Folha de S. Paulo


Eduardo Campos fala em meta de inflação de 3%

O pré-candidato a presidente pelo PSB, Eduardo Campos, 48, detalhou a trajetória que deseja para a inflação no Brasil caso venha a ser eleito. Em 2015, manteria a meta em 4,5% ao ano. Nos três anos seguintes, forçaria uma queda para 4%, terminando o mandato sinalizando um percentual de 3%.

http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2014/eduardo-campos-no-poder-e-politica-1398884700954.js

Em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do "UOL", o socialista disse que a meta de inflação de 3% seria fixada oficialmente para 2019. A definição desse percentual é responsabilidade do CMN (Conselho Monetário Nacional), formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, sempre com dois anos de antecedência.

Campos detalhou também sua proposta sobre independência do Banco Central. Se eleito, pretende patrocinar a aprovação de uma lei que dê um mandato de três anos ao presidente do BC, período pelo qual o chefe dessa autarquia não poderia ser demitido. Seria permitida apenas uma recondução.

O reajuste das tarifas de energia e combustíveis, represadas no atual governo, seria feito em até três anos, de maneira gradual, para não causar um impacto muito grande sobre a inflação.

Em terceiro lugar na pesquisa Datafolha (tem 10% das intenções de voto), o pré-candidato tenta encontrar uma brecha entre seus dois adversários diretos na disputa de outubro. Dilma Rousseff (PT) lidera a corrida presidencial com 38%. Aécio Neves (PSDB) tem 16%.

Campos se posiciona como um liberal na economia e na gestão do governo (para atrair eleitores tucanos), mas mantendo os gastos com programas sociais (acenando aos petistas). Na área de costumes, tem posições conservadoras –como quase todos os adversários.

Numa eventual gestão de Campos como presidente, ele promete manter a política de reajuste acima da inflação para o salário mínimo. O número de ministérios cairá para "15 a 20". Agências reguladoras terão diretores escolhidos com a ajuda de recrutadores profissionais. O Bolsa Família será ampliado e terá algum reajuste no valor do benefício.

As regras atuais sobre aborto têm a aprovação de Campos. Ele é contra a liberalização da prática além do que a lei já autoriza. Também não defende reduzir a maioridade penal e nem tem simpatia por uma política de descriminalização da maconha.

A seguir, trechos da entrevista, gravada na última terça-feira:

*

Folha/UOL - A meta de inflação anual no Brasil é de 4,5%. O sr. mencionou nesta semana que pode ser atingida até 2018. Tem como ser antes?
Eduardo Campos - É possível, sim. Outros países como Chile, como a Colômbia têm inflação menor que a do Brasil.
Eu falei em 4%, na verdade, de meta de inflação para chegar até 2018. Em 2015 temos que fazer o PPA, o Plano Plurianual, que avança um ano sobre o mandato seguinte, a gente já quer deixar claro uma rampa de queda do centro da meta. E ter um compromisso com o centro da meta e não com o teto. Agora já está furando o teto. A gente precisa focar o centro da meta.

Para 2014 a meta é 4,5%, não tem como mudar. Para 2015 também será 4,5%, pois já está decidido. Qual deve ser a trajetória da meta de inflação do Brasil ao longo dos próximos anos?
Nos próximos quatro anos, a gente deve perseguir uma meta de 4%, como centro da meta.

A partir de qual ano?
A partir do ano de 2016, a gente já se aproxima do centro da meta. Nós queremos olhar para, a partir de 2018, um novo centro da meta, em torno de 3%. Para que o Brasil vá se aproximando de uma inflação de classe mundial para países do padrão do Brasil.

A partir de 2016 o sr. entende que deve ser de 4%?
4%.

Que seguiria até 2018 e 2019...
E o PPA nosso constaria, para 2019, já uma meta de 3%.

O governo represou certos preços controlados, como combustíveis e energia. Quando será possível trazer esses preços para níveis de mercado?
Primeiro, temos que definir uma regra clara sobre esses preços para que o governo não fique com a capacidade de meter a mão. Ele fez isso porque deixou de fazer a governança da macroeconomia, um dever de casa. Como não fez, teve que ir em cima dos preços que ele poderia colocar a mão.

Economistas dizem que se Dilma Rousseff for reeleita, não vai querer aumentar os preços de energia e combustíveis de uma vez no primeiro semestre de 2015. Mas, se for um candidato de oposição, poderia reajustar tudo nos primeiros meses, dando uma pancada para cima na inflação. Isso vai acontecer?
Eu acho que não. Se depender de nós, vamos fazer um processo.

Como?
Passar uma mensagem de tranquilidade. Uma visão de médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, não esconder que tem um esqueleto que estão deixando. Nem sei se a presidenta [Dilma Rousseff], perdendo as eleições, não teria a obrigação de já tomar algumas medidas para ir diminuindo o tamanho do passivo que fica.

Em quanto tempo deve ser feita a correção nesses preços de energia e combustível?
Não pode soltar de uma vez só porque são preços transversais à toda a economia. Mas deve ser no menor prazo possível, desde que não crie uma situação de constrangimento para a economia.

Em mais de um ano?
É mais de um ano e menos de três.

Dois anos, na média, até corrigir tudo?
Até corrigir tudo.

O sr. disse recentemente ser a favor de formalizar a independência operacional do Banco Central. Sua pré-candidata a vice-presidente, Marina Silva, deu uma declaração contraditando o que o sr. disse. Em um eventual governo do sr., o Banco Central teria qual tipo de independência?
Há um consenso em nosso conjunto de que o Banco Central deve ter independência administrativa.

Mais do que tem hoje?
Muito mais do que tem hoje.

Como é que se materializa isso?
Seria através de uma lei. Existem vários modelos. Esse debate ainda está acontecendo na nossa equipe de programa de governo.

Não há divergência entre o sr. e Marina Silva sobre isso?
Não. Temos um consenso de que no nosso governo, a partir dia 1º de janeiro, nós teremos uma direção do Banco Central com autonomia administrativa para cumprir a meta de inflação.

Os diretores do Banco Central e o seu presidente teriam mandatos com tempo determinado e não seriam demissíveis pelo presidente?
Há países em que você tem 12 diretores e o mandato é do presidente. Quando o diretor vira presidente por dois anos, ele está blindado na função de presidente.

O sr. tem opinião sobre isso?
Tenho. O mandato seria do presidente do Banco Central.

Não seria demissível no período em que estiver ali?
Na presidência, [não].

O sr. defende mandatos de quantos anos para o presidente do Banco Central?
Três anos.

Reconduzível?
Por uma vez. A partir daí, não coincide com o mandato do [chefe do] Executivo.

Que reformas econômicas são fundamentais para o país?
Temos que alavancar a produtividade da economia brasileira. E o grande desafio da produtividade é a educação. Nós precisamos de um pacto em torno da educação de qualidade que vai conduzir o Brasil a outro padrão de produtividade.

Há necessidade de alguma reforma na área trabalhista?
Ninguém nesse país vai ter condição de assumir um compromisso com a sociedade que tire direitos sociais nos próximos quatro anos. A nossa campanha vem de um conjunto de forças que tem, historicamente, compromissos com as lutas sociais brasileiras.
O que precisamos fazer para alavancar a produtividade no Brasil? Precisamos fazer um grande esforço de qualificação profissional, de educação, inovação -e precisamos desonerar a geração de trabalho. A produtividade em uma fábrica é tocada pelos custos que vêm da carga tributária que existe sobre o salário, e não da renda do trabalhador.
Não vamos colocar na nossa plataforma nada que retire direitos dos trabalhadores. Tocar em férias de trabalhador, décimo terceiro salário, de forma nenhuma. Nós vamos, sim, fazer um esforço para melhorar a produtividade das empresas brasileiras gerarem trabalho sem oneração, através de uma reforma tributária que melhore a composição dos custos no trabalho.

A atual política de reajuste do salário mínimo é adequada?
A gente não pode pensar que a classe trabalhadora vai perder o direito de ter um reajuste da inflação para a sua remuneração. Ou que vamos resolver o problema das contas públicas no Brasil tirando a possibilidade de os trabalhadores que ganham o salário mínimo terem um ganho real. O problema não é o salário mínimo ter ganho em real. O problema é na Previdência, um passivo que foi sendo formato ao longo dos anos.
O salário mínimo precisa seguir tendo reajustes, para garantir o poder de compra real, que é fundamental para ter um país mais equilibrado socialmente, um mercado interno, sobretudo nas regiões mais pobres.
No nosso governo, o salário mínimo terá a recomposição do poder de compra da inflação e algum ganho real.

Vários países europeus têm aumentado a idade de aposentadoria. É o caso de o Brasil começar a pensar também em aumentar a idade de aposentadoria de seus trabalhadores?
Na medida em que haja um processo em que a idade média do país vai crescendo, é natural que vá crescendo também a idade média da aposentadoria. As pessoas estão vivendo mais, é natural que as pessoas também queiram ou possam trabalhar mais do que antes.

Qual o sr. acha que seria a idade adequada hoje de aposentadoria?
Esse é o debate que os especialistas estão fazendo, mas não fechamos a opinião. É preciso incentivar a previdência complementar como uma forma de a gente ter um lastro de poupança que possa nos ajudar a alavancar os investimentos. E agora também há espaço para a previdência complementar pública, porque os novos servidores não terão a paridade.

Será inevitável fazer alguma correção na idade mínima de aposentadoria?
Não, não tomamos essa decisão. Nesse horizonte desses quatro anos agora, não.

O Brasil tem 39 ministros, Quantos ministros o Brasil teria de ter?
Entre 15 e 20 ministros.

Isso é possível?
É claro. É possível.

Em Pernambuco, o sr. governou o Estado com 28 secretários. Por que em Pernambuco não tinha de 15 a 20 secretários?
Você não pode comparar a máquina de um Estado com a máquina de um país. Um Estado tem máquinas muito mais precárias, há uma situação bem diferente da União para você chegar e fazer inovação, como nós fizemos em Pernambuco. Por exemplo, a área de cultura. Em um Estado forte culturalmente como Pernambuco, você precisa ter uma política para o cinema, você precisava ter uma política para a música, para as artes, e tinha que ter uma equipe que cuidasse da estruturação da área cultural.

Precisava ser um secretário?
Precisava, porque esse é o nome da função de confiança que tinha. Agora, nós diminuímos a expressão do número de cargos de confiança sobre a folha de pagamentos. Ou seja, a gente não criou nenhum cargo novo, diferente do que houve na União.

No plano federal, o ex-presidente Lula e a presidente Dilma têm argumentos iguais aos do sr. Dizem que era necessário "empoderar" determinados setores com cargo de ministro para dar relevância àquele setor. Por exemplo, a Secretária de Igualdade Social, a das Mulheres, a dos Direitos Humanos. Não é a mesma coisa que o sr. fez em Pernambuco?
Não, porque o governo federal em regra não executa. A execução se dá através de Estados e municípios. Ele define políticas, estruturas políticas, programas e pode fazer a execução através dos Estados. São situações completamente distintas.

Para reduzir o número de ministérios o sr. teria de fechar várias dessas pastas que eu citei, da área social, agrupando-as em um único lugar. Isso vai acontecer?
Não fizemos esse debate sobre a estrutura.

Mas o sr. está falando de 15 a 20 ministérios...
Não é só diminuir o número de ministérios. É mais do que isso. É conceber um modelo de gestão que tenha transparência e metas, que possa formar uma equipe com pessoas sérias, capazes, competentes, que sejam líderes que inspirem as equipes, e não essa partilha de colocar no ministério alguém que foi indicado só porque o partido "A" está fazendo bloqueio da votação no Congresso.

O atual governo tem uma base ampla de partidos que o apoia e eles estão representados nos ministérios. O sr. está dizendo que isso não vai ser a lógica do seu governo?
Essa lógica está superada pelos fatos, pela história, pelo tempo, pela manifestação da população.
Nós precisamos, para que o Brasil saia do caminho errado e entre no caminho certo, que a sociedade volte a olhar para Brasília e se reconhecer. A sociedade não vai se reconhecer em Brasília se a gente continuar criando ministério, provendo esses cargos da forma que estão sendo colocadas as pessoas para geri-los.
Nós precisamos apostar que a sociedade vai apoiar quem assume esse compromisso e cumpre esse compromisso. E se a sociedade vai apoiar, esse apoio da sociedade vai se refletir no Congresso Nacional, não tenho a menor dúvida disso.

Mas essa lógica de governar com vários partidos e dar a eles cargos funcionou, no Brasil inteiro, em vários governos, e inclusive no seu, em Pernambuco. O sr. tinha 17 partidos na coligação que o elegeu. Eles, em certa medida, estavam representados no seu governo...
Absolutamente.

Não?
O que nós fizemos em Pernambuco foram acordos de programa. É uma visão diferente. Você vai na Alemanha, terminou a eleição, os partidos se reúnem e discutem questões programáticas.

O sr. acha possível ter uma dezena de partidos, mas com base em programa?
Se não tiver os partidos, vai ter pessoas que estão nesses partidos, mas que vão ver algo certo, direito, sendo feito.
A própria presidenta Dilma teve no primeiro ano do governo dela uma torcida extraordinária do Brasil para fazer alguma coisa diferente. Essa oportunidade, ela deixou passar.
A gente derrotou uma ditadura, a gente derrotou uma hiperinflação, colocamos o tema social na mesa do Brasil, [agora] é preciso colocar o tema de melhorar a política. Ou melhora a política, ou não melhora nada nesse país.

Se o sr. tivesse que escolher um ou dois itens do sistema político-partidário para alterar, quais seriam esses pontos?
Mandato de cinco anos sem reeleição e coincidência dos mandatos. São duas medidas que ajudam a abrir outro padrão político.
A gente precisa ter eleições onde o Brasil inteiro fale. Onde não se tenha a visão "eleitoralizada" da política que hoje se tem, de a cada dois anos ter eleição. Termina que quem paga essa conta é a população.
Você está vendo agora, o Brasil está aí com problema de energia e as pessoas escondendo o problema porque tem reeleição.

No Brasil não havia reeleição até 1998. Mas antes disso muitos governadores escondiam muita coisa para fazer seus sucessores. Em São Paulo, há um caso clássico com Orestes Quércia, que elegeu Luiz Antônio Fleury Filho. Uma declaração à época atribuída a Quércia era assim: "Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor". O fato de não ter a reeleição vai impedir isso?
Eu acho que melhora muito. Sou convicto de que é bom para o Brasil ter eleições coincidentes no mesmo ano e o fim da reeleição e mandato de cinco anos.

O sr. mencionou que em seu eventual governo, se for eleito presidente, José Sarney estaria na oposição. O sr. governaria sem o PMDB?
Tem gente no PMDB que tem uma história ao nosso lado, como, por exemplo, Pedro Simon [RS], é um PMDB que honra qualquer governo a participação dele. O senador Jarbas Vasconcelos [PE], o senador Luiz Henrique da Silveira [SC], que têm uma posição de decência, de comprometimento com a política em outros termos.

O sr. governaria com quadros políticos e com pessoas de partidos e não necessariamente com os partidos?
Não. Eu respeito os partidos, eu sou dirigente de um partido. Eu tenho quatro partidos apoiando a nossa proposta. Nós vamos recebendo desde já a opinião de pessoas que são de outros partidos e que amanhã poderão até ser dirigentes de seus partidos. Mas enquanto não são vão nos ajudar na construção de um momento de mudança muito expressiva na vida pública. Nós não estamos em um momento singelo da vida pública brasileira e os partidos não estão representando exatamente o que a sociedade pensa. Tanto que a sociedade foi às ruas e não levou nenhum partido na frente.

O sr. vai falar com o PMDB e dizer: "Olha, vamos fazer um acordo programático, mas eu não quero dar cargos para a família Sarney, não quero isso etc."?
Nós vamos tirar da base do governo, depois de 30 anos, aquelas mesmas figurinhas que estão lá e que precisam ir para a oposição para surgir uma nova prática política no Brasil.
Vai surgir um novo quadro político das urnas. Não imagine que as urnas, em 2014, não vão fazer parte da limpeza que estou falando aqui. Uma vitória nossa vai possibilitar um novo arranjo político e partidário.
Como é que a gente vai fazer a educação nesse país mudar a vida das pessoas, um esforço para que a gente possa ter crescimento sustentando de 4%, um olhar para a segurança, fazendo o velho debate político sobre pedaços do Estado sendo distribuídos, com velhas raposas que já tiveram tudo que queriam ter do Brasil?

O sr. enxerga a possibilidade de haver fusão de partidos para criar uma nova sigla a partir do ano que vem?
Acho que a gente vai ter que ter uma frente política, respeitando, inclusive, os partidos existentes. Não precisamos ter 400 deputados. Precisamos ter uma base que nos dê a maioria e a possibilidade de discutir, inclusive, composição.
Se nós apresentarmos ao Congresso Nacional, por exemplo, [uma regra] para designar para as agências reguladoras os diretores não mais na indicação política, como se faz hoje, mas por meio de mecanismos de busca, como "headhunter" [recrutador] e comitê de busca. Uma proposta dessas tem 100% de aprovação na opinião pública. Por que o Congresso vai ficar contra isso?

Fazer uma contratação profissional dos diretores de agências reguladoras?
Por mecanismo público, transparente, com banca examinadora. É uma mudança de era. É necessário que alguém se apresente à sociedade brasileira compreendendo o que a sociedade disse nas ruas, está dizendo nas redes. É hora de dar um salto.
Eu e a Marina estamos nos apresentando como um caminho seguro para que as pessoas possam perceber que há possibilidade de governar o Brasil sem esses fisiológicos, sem os patrimonialistas. Nós temos o dever de consciência de tentar fazer isso.

O sr. vai trabalhar para que a população proteste em frente ao Congresso?
Eu vou trabalhar para explicitar ao Congresso Nacional que a sociedade está cada vez mais exigente, mais irrequieta, impaciente, vendo que está pagando tributos cada vez em maior quantidade e que os serviços públicos não estão de maneira adequada.

O sr. disse que é necessário ampliar o número de pessoas beneficiárias do Bolsa Família. Qual é esse número?
Neste momento existe um grande terrorismo eleitoral em cima desse público. Há uma estratégia por parte do governo de [disseminar] medo em cima daqueles que estão recebendo o Bolsa Família, dizendo que se eles [o governo] perderem, como eu acho que vão perder, acaba o Bolsa Família. É preciso que se deixe claro: ninguém vai acabar com o Bolsa Família neste país. O Bolsa Família veio porque o Brasil teve um modelo de desenvolvimento que excluiu milhões de brasileiros.
Agora, tem 25 milhões de pessoas no cadastro único e tem 14 milhões de pessoas atendidas. Entre 14 e 25 [milhões], tem um número, que não se sabe exatamente qual é, de pessoas que têm direito ao Bolsa Família e que precisam ser incorporadas.
E há outro direito: ter o valor reajustado do Bolsa Família para dar para comprar o que dava antes, porque a inflação está tirando a possibilidade de as pessoas do Bolsa Família comprarem as mesmas coisas que compravam antes.
E é fundamental que, além do Bolsa Família, essas famílias recebam outras políticas públicas que estão faltando. Se você só dá o Bolsa Família e não dá escola, não dá saúde, não dá o saneamento, aquela filha do Bolsa Família hoje vai ser a mãe do Bolsa Família amanhã, que é o ciclo que a gente não quer ver no Brasil.

Qual é a estimativa de necessidade de reajuste no valor médio do Bolsa Família?
É recompor o poder de compra. Não tenho o percentual ainda.

Teria que haver uma recomposição já no início do ano que vem no valor do Bolsa Família?
Isso vai constar do nosso programa diante da situação macroeconômica do país, mas temos um compromisso em não permitir [que fique] como é hoje. As pessoas estão percebendo que cada vez que vão ao supermercado estão comprando menos coisa.

Qual a avaliação do sr. sobre o programa Mais Médicos?
O Brasil ficou duas décadas assistindo ao fechamento de vagas nas universidades federais de medicina sob o silêncio geral da sociedade brasileira. Nós não podemos abdicar da possibilidade de formar os médicos que o Brasil precisa.
E precisamos ter um olhar para uma área que o Mais Médicos ainda não atingiu, que é a média complexidade. Com a ação básica que está sendo feita por esses médicos que vieram de fora, eles vão descobrir uma porção de pessoas que precisam fazer exames e procedimentos de média complexidade. E aí está o grande gargalo do SUS.

O sr. manteria o programa, se eleito?
A gente não tem como desmontar o programa se ele for dando certo. Até agora, eu vejo, em alguns lugares, elogio, em outros, preocupação. Se o programa tiver resultado nós vamos efetivamente aperfeiçoá-lo e mantê-lo. Não tem por que agora retirar esses médicos dessas comunidades se eles estiverem atendendo bem, cumprindo o papel. Agora, eu não posso imaginar que isso seja a solução para o Sistema Único de Saúde, onde falta governança, [falta] financiamento.

É um programa de transição?
A verdade é que em 1988 a União colocava 85% dos recursos na saúde pública e hoje coloca 45%. E, como na pesquisa de opinião pública a saúde aparece em primeiro lugar, a União criou um programa e faz uma propaganda enorme desse programa, como se fosse resolver todos os problemas. E a gente sabe que não vai resolver todos os problemas, que a questão da saúde exige muito mais trabalho do que importar médicos.

O sr. declarou recentemente ser a favor de manter as regras atuais sobre a prática do aborto, é isso?
É isso mesmo. Já temos regras, temos que cumprir as regras.

E se, durante um eventual governo seu, o Congresso Nacional aprovasse uma lei que desse, de maneira mais ampla, à mulher a decisão final sobre praticar o aborto. Como o sr. reagiria?
Tenho uma posição muito clara de separar o que são as minhas posições pessoais, enquanto cidadão, cristão, do que é o Estado. Na legislação atual já existem algumas situações em que é permitido o aborto.

Se o Congresso tomasse a iniciativa de aprovar uma lei que ampliasse as situações nas quais o aborto seria considerado legal, o sr. faria carga contra?
Sinceramente, não acredito que o Congresso vá tratar desse tema, nem que passe no Congresso.

Mas se tratasse?
Se tratar,vamos ver exatamente qual é a natureza dessa mudança e observar.

Mas o sr. trabalharia politicamente para manter as regras atuais? Mesmo que o Congresso tomasse a iniciativa?
Não, a depender das mudanças, se for um aperfeiçoamento, algo que não seja tão complexo, não veria nenhum tipo de problema.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo hoje é permitido no Brasil. O sr. acha uma boa regra?
A união civil é um direito já conferido pela Suprema Corte do país e nós não podemos discriminar as pessoas por orientação sexual ou por relação homoafetiva. Veja, o papa Francisco, tratando desse tema, já trata com outra compreensão.

Casais gays têm condições de adotar e educar uma criança?
É preciso uma avaliação psicológica, porque há casais heterossexuais que não podem criar nem seus filhos, quanto mais adotar. Quem pode fazer essa avaliação são especialistas, psicólogos, terapeutas, médicos.
Quando se trata da vida de uma criança, que não pode ser criada pela sua família, pela sua mãe natural, pelo seu pai natural, você já está tratando de uma circunstância especial. Se ele vai para outra família, uma família tradicional [ou] uma família homoafetiva, é preciso que haja uma análise complexa de uma equipe multidisciplinar, como exige a Justiça brasileira.
O importante é que a criança vá para um lugar onde ela seja amada, cuidada e respeitada.

É positivo que casais gays tenham filhos por meio de inseminação artificial?
É um direito que o cidadão tem. Existem casos desses no mundo. E acho que esses temas não são temas de Estado, são temas das pessoas, da liberdade, dos direitos humanos. Às vezes eles ganham relevo nas eleições para tentar dividir as pessoas por questões religiosas. Acho isso uma coisa muito ultrapassada, antiga. A gente precisa discutir nesta eleição o Brasil que nós queremos, e não buscar temas que por ventura possam dividir o Brasil de uma forma que não é legal.

O sr. é a favor da inclusão de crianças com deficiência em escolas regulares?
Sou a favor. Meu caçula, Miguel, nasceu com síndrome de Down. Hoje conheço mais ainda essa realidade. Tenho um enorme respeito, sobretudo pelas mães das crianças que têm deficiência, e nós precisamos reduzir os preconceitos, a segregação.

O sr. é a favor da inclusão na mesma escola?
Da inclusão delas. E, claro, essas crianças precisam de, além da inclusão na escola, de mais coisa. Precisam de foco, de terapeuta ocupacional, de outro apoio muito mais complexo do que uma criança completamente sadia.

O sr. já se declarou contra a redução da maioridade penal. Como resolver os casos de menores de 18 anos que cometem crimes de maneira continuada e não podem ser detidos e punidos como adultos?
Esse debate é complexo. Envolve a situação de medo em que as pessoas estão. Todo mundo quer uma saída mágica e acha que reduzir idade penal resolve -90% da população é favorável [à redução da maioridade]. Se [o problema] fosse a idade penal, a gente não tinha ninguém com mais de 18 anos cometendo crime. Estava resolvido por uma lei.
O que nós precisamos é aumentar o tempo de internamento das crianças e adolescentes que cometem esse tipo de conflito com a lei de forma continuada. Eles precisam ficar mais tempo internados para se recuperar.
O número de adolescentes e crianças em conflito com a lei é muito pequeno. O que acontece é que na maioria das vezes não há uma coordenação entre prefeituras para fazer a ação de acompanhamento desses jovens, de voltar aos laços familiares, de voltar à escola.
Como é uma coisa muito trabalhosa, os municípios não cumprem a liberdade assistida, que os juízes tanto tentam. Como não tem a estrutura para fazer a liberdade assistida, o que acontece? O juiz termina internando. Eles são internados nessas fundações, tipo Fundação Casa. Fazendo "curso" e se especializam na criminalidade.

Como resolver?
Resolve botando luz sobre esse problema. Nós precisávamos ter um portal no Brasil que mostrasse quantas crianças deveriam estar em liberdade assistida em cada capital, em cada cidade com [mais de] 500 mil habitantes. Ter o ranking das prefeituras.
Se uma lei resolvesse, era muito simples. Manda a lei, pede para os deputados e senadores votarem, estava resolvido, [reduzindo para] 16 anos. É claro que não resolve com a lei. Resolve com o trabalho, a gente tem que ter escola para essas crianças.

A intervenção do governo federal nesses casos seria qual?
O governo federal precisa entrar na construção de um sistema único de segurança pública. O governo federal não pode ficar omisso, como se encontra.
Hoje todo mundo sabe que um grave problema da segurança é a droga. A quem é que cabe tomar conta das fronteiras? À União. Qual é a droga que está destruindo vidas? É o crack. Ele vem do quê? Da cocaína. Da onde vem a cocaína? Todo mundo sabe.
Como é que está a nossa Polícia Federal, que deveria tomar conta das fronteiras? Está passando por uma severa crise. Tem 3.000 homens e mulheres a menos do que tinha há 4 anos na Polícia Federal. As nossas fronteiras estão desguarnecidas. Como é que a União não tem nada a ver com isso? Tem tudo a ver com isso.

O Brasil deveria, como alguns países já fizeram, descriminalizar certas drogas, como a maconha?
Não.

Por quê?
Porque nós vivemos uma crise muito severa nessa questão da droga, que tem tudo a ver com a questão da violência. E neste ambiente o que nós precisamos é fazer um enfrentamento ao tráfico, precisamos cuidar dos dependentes químicos.

Mas a maconha para muitos não produz dependência química.
[O que] nós precisamos neste instante não é fazer esse debate. O debate que nós precisamos neste instante fazer é focar o combate ao tráfico -sobretudo ao crack, que é a droga que está arrasando a vida de muitas famílias Brasil afora.

O Brasil tem mais de mais de meio milhão de presos. Cerca de um quarto é composto por pessoas apanhadas com pequenas quantidades de drogas. Mais de 100 mil pessoas. É boa essa política de prender essas pessoas e mandá-las para a prisão?
Quem nós temos que botar na prisão são os grandes traficantes, não são os usuários. Há um processo de prender mal e julgar lentamente. As penas alternativas estão aí como solução para uma série de crimes. Precisamos priorizar a pena de prisão para quem comete crimes contra a vida, contra a mulher, contra a criança, quem estupra, quem efetivamente corrompe.
Uma coisa é o traficante. O traficante precisa estar preso mesmo. O traficante é para ser preso, é para ser combatido. Outra coisa é um usuário, um jovem da periferia que precisa de um tratamento, que às vezes precisa de uma qualificação profissional, de uma assistência psicológica -que pode até cumprir uma pena alternativa, trabalhar um mês numa escola, num posto de saúde, num trabalho comunitário, numa creche, num abrigo de idosos, que é muito melhor para a vida dele e para a comunidade do que estar num presídio, custando ao Estado e aprendendo o que não deveria estar aprendendo.

Há traficantes grandes que controlam tudo. E há pequeno traficante que leva a droga daqui para lá, mas é condenado e vai para a prisão do mesmo jeito. Seria bom distinguir entre um e outro?
Essa é uma distinção que cabe ao juiz fazer...

Mas do jeito que a legislação é hoje...
... E também às vezes não é tão neutro assim. Um traficante desses é uma pessoa que numa favela, num bairro pobre, ou num bairro de classe média ou até rico, ele, com seu ofício, pode ter arrasado a vida de muitas crianças oferecendo uma pedrinha de crack, transformando aquele cidadão num dependente químico.
Depois ele, com medo de não poder pagar a droga, pegou um revólver, matou alguém, roubou uma senhora, matou um jovem, um pai de família, então as coisas não são tão pueris assim como muitas vezes parece.

O sr. tem 48 anos. Já consumiu algum tipo de droga considerada ilícita no Brasil?
Não. Sempre fiz esporte, sempre tive uma vida muito saudável.

Na sua juventude, conviveu com pessoas que eventualmente acabaram consumindo drogas?
Sim, conheci pessoas que tiveram problemas com drogas.

E acha que a legislação que temos hoje é adequada?
A legislação pode até ser discutida, mas esse não é um assunto central do Brasil. O assunto central do Brasil, em questão de droga, hoje é fechar nossas fronteiras, combater o crack e botar os grandes traficantes na cadeia. E isso só vai ser feito se a União entrar pesado na questão da segurança pública, se a gente prestigiar a Polícia Federal, aumentar o efetivo da Polícia Federal e der conta da nossa missão.
A gente não pode aliviar no debate da droga neste instante no Brasil, porque muito da insegurança tem a ver com a questão da droga.

Acesse a transcrição completa da entrevista - Parte 1
Acesse a transcrição completa da entrevista - Parte 2

A seguir, os vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets):

1) Principais trechos da entrevista com Eduardo Campos (11:45)

2) Presidente do BC terá mandato de 3 anos e não será demissível (2:48)

3) Inflação deve recuar a até 3%, diz Eduardo Campos (2:10)

4) Reajuste de luz e gasolina deve ser diluído em 1 a 3 anos (2:59)

5) Salário mínimo deve manter reajuste acima da inflação, diz Campos (1:39)

6) Idade mínima de aposentadoria será mantida, diz Eduardo Campos (2:13)

7) Campos: Produtividade deve aumentar com direitos trabalhistas (3:44)

8) Brasil deve ter entre 15 a 20 ministros, diz Eduardo Campos (4:22)

9) Urnas farão limpeza e teremos novo arranjo político-partidário (4:52)

10) Diretores de agências serão contratados via headhunters (00:46)

11) Mandatos devem ter 5 anos, sem reeleição, diz Campos (2:20)

12) Bolsa Família será mantido e valor do benefício, reajustado (2:34)

13) 'Mais Médicos' não é solução para a saúde, diz Eduardo Campos (2:55)

14) Temos de manter regras atuais, sem ampliação sobre o aborto, diz Campos (1:42)

15) Casal gay pode adotar com aprovação de especialistas (2:10)

16) Eduardo Campos diz ser contra reduzir maioridade penal (2:46)

17) Criança com deficiência deve estudar em escola normal, diz Campos (1:05)

18) Eduardo Campos é contra descriminalizar a maconha (4:28)

19)Nunca usei drogas ilícitas, diz Eduardo Campos (1:08)

20) Quem é Eduardo Campos? (1:40)

21)Íntegra da entrevista com Eduardo Campos (79 min.)

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