Folha de S. Paulo


Leia a transcrição da entrevista de Roberto Gurgel à Folha e ao UOL

Roberto Gurgel, ex-procurador-geral da República, participou do Poder e Política, programa da Folha e do "UOL" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 20.mar.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

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ROBERTO GURGEL - 20.mar.2014

Narração de abertura: Roberto Monteiro Gurgel Santos tem 59 anos. É graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No início da carreira, Roberto Gurgel atuou como advogado no Rio e em Brasília. Em 1982, aos 28 anos, foi aprovado em concurso público para o Ministério Público Federal.

Roberto Gurgel presidiu a entidade que representa sua categoria, a Associação Nacional dos Procuradores da República, em 1987 a 1989.

Em 2009, Roberto Gurgel foi eleito pelos seus colegas primeiro colocado na lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acolheu a vontade da categoria e o nomeou para o cargo. Dois anos depois, a presidente Dilma Rousseff o reconduziu para mais um mandato.

Roberto Gurgel foi a voz da Promotoria durante o caso do mensalão. A denúncia havia sido oferecida pelo seu antecessor, Antonio Fernando de Souza, mas o processo foi a julgamento pelo Supremo no seu mandato.

Em novembro de 2013, Roberto Gurgel aposentou-se do Ministério Público Federal.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo ao "Poder e Política - Entrevista". Este programa é uma realização do jornal "Folha de S. Paulo" e do portal UOL. A gravação é realizada no estúdio do Grupo Folha em Brasília. E o entrevistado desta edição do programa "Poder e Política" é Roberto Gurgel, ex-procurador-geral da República.

Folha/UOL: Olá dr. Gurgel. Muito obrigado por estar aqui.
Roberto Gurgel: É um prazer estar aqui.

O sr. considerou satisfatório o resultado final, agora, do julgamento do chamado mensalão, ação penal 470?
Longe disso, infelizmente.

Por quê?
Na verdade, eu acho que nós acabamos chegando a um resultado final em que tivemos penas muito aquém do que seria adequado diante da gravidade dos crimes que foram cometidos. E isso essencialmente em razão do afastamento do crime de quadrilha.

A denúncia, oferecida pelo Ministério Público, mencionou muitas vezes o crime de quadrilha que foi imputado a vários dos integrantes aí do conjunto dos réus do mensalão. José Dirceu, que é um dos réus condenados, foi apontado, inclusive, como chefe dessa quadrilha, nós, durante anos, durante o processo aí todo, nos referimos a ele, como citado lá, como chefe de quadrilha. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos chamados embargos infringentes, acabou considerando que não houve crime de formação de quadrilha. Errou o Ministério Público, ao dizer que havia o crime, ou errou o Supremo, ao dizer que não havia?
Continuo convencido de que o Ministério Público não errou. Desde a denúncia e passando, enfim, por toda a instrução do processo e até às alegações finais, eu entendo que o Ministério Público demonstrou, e demonstrou muito satisfatoriamente, a existência desse crime de quadrilha. Na verdade as características do que aconteceu, do chamado esquema mensalão, elas seriam inviáveis se não houvesse uma quadrilha por trás daquilo tudo.

Por que o sr. acha que os ministros do Supremo não se sensibilizaram com esses argumentos do Ministério Público?
Eu acho que qualquer decisão judicial ela é fruto, em grande medida, das convicções pessoais, enfim, dos entendimentos doutrinários de cada juiz. No caso, modificada a composição do Supremo Tribunal Federal depois daquele primeiro julgamento, novos juízes lá chegaram com o entendimento diverso a respeito do crime de quadrilha. Entendimento que, com todo respeito, me parece firmar um precedente muito negativo para a persecução penal no Brasil.

Por quê?
Porque, na verdade, e aí comento a partir das notícias que vi nos jornais, porque não assisti ao julgamento, não li os votos de cada um dos ministros, mas o que tive notícia é que teria havido uma exigência de, digamos assim, exigência de dedicação exclusiva ao crime. Ou seja, se aquelas pessoas não estivessem dedicadas exclusivamente à prática de crimes não se poderia falar em quadrilha. Este conceito, esta noção, com todo o respeito, ele talvez fosse aceitável, e tenho dúvida se seria, mas talvez fosse aceitável, em tempos românticos da criminalidade, em tempos de uma criminalidade romântica. Nos tempos de hoje, com a sofisticação das organizações criminosas, eu diria que será raríssima e, muito provavelmente será inexistente, uma quadrilha com as características exigidas pela maioria que se formou no Supremo Tribunal Federal. Toda quadrilha acaba desempenhando diversas atividades, inclusive atividades lícitas.

Ou seja, com essa, vamos dizer, jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal a possibilidade de algum criminoso vir a ser condenado por formação de quadrilha fica remota?
É, eu acho que, de certa forma, esse entendimento acaba confinando o crime de quadrilha àqueles crimes cometidos nos extratos, eu diria, mais baixos da sociedade, crimes cometidos há anos-luz, se poderia dizer, do colarinho branco. Quando se pensa nos crimes de colarinho branco não se encontrarão pessoas dedicadas exclusivamente à atividade criminosa. Se encontrará pessoas, como era o caso, que ocupavam casos públicos relevantíssimos, importantes etc., e que ao mesmo tempo se dedicavam à prática dos crimes.

Ou seja, vai ser muito difícil configurar juridicamente um crime de formação de quadrilha quando integrantes da elite fizerem parte desse crime. É isso que o sr. está dizendo?
Eu acho que é exatamente isso. Será extremamente difícil. Isso preocupa muito porque o mensalão é algo que fixou, o julgamento do mensalão fixou parâmetros para toda a persecução penal no Brasil. Seja nos aspectos positivos, seja nos aspectos negativos. E este é um aspecto negativo extremamente preocupante.

Ou seja, posso entender que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em certa medida, foi favorável àqueles que na elite do país, hoje, pretendem cometer esse crime de formação de quadrilha?
Eu diria que ela torna mais difícil a persecução penal em relação a esses crimes na elite, a essa elite criminosa. Sem dúvida nenhuma torna mais difícil e...

Protegeu a elite?
É, na verdade, veja bem, sempre foi muito difícil no Brasil a persecução penal, a responsabilização penal daquelas pessoas situadas nos extratos mais elevados da sociedade.

É verdade.
No Brasil sempre foi muito fácil perseguir aquelas pessoas que estão nos extratos menos favorecidos da sociedade. Nunca houve dificuldade para perseguir, para prender, punir, o punguista, enfim, o responsável por um furto, por um roubo. Mas sempre foi muito difícil responsabilizar quem esteja situado naqueles extratos elevados da sociedade e que acaba cometendo crimes que têm um alcance muito maior.

Ou seja, só para concluir esse aspecto, a partir de agora fica difícil então crimes cometidos por pessoas do colarinho branco, pela elite do país, por conta dessa decisão do Supremo?
No que diz respeito à caracterização do crime de quadrilha, sem dúvida nenhuma fica difícil.

Entendi. No final de 2012 o sr. deu uma declaração, perto até da... era um ano eleitoral, dizendo que seria muito salutar que o julgamento do mensalão tivesse alguma repercussão nas urnas. Muitos políticos até reclamaram da sua declaração na época que achavam que assim politizaria um pouco o caso. O sr. acha que o mensalão teve algum impacto no resultado das urnas nos últimos anos e voltará a ter esse ano, ou não?
Pelo que eu vi até nessa ocasião, quer dizer, nas eleições que se seguiram a essa minha declaração, o impacto foi, se houve, foi muito pequeno, mas acredito que tenha sido nenhum.

Por quê?
Não sei.

Qual o seu palpite?
Eu acho que não apenas, claro que isso não se limita ao mensalão, mas eu acho que a sociedade deveria ficar mais atenta para quando políticos, enfim, se desviam do comportamento que deveriam ter e praticam crimes. Quer dizer, esses políticos, alguns até contumazes na prática dos crimes –aí não estou me referindo ao mensalão– acabam sendo eleitos e reeleitos, e reeleitos, o que me parece que mostra uma certa falta de atenção, inaceitável falta de atenção, da sociedade para o que faz os detentores dos mandatos populares.

É isso que eu ia até perguntar para o sr. No ano de 2010, alguns dos acusados de crimes do mensalão, já muito conhecidos, o processo muito divulgado, ainda assim concorreram a cargos públicos e foram eleitos, alguns com mandato no Congresso. Aí depois acabaram condenados e tiveram que sair do Congresso. Qual a sua teoria para explicar a razão pela qual a população ainda que possa saber, ter conhecimento das acusações, com provas contra essas pessoas que acabaram condenadas, qual a razão pela qual a população, os eleitores acabam ainda assim elegendo essas pessoas?
Eu acho que ainda há, infelizmente, uma parcela da população que acaba não tomando conhecimento, pelo menos não tomando conhecimento na sua inteireza da gravidade das condutas desses políticos. Agora, o que mais me deixa perplexo, e eu não tenho para isso uma resposta, é o que acontece com parcela da população que tem conhecimento sim do que foi feito, que tem conhecimento de que crimes foram praticados e a despeito disso insiste em votar nesses candidatos.

O sr. não tem um palpite sobre o porquê isso ocorra?
Não tenho. Realmente quanto a isso eu não tenho. Atribuo apenas a talvez nós já caminhamos bastante, mas a nossa democracia há muito a percorrer, há muito a caminhar para que tenhamos uma democracia, enfim, mais aperfeiçoada. Eu acho que isso releva até o estágio do desenvolvimento político da população brasileira.

A ação penal 470, o chamado mensalão, guarda muito semelhança com um outro caso ocorrido no Estado de Minas Gerais envolvendo políticos, aí no caso sobretudo do PSDB. No caso da denúncia oferecida para o chamado mensalão mineiro ou tucano foram incluídos ali alguns réus, inclusive o chefe do Executivo local, à época, que era Eduardo Azeredo, governador de Minas Gerais, responsabilizado também pelo crime. No caso do mensalão no plano federal foram responsabilizadas muitas pessoas, mas o chefe do Executivo à época, no caso o presidente Lula, não foi responsabilizado. Havia razão objetiva para isso?
Olha, a denúncia foi oferecida pelo meu antecessor, o dr. Antônio Fernando de Souza, que não encontrou elementos suficientes que justificassem a inclusão do presidente Lula na denúncia. Quando eu assumi a Procuradoria Geral isso, digamos, já estava consolidado, mas diante dos elementos que havia nos autos, entendi que realmente o meu antecessor estava correto e que não haveria à época elementos que o autorizassem a denunciar o presidente Lula. Diversamente, em relação ao governador de Minas Gerais, os elementos serão suficientes para que a denúncia fosse oferecida também em relação a ele. Ou seja, a questão era essencialmente de prova.

Eduardo Azeredo, no caso réu do caso chamado mensalão mineiro, estava tendo seu caso apreciado pelo Supremo Tribunal Federal porque tinha foro de prerrogativa, o chamado foro privilegiado, por ser deputado federal nesse momento. Renunciou ao mandato de deputado federal e o Supremo agora analisa se continua o processo, que nessa instância superior é o Supremo, ou se deve remeter o caso à instância inferior, lá em Minas Gerais. O sr. já fez um juízo sobre o que seria a melhor decisão a ser tomada nesse caso?
Na verdade há precedentes do Supremo Tribunal Federal que desconsideraram renúncias ocorridas com a finalidade clara de frustrar o julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal. Falo pessoalmente, já não represento o Ministério Público, mas acho que é preciso realmente afastar qualquer tipo de manobra que vise a dificultar o julgamento dessas ações penais. Se um caso desses sai do Supremo Tribunal Federal e vai para a justiça de primeiro grau, nós teremos um retardamento no julgamento imenso, talvez levando à prescrição de pelo menos alguns crimes. Dentro de uma preocupação da efetividade da tutela penal, que eu acho que é preciso repetir e reiterar muito no Brasil, eu acho que os precedentes do Supremo devem ser observados.

Ou seja, o sr. acredita que nesse caso envolvendo o ex-governador Eduardo Azeredo o mais prudente seria o Supremo decidir-se pela manutenção do caso nessa instância?
Exatamente. Claro que os precedentes do Supremo, eles não são casos idênticos, alguns casos a renúncia acorreu dias antes do julgamento. Nesse caso a denúncia ainda não estava pautada, ainda não estava pautado o processo etc. Terá que examinar o caso, mas eu acho que à luz desses precedentes.

Mas tendendo a achar que melhor ficar no Supremo?
Uhum.

O seu sucessor, atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nas alegações finais aí no caso do mensalão tucano, pediu que o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, fosse condenado e inclusive estipulou ali o número de anos, a possível pena, que deveria ser aplicada a ele, cerca de 22 anos de prisão. No caso da outra ação penal, a 470, o mensalão aí no plano federal, esse tipo de estipulação de penas não foi com esse detalhe. Qual a sua opinião a respeito de como deve ser oferecida a denúncia nesse caso?
Isso na verdade expressa posições, maneiras de entender que variam, enfim, de colega para colega. O meu entendimento é que a fixação de penas compete ao Judiciário, compete ao juiz que está apreciando a causa e não cabendo, ou não sendo útil, ao Ministério Público fazer sugestões ou indicação de quantitativa de penas. O dr. Rodrigo Janot, no entanto, tem entendimento diverso, quer dizer, ele acha que convém ao Ministério Público já sugira, já indique, alguma quantidade de pena a ser fixada. Eu diria que é apenas uma divergência doutrinária de entendimento acerca dessa questão de fixação de penas. Na verdade a fixação das penas decorrerá dos fatos que estão narrados na denúncia e na caracterização jurídica que deu a esses fatos o Ministério Público. Isso, quer o Ministério Público sugira uma quantidade de pena, quer não sugira, essa quantidade decorrerá do trabalho feito pelo Ministério Público na acusação.

Antes de deixar o cargo de procurador-geral da República o sr. deu encaminhamento a várias denuncias contra políticos que estavam ali aguardando manifestação do Ministério Público. O senador Gim Argello por crime de peculato, o casal Garotinho por desvio e lavagem de dinheiro, entre outros. A Procuradoria Geral consegue, na sua opinião, dar conta de tantos processos contra políticos que têm essa prerrogativa de foro, foro privilegiado? O sr. acha que é bom esse sistema de foro privilegiado ou deveria ser submetido a alguma mudança?
É extremamente difícil hoje para a Procuradoria Geral da República dar conta do volume crescente de feitos envolvendo senadores, envolvendo deputados, enfim, pessoas com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal. Como eu disse, é um número crescente. No passado havia pouquíssimas ações penais originárias, ou inquéritos penais originários do Supremo Tribunal Federal. Pouquíssimos mesmo. Ao longo dos anos isso foi crescendo, foi crescendo e hoje nós temos um volume muito grande de feitos.

O que pode ser feito?
Na verdade a única coisa que reduziria isso seria o fim da prerrogativa de foro.

O sr. tem opinião sobre isso?
Não tenho uma opinião tão... O mais frequente é que se condene em termos absolutos a prerrogativa de foro. Eu não tenho essa posição tão radical. Eu acho que o maior problema da prerrogativa de foro é talvez seja, não ela em si mesma, mas o tratamento que lhe é dispensado pelos tribunais. O que eu quero dizer: é que os tribunais na verdade, nossos tribunais, seja o Supremo Tribunal Federal, seja o Superior Tribunal da Justiça, os tribunais superiores em um modo geral, eles não são na verdade vocacionados para a ação penal originária. Ou seja, uma ação penal tramita com muito mais facilidade no primeiro grau de jurisdição e acaba demorando muito mais nos tribunais superiores ou no Supremo Tribunal Federal. É, por exemplo, preocupante o tempo que leva uma denúncia, o Ministério Pública oferece uma determina denúncia, contra determinada pessoa no tribunal, e o tempo que essa denúncia leva para ser recebida, e aí nós estamos falando recebida denúncia terá inicio a ação penal. Ou seja será apenas o início, o princípio da ação penal. E isso tem levado em alguns casos anos, para que esse primeiro momento da ação penal aconteça. Isso decorre, como disse, da não vocação dos tribunais para o julgamento de ações penais.

Olha, isso é difícil de resolver nos tribunais superiores.
É, é difícil de resolver, mas eles, na verdade o Supremo, que eu acompanhei mais de perto, ele tem feito, no caso do mensalão houve um estímulo muito grande a isso, ele tem se esforçado para criar estruturas que permitam dar um tratamento mais adequado a essas ações. Mas concordo que será difícil resolver. Ou seja, se a prerrogativa de foro acabasse seria uma solução, talvez, mais rápida porque você desconcentraria, essas ações se espalhariam por diversos juízes. Agora, tenho dúvida do que disso resultaria em termos da, mais uma vez vou me referir, da efetividade da tutela penal. O ministro Gilmar [Mendes], durante o julgamento da ação penal 470, fez uma referência em algum momento que estas condenações não aconteceriam se não fosse a prerrogativa de foro. Ou seja, as condenações que ocorreram no mensalão não se verificariam se aquela ação tivesse sido diluída, quer dizer, por diversos juízes. E citava o exemplo, corretamente, de que alguns feitos que foram desmembrados e que baixaram a juízos de primeiros graus estavam em estágio mais atrasado do que a ação no Supremo, mostrando que até essa coisa de que a prerrogativa de foro atrasa julgamentos, que é a percepção que é também minha, mas que, na verdade, não é necessariamente isso que ocorre.

Ainda assim, o cidadão comum que conhece esse caso vai se lembrar que o caso ficou conhecido em 2005, até que uma investigação fosse feita, denúncia apresentada, recebida pelo Supremo, julgado, início do cumprimento de penas foram nove anos, aproximadamente. É um período muito longo para a uma democracia. O sr. não acha?
É um período exageradamente longo. Agora, volto aí a um ponto. O grande problema é a nossa legislação processual penal. Por quê? Porque na verdade o ministro relator Joaquim Barbosa adotou todas as providências, algumas até inéditas, para que esse processo tivesse a mais rápida tramitação possível. Chegamos nesses anos, longos anos, mas isso, eu diria, era o mínimo diante da legislação processual penal brasileira, dos seus formalismos exagerados e, claro, da complexidade de um processo com 40 réus, com um número imenso de testemunhas e que levou à necessidade de coleta de testemunhas, por exemplo, em todo o país. Mas a nossa legislação processual penal, seja no Supremo Tribunal Federal, seja no primeiro grau, ela será sempre um obstáculo a uma justiça penal rápida.

O caso do mensalão, a ação penal 470, levou alguns dos réus e advogados dos réus a reclamarem em um determinado momento sobre o foro privilegiado, a prerrogativa de foro, argumentando que esse sistema os privaria do chamado segundo grau de jurisdição, um outro julgamento. Esse argumento foi muito usado inclusive para que fossem aceitos os chamados embargos infringentes, que é como se um fosse um segundo julgamento. O que o sr. acha desses argumentos todos de que não há um segundo grau de jurisdição e que é necessário, portanto, aceitar os embargos infringentes?
Em primeiro lugar, diversamente do que muitos sustentam, não existe, seja no sistema brasileiro, seja até em tratados de convenções internacionais, qualquer obrigatoriedade da submissão de um feito ao duplo grau de jurisdição.

Por que eles falaram isso, que na convenção da Organização dos Estados Americanos, que há um tratado que diz que todos têm direito a isso, isso não existe?
Na verdade é uma interpretação equivocada de dispositivos ou de previsões em tratados. No direito brasileiro também não existe e é preciso destacar um aspecto que é sempre esquecido. Nós no caso não tivemos um julgamento feito por um juiz singular de primeiro grau, por um tribunal de justiça, até por um tribunal regional federal. Nós tivemos um julgamento feito pelo plenário da mais alta corte do país, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, por seus 11 juízes e em um processo em que a garantia à ampla defesa e que a garantia ao devido processo legal foi assegurada, eu diria, de uma forma até exagerada. O ministro Carlos [Ayres] Britto, que presidiu o início do julgamento e boa parte dele, foi nisso, eu diria até, obsessivo. Ele preocupou-se imensamente para assegurar que nada se pudesse dizer quanto à observância do devido processo legal e à garantia da ampla defesa nesse caso. Até, porque já se imaginava e alguns dos réus se diziam acusados políticos etc., e já se imaginava que se poderia tentar no plano internacional algum tipo de revisão do julgamento a partir da afirmação improcedente e absolutamente inverídica de que esse julgamento tinha sido político. A admissão dos embargos infringentes, a meu ver, foi, com todo o respeito, um equívoco do Supremo Tribunal Federal. Esses embargos infringentes, continuo convencido, não eram admissíveis. Eles tinham previsão no regimento interno do Supremo, norma que acabou superada quando a legislação lei 8.038 regulou por inteiro o processo nos tribunais e não cuidou desse tipo de recurso. Era um recurso que já não se justificava porque seria um recurso para aquele mesmo órgão julgador, o plenário do Supremo Tribunal Federal.

Nesses embargos infringentes houve decisões muito importantes como, por exemplo, a anulação da condenação de crime por formação de quadrilha e aí há muitas divergências, quem é a favor quem é contra. Agora, houve também a revisão de alguns erros formais, de contagem de penas que, de fato, estavam errados no primeiro julgamento. Aí se os embargos infringentes não tivessem sido aceitos essas pequenas formalidades, que são pequenas talvez para nós, mas para quem foi preso é muito grande, não teriam sido analisadas. Daí como fazer?
Mas elas seriam possíveis de correção nos embargos de declaração. Os embargos de declaração poderiam apontar esses erros materiais que aconteceram e eles poderiam ser corrigidos. A rigor poderiam ter sido corrigidos até de ofício, pelos juízes, mas sem dúvida nenhuma, em embargo de declaração isso poderia ser... Na verdade, os embargos infringentes objetivavam exclusivamente um novo julgamento da causa pelo mesmo órgão julgador.

Acompanhando a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público ao longo dos anos a gente vê que houve alguma mudança de abordagem na forma de atuação. Acompanho há muitos anos o que faz a Procuradoria Geral da República e eu me lembro que durante os anos do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, durante oito anos, um dos seus antecessores, Geraldo Brindeiro, sempre era acusado pelos críticos por não dar seguimento a muitas acusações que chegavam lá para ser investigadas. Ele nunca oferecia uma denúncia. O que mudou de lá para cá, na sua opinião, no Ministério Público, ou nada mudou?
Eu acho que mudou sim. Eu acho que não apenas o Ministério Público, o Ministério Público talvez de uma forma mais intensa, mas não apenas o Ministério Público, mas em todo o sistema de Justiça, quer dizer, aí compreendendo o Judiciário, outros instituições encarregadas da persecução penal, as coisas têm evoluído ao longo dos anos. O próprio Ministério Público. Mas vejamos, o Ministério Público, falando especificamente do federal. Nós tínhamos o Ministério Público antes da Constituição de 1988, que era dedicado, principalmente, à defesa judicial da União. Nós não tínhamos a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público se incumbia disso e isso lhe tomava quase a totalidade do tempo e pouco exercíamos as atividades típicas de um Ministério Público. Veio a Constituição de 1988 e com a Constituição de 1988 renasce um Ministério Público muito mais focado nessa atuação, seja nos aspectos penais, seja nos aspectos civis, mas nessa atuação como representante da sociedade, como legitimo representando da sociedade. E acho que os tempos, com o passar dos anos, vem mostrando esse crescimento dessa preocupação e a atuação dos próprios procuradores-gerais têm evidenciado isso. Eu há pouco me referi que no passado havia pouquíssimas ações penais no Supremo Tribunal Federal, hoje nós temos um número extremamente elevado de ações penais. Isso mostra o quê? Mostra um Ministério Público cada vez mais atuante. Mas não apenas o Ministério Público, também a polícia tem feito a sua parte. No passado certos fatos que envolviam determinadas autoridades sequer eram investigados, seja pela polícia, seja pelo Ministério Público. Isso mudou realmente, totalmente.

Agora, no Brasil, já falamos um pouco antes aqui, tem aquela percepção de quem é pobre, quem, enfim, não tem recursos, está naquele extrato da sociedade entre os menos favorecidos acaba sempre sendo preso, condenado, e que para as elites é mais difícil de isso acontecer. O sr. disse que não ficou totalmente satisfeito com o resultado do julgamento do mensalão. Não obstante nós temos aí pessoas que foram muito importantes na República e estão na cadeia hoje. O sr. acha que essa percepção ela ainda existe na sociedade e com razão ou isso está diminuindo?
Olha, eu acho que ela ainda existe, com razão, apesar dos inegáveis avanços, inegáveis progressos que nós fizemos. O julgamento da ação penal 470 constitui, sem dúvida, um marco histórico no nosso sistema de Justiça e um marco histórico extremamente positivo, porque ele mostra, a meu ver, que todas as pessoas na sociedade brasileira estão ao alcance do sistema de Justiça e não apenas aquelas pessoas menos favorecidas. Nós tivemos, como o sr. se refere, nós tivemos a condenação de pessoas extremamente poderosas e pessoas que ocupavam cargos de grande importância, como disse, de pessoas que estavam dentro do palácio presidencial. Isso é muito difícil de acontecer em qualquer país do mundo, mesmo no primeiro mundo. Então isso mostra que representou um avanço, agora, claro, o avanço poderia ter sido maior, claro, o avanço não poderia ter tido esse retrocesso significativo que foi o afastamento do crime de quadrilha.

Mas o sr. acha que, na percepção geral da sociedade, apesar de o crime de quadrilha ter sido afastado, há um sentimento de que foi feito justiça, as pessoas foram presas e estão pagando pelos seus malfeitos?
Eu acho que dito de um modo geral sim. Eu acho que quando o julgamento se encerrou, e aí eu falo do primeiro julgamento, eu acho que o Supremo Tribunal Federal chegou a um patamar de credibilidade na sociedade brasileira inédito. E trouxe consigo a Justiça como um todo, quer dizer, naquele momento, eu tenho certeza, a sociedade brasileira acreditou que os tempos de "vai dar em pizza", "vai dar em coisa" tinham acabado. Houve desânimos, digamos, posteriores, mas no geral eu considero que o saldo ainda é imensamente positivo em termos dessa credibilidade que nós temos no sistema de Justiça capaz de alcançar todas as pessoas da sociedade brasileira, inclusive aquelas pessoas mais poderosas. Isso fala muito bem do Supremo Tribunal Federal, fala muito bem da Justiça brasileira e, não posso deixar de dizer, fala muito bem do Ministério Público porque, com muita frequência, se esquece que, não fosse a iniciativa do procurador-geral Antônio Fernando, não haveria ação penal 470, não haveria esse precedente notável no Supremo Tribunal Federal, não haveria o que comentar, nem o que comemorar.

A respeito da percepção que a população brasileira tem do Judiciário, embora as pesquisas disseram que houve uma aprovação da decisão no caso do mensalão, a imagem que os juízes, o Judiciário tem, ainda não é a melhor possível. Aliás, não é boa. As pessoas acham que os juízes trabalham pouco, que a Justiça é lenta, que eles têm muitos meses de férias, folgam muito e são pouco transparentes às vezes. Em certa medida o Ministério Público é uma instituição que tem se aperfeiçoado ao longo do tempo, mas também há críticas sobre a falta de transparência no Ministério Público no que diz respeito ao controle interno, contas, agenda dos procuradores, a publicidade dos seus compromissos. Esse tipo de hermetismo, do qual se acusa o Ministério Público é procedente?
Olha, eu diria que em alguns aspectos sim.

Por exemplo?
A própria questão, alguns aspectos, vamos dizer, como o que acontece no Judiciário, a corporação ainda tem muitas dificuldades, por exemplo, de exercer o poder disciplinar em relação a seus membros. Aqueles membros que se desviam da conduta adequada etc., acaba sendo muito difícil responsabilizá-los na esfera administrativa por essas infrações disciplinares, porque o corporativismo, eu digo sempre, é uma ameaça constante à saúde das instituições. Ele é um mal terrível, um mal que deve ser evitado a todo custo, mas que acaba muitas vezes prejudicando o desempenho adequado das instâncias administrativas em uma instituição.

Como resolver isso?
Eu acho que, em primeiro lugar, sempre fui, eu fui presidente da nossa Associação Nacional de Procuradores da República e mesmo como dirigente da nossa associação de classe sempre defendi, a maioria da nossa classe sempre teve a mesma posição, sempre defendi a necessidade do controle externo. A partir dessa percepção de que o nosso controle interno não estava sendo suficiente para gerir, digamos, de forma adequada esses aspectos. Se isso era muito mais evidente no Judiciário, quando se instituiu o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], também acontecia no Ministério Público e acho que o Conselho Nacional do Ministério Público, apesar dos seus poucos anos de existência, apesar de alguns equívocos, porque eles são inerentes à condição humana e é uma instituição que ainda é muito recente, mas acho que já tem ajudado muito nisso.

Cite uma medida, ou duas, que poderiam ser tomadas pelo Conselho?
Eu acho essencialmente isso, algumas já têm sido tomadas, por exemplo, quanto a todos os aspectos relacionados às contas. Nós hoje temos, não apenas o Ministério Público Federal, mas em quase todo Ministério Público brasileiro, portais da transparência com informações completas a respeito da gestão, enfim, dos recursos, em como esses recursos são gastos, tudo isso. Esse é um aspecto muito importante. Outro aspecto, a questão que também vem sendo feito de dar publicidade ao trabalho desenvolvido, quer dizer, o que fez cada membro do Ministério Público, quantos feitos examinou.

Algum tipo de métrica da produtividade dos procuradores, por exemplo?
Por exemplo. E além disso...

Como poderia ser feito isso, o sr. acha?
Na verdade nós... A primeira seria a divulgação, vamos dizer, estatística do trabalho desenvolvido, que a sociedade possa saber quantos feitos o procurador-geral da República examinou, que deu encaminhamento, a mesma coisa com relação a todos os membros do Ministério Público. Claro que esses números apenas, eles ainda não representam tudo que é necessário, mas o resto depende também de algo que no âmbito do Ministério Público Federal começamos fazer na minha gestão que foi, pela primeira vez, elaborar um planejamento estratégico. E a partir desse planejamento estratégico caminharmos para a fixação de metas, inclusive, a serem alcançadas em um determinado período. Eu acho que...

O sr. tem visto avanços, pelo que eu estou entendendo?
Sem dúvida nenhuma. Eu acho que nós já avançamos bastante. Veja bem...

Mas tem um bolsão corporativista que às vezes puxa para segurar um pouco, é isso?
Que às vezes puxa, isso é verdade. Como eu disse, a situação no Judiciário era ainda mais grave porque, enfim, pelas características do Judiciário as coisas eram ainda menos transparentes. O CNJ tem feito um belíssimo trabalho nisso, claro que enfrentando resistências, enfrentando dificuldades. O mesmo tem feito o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] enfrentando igualmente resistências e dificuldades. Mas hoje as nossas instituições, o Ministério Público, já é bem mais transparente do que foi. Devemos ser ainda muito mais, mas acho que estamos caminhando para isso. A meu ver é um caminho sem volta. Nós estamos em um caminho que cada vez mais seremos mais transparentes, como temos que ser. Eu diria lá na Procuradoria Geral que o Ministério Público tem que ser exemplar nisso, até porque nós cobramos essa transparência dos outros órgãos públicos.

Dr. Gurgel, a população carcerária cresceu muito nos últimos anos, cerca de 30% em cinco anos. Tem quase 550 mil presos hoje e cerca de 25% desses presos, aproximadamente, são condenados por tráfico de drogas, muitas vezes pequenas quantias, mas enfim, é o que acontece. Há uma discussão hoje no país instalada e que chegou até o Congresso, um projeto de lei que propõe descriminalizar o uso de algumas drogas, sobretudo a maconha, considerada uma droga mais leve. O sr. acha importante alterar a legislação? Tem uma opinião a respeito disso?
Olha, eu acho que, de um modo geral, nós temos que pensar que delitos, vamos dizer, de gravidade menor possam ser descriminalizados. Até diante dessa realidade, de um sistema prisional que já não comporta isso. No que diz respeito à questão dos tóxicos, há sempre um componente moral, às vezes até religioso etc., mas eu acho que se tem que pensar seriamente em relação a algumas condutas e algum tipo de substância, verificar se a nossa sociedade, se na nossa sociedade já não seria aceitável a descriminalização.

Então?
Eu não tenho uma posição contrária a isso.

Mas tem uma a favor?
Tenho. Eu acho que devemos fazer isso com muita cautela, muita cautela, mas não devemos fechar a porta. Não devemos dizer "não, as coisas têm que continuar como estão, qualquer tipo de substancia tóxica deve ser crime etc.". Acho que nós temos que ver o que acontece no resto do mundo e acho, que se não agora, mas deve estar chegando o momento de isso ser revisto. Repito, em relação especificamente a algumas substâncias e algumas condutas porque o tóxico como um todo é um dos mais graves problemas da sociedade atual.

Dr. Gurgel, a Petrobras, uma das maiores empresas do mundo, a maior empresa do Brasil, está envolvida em alguns casos rumorosos, em que está sendo investigada. O caso mais grave, de valor maior, é esse que envolveu a compra de uma refinaria nos Estados Unidos, por parte da Petrobras, em um negócio que teria produzido um prejuízo bilionário para a estatal. A presidente da República era presidente do Conselho de Administração da Petrobras, no momento em que a decisão foi tomada, em 2006, e disse que tomou a decisão com base num resumo de informações falho, juridicamente falho, com problemas. O Ministério Público no Rio de Janeiro já está acompanhando, investigando o caso. O fato de a presidente da República ter dito o que disse, tendo ela sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras, pode ter alguma consequência para que essa investigação venha para Brasília.
Olha, isso deverá ser examinado pelo dr. Rodrigo Janot. Eu não gostaria de, a esta altura, já afastado da Procuradoria Geral, de emitir um juízo que caberá a ele emitir. Eu tenho certeza que, no âmbito do Ministério Público no Rio, estão sendo adotadas as providências que seriam necessárias, e esse assunto, se vier ao procurador-geral, será examinado por ele.

No Rio de Janeiro é um caso cível, é isso?
Exatamente.

Se houver o entendimento de que há também um aspecto criminal envolvido daí caberá ao procurador-geral da República...
Examinar isso.

Agora, em havendo alguma suspeita e necessidade de investigação, daí não pode ficar no Rio de Janeiro, é isso? Como é que funciona?
É, a partir do momento que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro a investigação tem que ser deslocada para o procurador-geral da República. Mas é preciso que sejam, digamos, indícios minimamente consistentes, no sentido de autorizar esse deslocamento, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Agora, a presidente da República era presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Votou a favor da operação que agora vem sendo investigada. Admite que tomou a decisão induzida ao erro por conta de um relatório. Já sabemos que os dados todos estavam à disposição. Pelas informações disponíveis, que o sr. deve ter visto já, estão amplamente noticiadas, como é que o sr. avalia esse caso?
Pois é, essa avaliação infelizmente já não me compete fazer. E eu não gostaria de, digamos, de avançar nisso porque é da atribuição do colega que hoje é o procurador-geral da República.

Mas olhando o caso em abstrato, o sr. o considera um caso, enfim, grave?
O caso é extremamente grave.

E caberá ao procurador Rodrigo Janot então...
Isso se o assunto chegar, né. Se houver indícios consistentes do envolvimento de pessoas com prerrogativa de foro. Em não havendo, a coisa continua no Rio de Janeiro.

No Ministério Público do Rio de Janeiro. A mesma coisa com relação àquele caso em que uma empresa no exterior disse que pagou propinas altas a várias empresas do mundo, no caso, petrolíferas. Uma empresa holandesa, que no caso teria pago também à Petrobras. É o mesmo caso?
É o mesmo caso.

Fica para o procurador-geral analisar e, se entender que há indícios, daí traria a investigação para cá.
É, normalmente a coisa em termos práticos acontece de forma contrária. Ou seja, o colega que está atuando no primeiro grau, ele, percebendo que há indícios de envolvimento de pessoas com prerrogativa de foro, ele é quem promove a remessa ao procurador-geral da República.

Digamos, um procurador no Rio de Janeiro, diante dos fatos, sabendo que a presidente da República atual, à época, ocupava o cargo ali no Conselho de Administração da Petrobras, precisa ser ouvida ou alguma coisa do gênero, teria que remeter?
Teria que remeter ao procurador-geral.

Eu sei que os sr. não quer dar uma opinião sobre isso, mas, difícil entender que a presidente da República não precise ser ouvida nesse caso. Ou não?
Uhum. É.

Porque ela até emitiu uma nota oficial a respeito, ela tecnicamente poderia dar mais informações. Ou não?
Não, é possível que sim, é possível.

Mas aí sempre vai caber ali ao procurador que está investigando, no caso, no Rio de Janeiro.
Se entender que há elementos suficientes para remeter a investigação ao procurador-geral da República, que aí avaliará as diligências que seriam necessárias. Muitas vezes, em casos... A legislação processual penal autoriza até que, ao invés da oitiva de uma pessoa, que se solicite por escrito informações, etc. Há várias maneiras de colher, enfim, informações adicionais.

Como assim? Por exemplo, está lá no Rio de Janeiro o caso. Porém há alguém que tenha uma prerrogativa de foro.
Ele terá que remeter para cá [Brasília]. Mas eu digo que a oitiva com testemunha não é o único caminho de obter essas informações. O procurador-geral da República pode, por exemplo, pedir informações escritas a respeito de um determinado assunto. Mas claro, sempre condicionado a que a investigação chegue aqui à Procuradoria Geral da República.

Dr. Gurgel, o sr. se aposentou e agora qual é o seu plano profissional nessa sua fase aí da sua vida profissional?
Eu no momento eu estou naquele período de uma quarentena prevista na Constituição Federal que estabelece a vedação de atuar, por exemplo, como advogado naqueles tribunais em que atuei como procurador-geral, no caso, Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral. É uma quarentena que eu acho absolutamente necessária e absolutamente conveniente. Em razão dela, nesse momento, eu estou nos meus afazeres pessoais, eu diria, reorganizando a minha vida depois de quase, de dez anos em que eu fiquei ao todo na cúpula da instituição, seja como vice-procurador-geral eleitoral, depois como vice-procurador-geral da República e como procurador-geral da República.

Um colega do sr., quer dizer, não é um colega do sr. porque está no Supremo, mas o ministro Joaquim Barbosa tem cogitado deixar o Supremo, dizem, para ser candidato nas eleições ainda deste ano a senador, parece, pelo Rio de Janeiro, ele não confirma, ele defende que são especulações. O sr. já pensou em seguir alguma carreira política?
Jamais cogitei isso. Jamais.

Por quê?
Acho que por questão de vocação mesmo. Acho que a política precisa estar no sangue e até hoje não a vi no meu sangue.

O sr. acha que o ministro Joaquim pode ter uma vida bem sucedida como político se decidir concorrer?
Não sei. Acho que isso ele é que terá que na verdade examinar isso.

O sr. quando era procurador imagino que tinha algumas restrições, até devia se autoimpor alguma reserva, mas agora que já saiu da Procuradoria, o sr. declararia em que votaria ou votou em eleições passadas agora ou não?
Eu diria o seguinte, em quem votaria não, até porque eu acho que é cedo para definir isso, falar antes disso. Nós temos ainda na época das pré-candidaturas, não há ainda candidaturas. Mas posso dizer, por exemplo, que desde a minha juventude eu fui Brizolista, tá? Eu sempre fui grande um admirador de...

Leonel Brizola.
De Leonel Brizola. Então em todas as oportunidades que tive votei nele.

O seu domicílio eleitoral é Brasília?
Hoje é Brasília. Já há muito tempo é Brasília. Meu primeiro domicílio, eu sou cearense, mas meu primeiro domicílio eleitoral foi o Rio, onde eu morava, onde estudava.

O sr. votou para o governador no Brizola?
Já não votei, porque estava aqui em Brasília, tinha há pouco tomado posse como procurador da República e com isso vim para Brasília e por acaso no dia eu tive algum impedimento e não pude ir ao Rio, pretendia ir ao Rio para votar e votaria nele. Mas acabei não votando naquela primeira eleição.

Brizola foi candidato a presidente lá atrás, em 1989, e depois passou a apoiar em algumas eleições o PT. Foi candidato, inclusive, a vice-presidente da República, com o então candidato Lula em 1998. Nessas eleições presidenciais o sr. se recorda em quem votou?
Digo com absoluta tranquilidade, votei como disse, em um primeiro momento, em Brizola, sempre votava em Brizola, e depois votei no presidente Lula.

Nas eleições em que ele disputou.
Nas eleições em que ele disputou.

Em 2010 o sr. votou em quem?
Em 2010...

Que a presidente Dilma foi eleita.
Votei na presidente Dilma.

Dr. Gurgel, ex-procurador-geral da República, muito obrigado pela sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Eu agradeço, agradeço o convite, extremamente honroso para mim e foi uma conversa muito agradável e espero ter podido esclarecer alguns pontos.


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