Folha de S. Paulo


BC pode ficar como está, diz Febraban

O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Murilo Portugal, acha que o Banco Central tem um funcionamento apropriado e pode ficar como está, sem ampliação de sua autonomia como defendem alguns candidatos de oposição ao Palácio do Planalto.

http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2014/murilo-portugal-no-poder-e-politica-1399680315540.js

Em entrevista ao programa "Poder e Política", da Folha e do "UOL", ele disse: "O Banco Central já funciona com independência operacional há bastante tempo. Atua de maneira adequada. Acho que está apropriado".

O BC é a autoridade reguladora do mercado bancário. Mais autonomia para a autarquia representaria um risco para a indústria bancária.

Primeiro presidente profissional contratado para presidir a Febraban, Murilo Portugal, 65, está no cargo há três anos. Envolveu-se em uma polêmica com o governo federal no início do mandato da presidente Dilma Rousseff, quando os bancos reclamaram da pressão para que baixassem suas taxas de juros.

Sobre esse episódio, Portugal hoje fala pouco. O que ficou? "A importância de realmente trabalhar de uma maneira consistente, permanente, para a redução das taxas de juros e dos spreads bancários no Brasil. Os bancos são a favor disso".

Indagado então sobre a razão de as taxas de juros cobradas pelo bancos continuarem elevadas, Portugal repetiu a explicação clássica da Febraban sobre os custos operacionais no Brasil serem mais altos do que em outros países.

O discurso da Febraban alinhou-se de uma vez ao do governo. Portugal diz que há um excesso de mau humor sobre a economia que não corresponde ao que se passa de fato no país.

O setor bancário estima para este ano um avanço de 13% a 14% no volume de crédito oferecido. Começa agora também uma fase de mais competição, com o vigor da portabilidade de dívidas de uma instituição para outra: o cliente poderá negociar juros menores e trocar de banco, tudo eletronicamente. Esse processo deve demorar dois dias, segundo Portugal.

A seguir, trechos da entrevista:

Folha/UOL - Qual espaço existe na economia para ampliar o crédito do consumo e alavancar o crescimento do país?
Murilo Portugal - Em 2004, o crédito bancário ao setor privado era 26% do PIB. Agora, está em 56% do PIB.

Dados de março mostram que o saldo total das operações de crédito cresceu 1%. No acumulado, em 12 meses até março, 13,7%. Nós esperamos que esse ano o crescimento fique em torno de 13%, 14%.

Em abril, a inadimplência no comércio foi recorde, de 8,6%. Como está para os bancos?
A taxa de inadimplência, no setor bancário, é de 3%. É mais alta nas pessoas físicas do que nas pessoas jurídicas.

Tivemos uma situação um pouco pior no final de 2011 e durante o ano de 2012. Essa taxa chegou a 7,5%. Agora, vem caindo.

Foi estabelecida a portabilidade das operações de crédito. A impressão que se tem é que ainda continua sendo muito difícil fazer isso. Por quê?
A portabilidade já existia antes, mas era difícil. Concordo. Era um processo totalmente manual. O cliente tinha que ir pessoalmente ao banco que estava perdendo a operação, e depois ir ao banco para o qual ele queria portar a operação.

O Banco Central emitiu uma resolução, no final do ano passado, estabelecendo a portabilidade eletrônica. Esse sistema começou a vigorar esta semana. O cliente vai uma vez ao banco para o qual está levando a operação. O entendimento é feito entre os bancos. O banco que está perdendo a operação tem dois dias para fazer uma oferta melhor ao cliente ou informar os dados ao novo banco.

Teria como informatizar também a portabilidade completa de uma conta bancária, com todos os débitos automáticos que o cliente tem?
Vai dar trabalho transferir todos esses débitos automáticos que tem na conta, mas é uma coisa que é possível fazer.

A portabilidade do crédito é um exemplo. Montamos um sistema automático e usamos a CIP, a Câmara de Pagamentos Interbancários. Isso vai facilitar a portabilidade das operações de crédito.

Quem vai ao caixa eletrônico e deseja retirar o seu dinheiro trocado em notas de R$ 5, R$ 10 ou R$ 20 não consegue. Os bancos poderiam oferecer essa facilidade?
Acho que é possível. Nós temos cerca de 180 mil ATMs no Brasil. São nove ATMs para cada 10 mil pessoas. É um índice parecido com o dos Estados Unidos.

Temos avanços a fazer. Esse que você mencionou, possivelmente, seja um deles.

O STF deve retomar neste mês o julgamento sobre as perdas na Poupança. Os bancos estão preparados para uma derrota?
Nós temos convicção e confiança de que vamos ganhar essa ação no Supremo Tribunal Federal. A única coisa que os bancos fizeram foi cumprir estrita e fielmente o que as leis, propostas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso, determinaram.

Nós achamos que não vamos perder essa ação.

Ainda assim...
O custo dessas ações depende de uma série de variáveis. Por exemplo, as ações coletivas: valerá para o Brasil inteiro uma ação civil pública do Estado do Acre? Esse custo [no caso de derrota no STF] pode variar de R$ 23 bilhões a R$ 343 bilhões.

Até quanto os bancos aguentariam?
Os bancos são diferentes. Os bancos públicos têm uma exposição maior do que os privados. A exposição maior é a da Caixa Econômica Federal. O total dos bancos públicos é 52%. Se for R$ 20 [bilhões], é 52% de R$ 20 [bilhões], se for R$ 340 [bilhões], 52% de 340 [bilhões].

A arrecadação de tributos sobre o lucro das empresas no primeiro trimestre deste ano, de 2014, foi 6,5% menor do que o mesmo período de 2013. O maior responsável por essa queda foram os bancos. O que se passou?
Não houve menor pagamento de impostos pelos bancos no início do ano. Os bancos têm a mesma alíquota que eles tinham no passado. Os bancos são um dos maiores pagadores de tributos no Brasil e cumprem com bastante exação as suas obrigações.

Não procede a informação?
Desconheço essa alegação.

No início do mandato da presidente Dilma Rousseff houve uma pressão para que os bancos reduzissem suas taxas de juros. O que ficou desse episódio?
Ficou a importância de realmente trabalhar de uma maneira consistente, permanente, para a redução das taxas de juros e dos spreads bancários no Brasil. E que os bancos são a favor disso. Os bancos gostam de emprestar e ter lucro emprestando, mas isso pode ser obtido com volumes maiores e preços mais baixos. Houve, realmente, um aumento da taxa Selic [agora]. É um aumento comum. Essa é uma taxa que flutua, segundo as condições econômicas. Isso não quer dizer que a taxa de juros não possa vir a cair novamente no futuro.

Os juros que os bancos cobram dos seus clientes são considerados muito altos em relação a outros países. Por quê?
Os custos de operação no Brasil são mais altos do que os custos de operação nos outros países.

Mas é tão mais alto assim?
São mais altos. Vou dar um exemplo: o custo da segurança física nas agências. Nos Estados Unidos não existe o aparato que existe nos bancos aqui, em termos de portas giratórias e câmeras de vigilância, e nem os 85 mil vigilantes que os bancos do Brasil contratam para manter a segurança. Esse é apenas um exemplo. O custo tributário aqui também é mais elevado do que em muitos países. Então é principalmente uma questão de custo. Devemos trabalhar para procurar reduzir.

Foi um bom negócio para os bancos fazer um empréstimo para o setor elétrico na casa de R$ 11 bilhões?
Imagino que deve ter sido, porque senão eles não teriam feito. Mas eu não participei diretamente disso porque foi uma operação estritamente comercial. Eu não poderia responder.

Houve pressão do governo federal?
Não. Acho que foi uma operação comercial. Os bancos entraram porque consideraram vantajosa do ponto de vista comercial.

Há um excesso de mau humor na economia que não corresponde com a realidade, como diz o governo?
Possivelmente. Muitas vezes há algum excesso na avaliação, tanto quando as coisas vão bem e você acha sempre que vai melhor do que realmente vai. E quando as coisas não vão tão bem, você acha que vai um pouco pior do que realmente vai. Então, é possível que isso ocorra, sim.

Acho que talvez haja algum exagero no caso do Brasil. Não compartilho da ideia de que o Brasil esteja entre os países emergentes mais frágeis em relação a outros parceiros, como muitas vezes é divulgado na imprensa. Não compartilho dessa opinião.

A Febraban tem uma posição a respeito de o Banco Central ser mais independente?
O Banco Central já funciona com independência operacional há bastante tempo, mas é lógico que tudo na vida que pode ser aperfeiçoado deve ser aperfeiçoado. Mas eu não acho que haja uma falta de independência. Acho que o Banco Central atua de uma maneira adequada no Brasil.

É apropriado ficar como está?
Acho que está apropriado.

Acesse a transcrição completa da entrevista.

A seguir, os vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets):

1) Principais trechos da entrevista com Murilo Portugal (4:27)

2) Crédito cresce até 14% neste ano, diz Febraban (1:28)

3) Portabilidade de dívida será em 2 dias, promete Febraban (1:27)

4) BC pode ficar como está, diz Febraban (1:29)

5) Saque trocado é possível, mas não está nos planos (2:47)

6) Vamos ganhar ação das perdas da Poupança (4:38)

7) Há exagero de mau humor sobre economia, diz Murilo Portugal (1:12)

8) Febraban nega que bancos pagaram menos impostos (1:34)

9) Juro é alto porque bancos têm custo elevado no Brasil, diz Febraban (3:05)

10) Quem é Murilo Portugal? (1:54)

11) Íntegra da entrevista com Murilo Portugal (33 min.)

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