas. Tenho receio de que essa seja a política: dar um chute na taxa de juros. A taxa de juros vai diminuir a inflação causando uma recessão na economia, destruindo a economia".

Segundo Mantega, esse tipo de política econômica "faria muito mal à economia e nós não faremos isso", acrescentando que "jamais jogaremos nas costas da população o ajuste da crise mundial".

Dentro de sua política gradualista, o ministro diz que será possível levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, em 2018. Será o último ano do mandato do próximo presidente. Ele especula um pouco sobre a taxa recuar para um nível mais baixo, mas dá a entender que essa seria uma situação excepcional. Ou seja, se Dilma Rousseff for reeleita, os brasileiros terão de conviver com um aumento de preços anual sempre acima de 4,5% durante todo o segundo mandato da petista.

Mantega promete uma novidade, já defendida por economistas de oposição: num eventual segundo mandato petista no Planalto, o ministro acha possível estreitar a banda de flutuação da meta de inflação. Hoje, a faixa de tolerância é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Como o centro da meta que é de 4,5%, são aceitas taxas anuais que vão de 2,5% (o piso) a 6,5% (o teto).

O ministro da Fazenda sugere que uma nova administração dilmista reduzirá a banda atual de dois pontos para um ponto ou um ponto e meio percentual. Dessa forma, a inflação anual poderia ficar, no limite mais estreito, confinada numa faixa de 3,5% a 5,5%.

Mantega rebate as críticas de que a inflação esteja sendo contida artificialmente pelo represamento de preços. Afirma que, em sua avaliação, um tarifaço é "desnecessário".

Em sua defesa, diz que o governo aumentou o preço de remédios, planos de saúde e energia. Indagado, então, sobre se os adversários do governo mentem ao dizer que é necessário um tarifaço no início de 2015, ele responde: "Não sei se mentem, mas podem ter más intenções".

Lembrado que a própria estatal Petrobras reclama do represamento de preços da gasolina, o ministro, primeiro, diz que o governo tem aplicado, nos últimos anos, duas vezes ao ano para o combustível.

Em seguida, sinaliza que haverá um reajuste neste ano eleitoral. "Os preços vão subir", afirmou, mas declara que o aumento "não pode ser exagerado, porque senão causará prejuízos a todo mundo".

E insiste na receita de que, para estatal recuperar seu faturamento, o melhor caminho é "pelo aumento da produção".

Durante a entrevista, o ministro demonstrou insatisfação com duas críticas recentes. Uma, do atual presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Benjamin Steinbruch, que afirmou que só "louco" investe no Brasil atualmente.

"Ele está redondamente equivocado", disse Mantega, citando números de investimentos estrangeiros no país.

A outra crítica foi do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga (governo FHC), de que o governo Dilma está segurando artificialmente o preço do câmbio, numa espécie de populismo cambial.

"Ele está redondamente enganado", retrucou, alfinetando o hoje principal economista aliado ao candidato a presidente pelo PSDB, Aécio Neves, ao dizer que "artificialismo" ocorreu no governo FHC. "Não seguramos inflação no câmbio; quem fez isso foram governos anteriores".

Sobre as previsões de que o país pode ter registrado uma recessão técnica no primeiro semestre deste ano, Mantega prefere dizer que deve ter ocorrido um "crescimento pequeno, uma estabilidade".

Reconhece, porém, que "não foi um bom resultado" e joga parte da responsabilidade sobre a Copa do Mundo. "[A Copa] foi um sucesso do ponto de vista de organização. Do ponto de vista da produção e do comércio, prejudicou."

Em relação às previsões de que o governo não conseguirá cumprir a meta de economizar 1,9% do PIB (Produto Interno Bruto), o que já é admitido reservadamente por parte de sua equipe, o ministro concede que este "é um ano mais difícil", mas insiste que continuará perseguindo o cumprimento da promessa.

Ao ser questionado sobre o motivo de a presidente Dilma não ter, até agora, sinalizado mudanças na política econômica num eventual próximo mandato, como chegou a ser sugerido pelo ex-presidente Lula, o ministro afirmou:

"Temos muitas coisas a consertar no Brasil. Só que você tem que olhar o saldo. Consertamos uma série de coisas, mas muitas coisas têm que ser consertadas", afirmou, sem citar quais.

A seguir, trechos da entrevista:

*

Folha/UOL - o empresário Benjamin Steinbruch acaba de declarar que "só louco investe no Brasil". Por que o empresariado ficou tão pessimista?
Guido Mantega - se observarmos o volume de investimento externo no Brasil, acho que ele está redondamente equivocado. Tivemos nos últimos quatro anos um alto volume de investimento, em torno de U$ 65 bilhões por ano. Este ano não está sendo diferente. É investimento. Não é especulação financeira. Este ano já chegamos a U$ 30 bilhões.

O fluxo financeiro, o investimento geral, no primeiro semestre [foi de] U$ 52 bilhões. O Brasil está entre os cinco países que mais recebe investimento.

Está difícil ter bons investimentos porque o mundo ainda vive o final de uma crise. O Brasil é considerado um lugar privilegiado. Portanto, uma coisa é a opinião. Outra coisa é a realidade. Prefiro olhar dados concretos. A Bolsa brasileira valorizou mais de 10% no primeiro semestre. Uma parte disso é investidor externo que vem aqui para o Brasil.

Mas por que o empresariado nacional está tão pessimista? Não é somente Benjamin Steinbruch [presidente da Fiesp]. Outros estão nessa mesma linha e reduziram seus investimentos...
No ano passado, já temos o dado fechado, o Brasil foi um dos países que mais teve investimento geral.

No mundo existe pessimismo, é verdade. Eu estava vendo um dado da Alemanha: são sete meses consecutivos que a confiança na Alemanha cai e você não pode me dizer que a Alemanha é um país não confiável. A Alemanha é um país dinâmico. Tem produtividade.

No final do ano passado, os emergentes tiveram um pouco de mau humor porque teve aquela retirada dos estímulos do Fed [Banco Central dos EUA]. Causou turbulência. A confiança caiu.

Este ano, em janeiro, foi o auge dessa turbulência. Todos diziam que os países emergentes agora iriam ficar para trás. Mas isso se dissipou a partir de fevereiro/março. As nossas Bolsas estão subindo, os fluxos de capitais estão fortes. O real é a segunda moeda que mais se valorizou nos últimos seis meses -significa que ele está sendo cobiçado, que vem moeda para o real.

Todo mundo vem atrás da taxa de juros...
Há coisas diferentes. Investimento direto não é taxa de juros, é aposta no mercado interno, é aposta no lucro aqui dentro.

Por que o ex-presidente Lula vive dizendo que a presidente Dilma precisa sinalizar com mais mudanças na condução da economia para recuperar a credibilidade?
Na época do presidente Lula, tive a honra de ser o ministro da Fazenda durante muitos anos. Estávamos num fluxo de crescimento da economia mundial e o Brasil cresceu bem nessa época.

Se nós pegarmos de 2003 a 2007, crescemos em média 4%. Um crescimento muito bom. Se pegarmos o último ano do governo Lula, foi um crescimento de 7%. A economia estava bombando.

Quando entramos na crise, principalmente na segunda fase, que começou na segunda metade de 2011, tivemos uma mudança de humor. Caiu um pouco a confiança. Você pega o dirigente de plantão, o ministro de plantão, e ele paga o pato.

Se você tem uma crise internacional, a culpa é do ministro, a culpa é do presidente? Não é. Nós tivemos um desempenho na crise melhor que a maioria dos países. De 2008 a 2013, o Brasil cresceu em média 3,1% [ao ano]. Fomos o sexto país que cresceu mais no G20. Não dá para dizer que nós fomos mal.

Na crise, mantivemos o pleno emprego. O Brasil foi o país que reduziu mais o desemprego durante a crise. Não tem desemprego. Vai ver o que aconteceu nos outros países. De fato, tivemos um cenário ruim para todo mundo. Tivemos uma perda de confiança na maioria dos países. O Brasil não foi diferente, mesmo que nós tenhamos tido um desempenho razoável.

O sr. acha que é só questão internacional, não tem uma parcela de responsabilidade do governo também? O próprio Lula disse que há coisas a consertar...
Mas é óbvio. Temos muitas coisas a consertar no Brasil. Só que você tem que olhar o saldo. Consertamos uma série de coisas, mas muitas coisas têm que ser consertadas.

O quê?
A renda da população mais pobre cresceu 200% nesse período de 10 anos. É espantoso. Avançamos. Mas nossa renda per capita é U$ 11 mil. Temos que ir a U$ 20 mil. A nossa infraestrutura tem que avançar muito.

O sr. faria algum reparo na condução da política econômica nos últimos três anos?
Pelo cenário de crise que vivemos, e pela comparação com outros países, fomos bem. Teríamos ido melhor se não tivesse a crise. O que acontece com a crise? Encolhe o mercado internacional. A nossa manufatura não tem para quem exportar.

O empresariado entra em crise. O Benjamin [Steinbruch] é do setor de aço. Há capacidade excedente de aço no mundo. A China continuou produzindo. Esse setor sofre. Mas sofre no mundo todo. A China subsidia fortemente o aço. Vendem mais barato.

Em outras épocas, mesmo com crise econômica no mundo, o Brasil cresceu. Por que isso não se repete agora?
Em 2008, fizemos várias medidas de estímulo, uma política anticíclica. Mas em 2009 tivemos um PIB negativo -foi pequeno, 0,6%, mas foi negativo. Outros países tiveram PIB negativo de 6%, 7%.

Em 2010, houve uma recuperação da economia mundial. Durou pouco. A gente achava que ali terminava a crise, só que ela teve uma recaída. Em 2011/2012, teve a crise europeia. A partir daí, todos os países tiveram desaceleração. Todo mundo fala que os Estados Unidos estão muito bem, que é o país mais dinâmico. No ano passado, os Estados Unidos cresceram 1,9%. O Brasil, 2,5%.

Estamos crescendo abaixo do que gostaríamos, é verdade. Principalmente no primeiro semestre deste ano tivemos uma série de problemas que impediram um crescimento mais forte da economia.

A propósito, o PIB no segundo trimestre será negativo?
É esperada uma estabilidade. Um crescimento pequeno, uma estabilidade.

Pode ser um pouco negativo?
Não sei. As previsões, em geral, erram. Nós vimos que a previsão de inflação...

O sr. já deve ter alguns números preliminares, o que dizem?
Os números em geral falam de X a Y. Ninguém se compromete com um número.

Qual é o X e qual é o Y?
Em torno de um crescimento moderado.
No segundo trimestre, tivemos a Copa do Mundo que tirou vários dias úteis. Foi um sucesso do ponto de vista de organização. Do ponto de vista da produção e do comércio, prejudicou. Tivemos muito poucos dias úteis. A produção industrial caiu e o comércio cresceu pouco. Os serviços, não sabemos. Com a Copa, alguns serviços aumentaram. Outros, diminuíram. De fato, não foi um bom resultado.

Já os dados de julho são todos positivos, altamente positivos. Temos assim: produção de automóveis cresceu 10% em julho. O fluxo de veículos pesados nas estradas cresceu 3,2%. A venda de material de construção cresceu 22%. E assim por diante.

A confiança do consumidor está aumentando. Também tivemos uma política financeira apertada, com pouco crédito por causa do combate a inflação. A inflação foi para zero em julho. Está controlada. Em função disso, o Banco Central começou a flexibilizar a política monetária e já liberou [o volume do depósito] compulsório. Vai melhorar o crédito.

Há dois meses consecutivos que o consumidor aumenta a sua confiança. Vai voltar às compras. Então, o primeiro semestre foi de estabilidade. No segundo semestre, vamos ter um cenário melhor que o primeiro semestre: mais dias úteis, mais crédito, uma inflação mais baixa, não tem a Copa.

Quanto o Brasil vai crescer no final do ano?
Não sei. Não arrisco.

Só posso afirmar que no segundo semestre vamos ter um crescimento maior que no primeiro semestre. Estou dando dados de julho. Agosto continua esta trajetória. Vai haver uma melhoria, mas será um ano ainda de transição.

Temos que superar essa crise da economia mundial. Depende do Brasil e depende de vários outros países. Estamos fazendo no Brasil um amplo programa de investimento e infraestrutura. O PAC e mais o programa de concessões, na área de petróleo e gás. Estamos fazendo um grande esforço porque temos que aumentar a oferta de infraestrutura. É o gargalo que temos no Brasil.

Nos últimos 40/50 anos, investiu-se muito pouco em infraestrutura. Temos que tirar essa diferença: energia elétrica, gás e petróleo. Tudo isso já está sendo feito. Fizemos os leilões de concessões de cinco rodovias e vai começar agora o investimento produzido por essas concessões. Estará ocorrendo, estimulando a economia.

A economia está crescendo menos neste ano. A receita está fraca. O Brasil vai cumprir a meta de superávit de 1,9% do PIB?
A meta que estamos perseguindo é 1,9%. Igual à do ano passado, quando diziam que nós não íamos cumprir. E cumprimos a meta de 1,9%. Mais para o final do ano, teve receita extraordinária.

Este ano também tem receita extraordinária. Tem dois Refis [Programa de Recuperação Fiscal] em curso. Tem o leilão do 4G [banda de telefonia celular] que tem que ser feito. Tem R$ 2 bilhões que virão daquela partilha da Petrobras. No final de ano vai ter uma concentração da arrecadação.

Mas como a atividade cresceu menos no primeiro semestre, também a arrecadação cresceu menos. Então, é mais difícil. Estamos fazendo um grande esforço de controlar as despesas. É um ano mais difícil, mas estaremos nos empenhando totalmente para entregar essa meta de 1.9%.

O sr. menciona as receitas extraordinárias, como Refis e leilão de 4G. Tem algum dado objetivo que nos permita acreditar que haverá essa entrada de recursos no caixa do governo?
Veja, são projeções. Então você faz um Refis como fizemos no ano passado, mas teve um leilão de Libra que dava R$ 15 bilhões. Os R$ 15 bilhões eram certos, era um número já sabido. O Refis você nunca sabe com precisão. A gente trabalha com estimativa.

Tem algum dado recente do Refis?
Este ano a gente está pensando em receita extraordinária entre R$ 30 e R$ 35 bilhões, mais ou menos. É esse o dado. E a recuperação da economia trará uma arrecadação maior no segundo semestre do que no primeiro semestre.

Dentro de sua equipe já se ouve que será praticamente impossível cumprir meta de 1,9% de superávit. Não seria melhor falar ao mercado: "Este ano está mais difícil e a meta será menor"?
Mesmo sendo um ano mais difícil, nós temos que trabalhar, temos que segurar despesa e temos que ir atrás desse resultado. A equipe está empenhada a ir atrás desse resultado.

Há uma política em curso de utilizar os recursos dos bancos públicos para ajudar no saneamento de distribuidoras de energia elétrica. Por quanto tempo será necessário manter essa política?
Não é uma política de sanear. Nós estamos vivendo uma crise em função da falta de chuva...

Não é só a falta de chuva... Falta de planejamento anterior também.
Absolutamente. Tivemos no setor elétrico muitos investimentos que habilitaram o setor elétrico a fazer frente a uma situação como essa. Uma das maiores secas, parecida com a de 2001, a diferença é que nós investimos muito nesse período na ampliação da capacidade de geração e de transmissão, são 8 ou 10 mil quilômetros de linhas de transmissão que nós fizemos, nós fizemos muitas termelétricas, fizemos geração eólica. Estamos com duas hidrelétricas, Santo Antônio e Jirau, que vão entrar em funcionamento daqui a pouco, nós estamos com Belo Monte.
Então, nós tivemos um problema de custo de energia, e não de falta de energia. Aliás, esse é um ponto que tem que ser esclarecido. Porque se fez uma campanha querendo dizer que ia faltar energia. Talvez gente que lembrasse de 2001, quando de fato faltou energia, não tem falta de energia, nós temos energia suficiente para gerar, o que houve é um aumento de preço.
Se choveu menos o preço sobe, se choveu mais o preço cai. Então, o que aconteceu, subiu o preço e a distribuidora recebe da geradora. Então a distribuidora teve uma majoração de preço, que ela tem de repassar para alguém. Nós ajudamos a ter o empréstimo, em regras de mercado, para financiar isso, um empréstimo totalmente seguro, porque tem recebíveis.
A primeira tranche foi de R$ 11,2 bilhões, agora tem uma segunda de R$ 3,5 bilhões e terá uma terceira de R$ 3 bilhões. Entraram nesses empréstimos os bancos privados, são 10 bancos privados e mais os bancos públicos.

Os bancos públicos têm a metade dessa operação toda.
Não tem subsídio, é a valor de mercado e os bancos que entraram terão uma rentabilidade boa, razoável. O banco público entrou porque ele quis e os bancos privados entraram, a regras de mercado.

A TJLP (taxa de juros de longo prazo) está em 5%, enquanto os juros estão em 11%. Não é uma distorção, ela não vai subir?
Se não tivesse esse financiamento do BNDES, nós não teríamos investimento no país, ou teríamos muito pouco investimento. Por quê? Porque nós ainda temos um juro básico um pouco alto. Ele diminuiu muito em relação ao que era. Hoje, no pico dele, com 11% de Selic, ele [o juro real] está em 4,8%. No Brasil, no passado, era 10%, 15%, 20%. Então, se você quer ter investimento no país tem que ter crédito barato.

O governo está estudando subir a TJLP ou não?
Não estamos pensando. Não está sendo cogitado.

Tem uma palavra que passou a fazer parte do vocabulário comum hoje em dia que é "tarifaço", muito explorado no processo eleitoral. E é notório que o Brasil represou o reajuste de alguns preços controlados pelo governo. Na sua avaliação, essa recomposição de preços públicos deve ser feita ao longo de quantos meses ou anos a partir de 2015?
Eu diria que há um equívoco em dizer que não há recomposição de preços. Posso citar aqui vários preços que aumentamos este ano. Aliás, todo o ano você faz isso. Por exemplo, nós aumentamos o preço dos remédios, aumentamos plano de saúde, aumentamos a loteria da Caixa [Econômica Federal], tarifa de correio e energia elétrica. Esse são os principais preços administrados, então se você olhar na estatística, os preços administrados este ano estão crescendo mais do que no ano passado.

Porque estão recuperando...
Mas há recuperação ou não há? Eu não estou entendendo, ou você me diz que não há e que a gente não está reajustando ou você diz que está. Eu estou dizendo que está, é estatístico. Eu mostro dado para você.

Um colega seu, Aloizio Mercadante, reconheceu que o governo estava segurando alguns preços, porque considerava que era importante não punir a população por causa da seca. Está tendo represamento de preços?
A energia subiu em 12 meses mais de 12%. Se isso é represamento, não sei o que é aumento de preço. Não está havendo represamento. É só olhar o IPCA, que foi de 0,01%, quase zero [em julho]. Os preços administrados foram os que mais subiram.

E se essa conta for estendida por quatro anos? Houve ou não represamento de preços?
Não houve represamento.

E a gasolina?
Tem gente falando que a gasolina está sendo represada. Nós demos, desde 2011, dois reajustes por ano no preço da gasolina na refinaria. Preço monitorado não tem dois aumentos por ano. Nem aluguel tem dois aumentos por ano.

E a gasolina neste ano?
A gasolina na refinaria subiu mais do que a inflação nesses últimos quatro anos. O que aconteceu é que nós retiramos a Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] e aí na bomba ela subiu menos do que subiu na refinaria.

O que interessa para a Petrobras é na refinaria, porque ela vende a gasolina da refinaria. Então, está subindo. Agora, se vai subir em janeiro, fevereiro, março, abril, aí não importa.

Tenho que falar em tese qual é a regra. Não posso falar se vai ter ou não vai ter [aumento], quando vai ter ou quando não vai ter. Só estou dizendo que todo ano tem aumento.

Como neste ano a gasolina ainda não foi reajustada para o consumidor final, é lícito supor que, até dezembro, haverá um reajuste para o consumidor final?
É lícito pensar sim. É lícito pensar.

E vai acontecer ou não?
Não posso dizer porque essa é uma informação confidencial que mexe com o mercado, que mexe com ações da Petrobras. Não sei quando será, se haverá ou se não.

O que eu posso dizer é o seguinte: sempre houve todos os anos e não creio que este ano seja diferente.

Se o governo fizer o reajuste antes da eleição, tem um tipo de impacto político eleitoral. Se fizer o reajuste depois da eleição, haverá outro impacto. O governo prefere fazer depois da eleição?
Não nos pautamos pela eleição na condução da economia. Tanto é verdade que no ano eleitoral nós subimos a taxa de juros por causa da inflação. A prioridade é o combate à inflação. Manter a inflação sob controle.

Críticos da política econômica, adversários do governo, dizem que há necessidade de recomposição das tarifas. O sr. acha que em 2015 é ou não preciso fazer um "tarifaço"?
Eu me preocupo. Se você me diz que os outros estão pensando que os preços estão represados, vai ver que eles têm intenção de dar um "tarifaço". Eu me preocupo. O que eu estou afirmando aqui é que é desnecessário.

Mas qual é a estratégia de quem argumenta de maneira oposta?
Não sei. Talvez seja uma leitura equivocada do que está acontecendo.

A oposição está mentindo nesse caso?
Talvez tenham uma interpretação equivocada.

Mas não é só o mercado ou a oposição. A Petrobras reclama. Fala da necessidade de aumento de preços. Trata-se de uma empresa do governo que tem o mesmo discurso...
Para a Petrobras, o melhor seria o maior preço possível. Até um preço maior que lá fora. Quanto maior o preço, mais ela fatura. Só que achamos que a Petrobras tem que faturar pelo aumento de produção. E o aumento de produção está acontecendo.

O aumento de produção da Petrobras, a partir de maio, é expressivo. Está aumentando a cada mês a produção 1,5%, 2%. Então, vai faturar mais. Daqui para a frente, só vai aumentar a produção da Petrobras. Por quê? Porque colocou várias plataformas e o pré-sal está começando a produzir mais. Vai faturar mais com a produção.

É claro que tem que faturar também com o preço. Tem que haver um equilíbrio. O aumento de preço não pode ser exagerado, porque senão causará prejuízos a todo mundo. Então, os preços vão subir.

Tivemos um problema por causa do câmbio, quando em 2012/2013 houve uma desvalorização do real. Foi aí que teve uma defasagem de preço.

A propósito, Armínio Fraga [ex-presidente do Banco Central no governo FHC] acabou de dizer que o governo tem mantido artificialmente a taxa de câmbio para segurar a inflação. Está sugerindo até populismo cambial.
Que eu me lembre, se houve um período de artificialismo, foi justamente no governo anterior. De 1995 a 1998, manteve-se o real artificialmente valorizado. Até que houve uma crise em 1999, uma baita desvalorização feita pelo mercado totalmente fora de controle do governo. Nessa época foi feito populismo cambial, efetivamente.

Nós fizemos o contrário. Quando o câmbio estava se valorizando fortemente em 2010, 2011, o que fizemos? Compramos mais reservas. Impedimos que houvesse a valorização.

O que é populismo cambial? É artificialmente deixar a moeda se valorizar porque barateia a compra de produtos. A população compra produtos importados. Desequilibra as contas públicas. Nós fizemos o contrário: não permitimos a valorização do real.

Armínio Fraga está enganado então?
Redondamente enganado.

O câmbio hoje está apropriado para a economia brasileira no atual nível?
O câmbio está apropriado, mesmo porque não é que você fabrica um câmbio. Esse câmbio é o resultado de variáveis.

Mas não é só Armínio Fraga. O Fundo Monetário Internacional também aponta que o câmbio estaria fora do lugar e não estaria refletindo totalmente os fundamentos da economia brasileira.
O Fundo Monetário sempre nos apoiou na política cambial que fizemos. Em 2011, quando começamos aplicar IOF e impedir esse excesso de capital externo que valorizava a moeda, o FMI nos apoiou. Teve um editorial no "Financial Times" nos apoiando, dizendo que estava certo o Brasil não deixar entrar todo esse capital.

Os últimos editoriais do "FT" já não são tão positivos...
Mudaram de ideia.

Por quê mudaram de ideia?
Não sei.

A meta de inflação do Brasil é de 4,5% ao ano com uma taxa de tolerância de 2 pontos, para mais ou para menos. Se a presidente Dilma Rousseff for reeleita, é necessário manter esses parâmetros até 2018?
Nós teremos uma queda do preço das commodities. Isso já está acontecendo. Essa é uma variável importante.
Eu diria o seguinte, que no cabo de quatro anos dá perfeitamente para atingir o centro da meta.

Em 4,5%?
Dá para atingir o centro. E dá para diminuir também, digamos, a margem de elasticidade. Neste momento não dá. Mas dá para fazer. Tem que ser perseguido. Nós ainda temos indexação, ao longo desses quatro anos dá para diminuir a banda.

Manteria o centro em 4,5 %, porém reduziria a banda, que hoje é de 2 pontos. Seria uma redução da banda de tolerância para 1,5 ou 1 ponto?
Não vou dizer. Não vou fixar agora, porque isso se faz na reunião do Conselho Monetário.

Mas o sr. acha exequível essa redução da banda de tolerância em 4 anos?
Em 4 anos é exequível. Mais que exequível, deve ser perseguido. Deve ser perseguida uma inflação menor.

Ainda temos uma certa indexação na economia brasileira. Essa indexação está sendo desativada. De que maneira? Você tinha contratos feitos ainda com indexadores como o IGP-M. Você está substituindo: contratos de energia não se fazem mais com o IGP-M, mas com o IPCA.

Como não estamos prevendo uma desvalorização do real, uma das principais pressões inflacionárias deverá diminuir.

Quem promete para os brasileiros uma taxa de inflação em 4 anos, a partir de 2015, menor do que a meta atual de 4,5%, está enganando?
Não está enganando, mas pode ter más intenções...

Que tipo de más intenções?
Subir muito a taxa de juros. Como combatiam a inflação no passado? Era assim: valoriza o câmbio e sobe violentamente a taxa de juros. Essa taxa de juros que nós temos é uma taxa de juros que garante a produção, que garante o comércio, o financiamento.

Já tivemos aqui no Brasil taxas de juros reais de 30% a 40%. Armínio Fraga praticou essas taxas. Tenho receio de que essa seja a política: dar um chute na taxa de juros. A taxa de juros vai diminuir a inflação causando uma recessão na economia, destruindo a economia.

O sr. imagina que essa política que vai ser aplicada [se a oposição vencer a eleição presidencial]?
Estou inferindo, não tenho certeza. Ele está dizendo: vão reduzir a inflação na marra. Como é que faz? Uma das maneiras é gerando desemprego, por exemplo. Tem gente que acha que a inflação sobe no Brasil porque o mercado de trabalho é bom, porque tem pleno emprego, e os salários estão subindo. Você já sabe qual é a fórmula: vamos reduzir salários, vamos causar desemprego. Tem gente que acredita nisso.

Acha que farão isso?
Não acho nada. Estou dizendo que essa é uma estratégia possível. É uma estratégia que os conservadores costumam praticar. "A inflação está alta, o que tem que fazer? Tem que reduzir o crescimento, diminuir o salário dos trabalhadores". Isso nós não faremos.

O que procuramos fazer é combater a crise preservando o mercado de trabalho, o padrão de vida da população. Jamais jogaremos nas costas da população o ajuste da crise mundial. Outros fariam isso. É só ver na Europa. Vários fizeram isso. Por que você acha que caiu o salário na Europa inteira, caiu salário nos Estados Unidos, e no Brasil não caiu? É um dos poucos países do mundo em que não caiu o salário. É por causa da estratégia econômica que temos, que é diferente.

Agora, se alguém entrar e quiser derrubar a inflação rapidamente, consegue. É só colocar uma bala de canhão, chuta o juro para cima, a economia vai definhar rapidamente, você vai ter recessão. Aí sim você vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério.

Em resumo, um eventual próximo mandato da presidente Dilma Rousseff terá a meta anual de 4,5% para a inflação. Esse centro da meta seria atingido só em 2018. E até lá seria possível estreitar a banda de tolerância, que hoje é de dois 2 pontos, para mais ou para menos. É isso?
Isso. Isso seria a política gradualista de combate à inflação.

É possível sim ir abaixo de 4,5%. Em 2006, eu era ministro da Fazenda e estávamos impulsionando uma expansão da economia. Tivemos uma safra muito favorável naquela época. Os preços dos produtos agrícolas caíram bastante. Os preços dos produtos industriais estavam bem comportados. Tivemos uma inflação abaixo de 4,5%, com a economia crescendo. Poderá ser possível nos próximos anos que isso aconteça.

Mas o que digo é o seguinte: no curto prazo não faria nenhuma política heroica, nenhum choque, tratamento de choque. Tratamento de choque faz mal às economias. Tem gente que pensa assim: vou dar um tarifaço, vou subir a taxa de juros lá em cima. Isso faria muito mal à economia e nós não faremos isso.

O sr. dá como concluída a sua missão no Ministério da Fazenda, no final do ano?
Não. A missão no Ministério da Fazenda é permanente. Mas termina um mandato e a gente tem que pensar nesse prazo. Não raciocino para os próximos anos. Tenho que colocar todas as minhas energias para conseguir cumprir os objetivos, as metas que estabelecemos até o final de 2014.

O sr. desejaria contribuir como ministro num próximo eventual mandato da presidente Dilma?
Não é momento de pensar em próximo mandato.

Acesse a transcrição completa da entrevista.

A seguir, os vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets, com opção de assistir em HD):

1) Principais trechos da entrevista com Guido Mantega (8:41)

2) Inflação não se combate com bala de canhão, diz Mantega (2:32)

3) Meta de inflação até 2018 fica em 4,5%, mas com teto menor, diz Mantega (1:35)

4) Mantega: Não há represamento e nem tarifaço em 2015 é necessário (2:06)

5) Petrobras tem de faturar mais com aumento de produção, diz Mantega (1:18)

6) Haverá aumento da gasolina, como em todos os anos, diz Mantega (1:29)

7) Câmbio está apropriado e Armínio, enganado, diz Mantega (2:10)

8) Steinbruch, da Fiesp, está redondamente equivocado, diz Mantega (2:22)

9) Copa do Mundo puxou economia para baixo, diz Mantega (1:18)

10) Governo conta com R$ 35 bi de receita extra para este ano, diz Mantega (0:52)

11) Aumento da TJLP, hoje em 5%, não é cogitada, diz Mantega (1:45)

12) Quem é Guido Mantega? (1:07)

13) Íntegra da entrevista com Guido Mantega (63 min.)

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