Folha de S. Paulo


Leia a transcrição da entrevista de Kátia Abreu à Folha e ao UOL

Kátia Abreu, senadora (PMDB-TO), participou do Poder e Política, programa do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 8.out.2013 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2013/katia-abreu-no-poder-e-politica-1381277182995.js

Kátia Abreu - 8/10/2013

Narração de abertura: Kátia Abreu tem 51 anos. É senadora pelo PMDB do Tocantins, líder da bancada ruralista e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA.

Kátia Abreu é formada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás, mas nunca exerceu o ofício. Aos 25 anos, ficou viúva e assumiu a administração da fazenda que herdou do marido.

Aos 31 anos, assumiu o sindicato rural de Gurupi, no Tocantins. Dois anos depois foi eleita presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins. Em 2008, chegou à presidência da CNA.

Kátia Abreu disputou sua primeira eleição em 1998, para deputada federal pelo PFL, e ficou na primeira suplência. Quatro anos depois, foi eleita a deputada mais votada do Tocantins. Em 2006, elegeu-se senadora.

Além do PFL, Kátia Abreu já passou pelo Democratas e ajudou a fundar o PSD, de Gilberto Kassab. Na última semana, Kátia Abreu migrou para o PMDB.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista". Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

A entrevistada desta edição do Poder e Política é a senadora Kátia Abreu, do PMDB, do Tocantins.

Fernando Rodrigues: Olá senadora, tudo bem?
Kátia Abreu: Tudo bem. Bom dia, Fernando.

Senadora, por que a senhora deixou o PSD e se filiou ao PMDB?
Fernando, foi estritamente uma questão 100% local. Houve algumas reviravoltas na política do Tocantins e todo o grupo que faço parte achou melhor filiar ao PMDB, mesmo porque em 2006 eu me elegi senadora da República, numa coligação com o PMDB. PMDB governador, Marcelo Miranda, e eu candidata ao Senado. Então, já tínhamos um relacionamento. É um partido forte, principalmente de oposição que é o que eu pretendo fazer para mudar a situação atual do Estado no que diz respeito à governadoria.

Não há um grau de deseducação política nessa mudança de partido que a gente assistiu agora, nessa semana, que precedeu 5 de outubro, um ano antes da eleição?
Eu concordo com você de que mudanças precisam ser feitas urgentemente. Os partidos estão se desidratando, mas o que vale nessa hora, Fernando, eu costumo dizer que se tiver uma listinha de políticos previsíveis quando abre a boca eu sou uma delas. Então eu nunca mudei de posição em qualquer lugar que eu estivesse. Os meus princípios, as minhas bandeiras, talvez eu fico até um pouco monótona, previsível demais, mas todos não se surpreendem diante das minhas posições. É a livre iniciativa, é o livre mercado, é o direito de propriedade e o estado de direito, as liberdades individuas. Eu sou uma liberal no que diz respeito a todas essas questões.

E foi necessário ainda sim mudar de partido? A senhora começou a sua carreira no PFL, depois Democratas, depois PSD e agora PMDB. Para manter essas suas bandeiras foi necessário mudar de partido? Não tinha como ficar no mesmo partido?
Não, se eu tivesse continuado... eu não tinha nenhum problema com o PSD nacional, com o PSD local, muito ao contrário, o meu próprio filho, deputado federal, a convite de Gilberto Kassab, continuou no PSD e ele não teve como recusar, mesmo porque ele tem um nível de amizade muito grande dentro do partido, na bancada em Brasília, e o convite do Kassab nós não tivemos como recusar, apesar de que sempre estivemos juntos no mesmo partido. Toda a minha família, nunca usamos de estratégias ou meios duvidosos pra deixar um filho em cada lugar, um familiar em cada lugar, como estratégia de futuro, não. Pra mostrar que não há indisposição com o Kassab, com o PSD, que não há nenhum problema, em nível nacional, e que as nossas questões foram apenas de foro íntimo e foram questões locais, o deputado Irajá [Abreu] ficou no PSD, inclusive a convite, como presidente do partido.

O PSD, quando criado, não seria esse partido para defender a livre iniciativa, o liberalismo na economia? O que deu errado?
Com certeza. Nós temos um número grande de partidos que, na verdade, diferem-se em muito pouca coisa, mas nas principais bandeiras e princípios estão juntos. Eu poderia citar o PSD, o PMDB, o PSDB, o PP. São partidos que defendem a livre iniciativa, o livre mercado, que não tem entre eles uma mudança programática muito grande. Então, eu acredito que também o PMDB não fez nenhuma condicionante ao meu comportamento, à minha linha de ação, ao meus princípios, às minhas bandeiras, muito ao contrário. Eu tenho vários amigos no PMDB, parceiros que defendem as mesmas bandeiras e, principalmente, o agronegócio.

A senhora não teme que para a sua carreira política a troca de partidos acabe colando na senhora uma imagem de político tradicional, oportunista, que vai sempre trocando de legenda?
Não. Eu, claro que a gente tem que se preocupar com a opinião pública e eu me preocupo muito com a opinião pública. A maneira que eu tenho de compensar essas mudanças, que fiz durante esses últimos anos, é mantendo a minha posição firme, mantendo os meus princípios e mantendo todas as minhas bandeiras e, principalmente, a palavra naquilo que eu acredito. Isso é que eu tenho certeza que não pode mudar e nem vai mudar.

O PMDB, do Tocantins, apresentou alguns óbices à sua filiação. A gente leu declarações a respeito. O que aconteceu e como isso vai ser classificado?
O presidente do partido, o deputado federal Júnior Coimbra, ele tem um sonho de se candidatar também, apensar de que hoje não tem nenhuma significação na pesquisa, mas ele tem o direito legitimo de também pleitear a governadoria, participar de uma chapa majoritária e ele estava já com uma prévia combinação de candidatura de vice-governador na chapa do filho do governador [de Tocantins] Siqueira Campos [Pedro Siqueira Campos, do PMDB]. E com a minha chegada isso, de certa forma, desarticulou um pouco seus planos, mas isso não significa que o deputado não possa ser candidato a governador, inclusive, pelo próprio partido se assim a opinião pública demonstrar que ele é favorito. Isso já é uma coisa ultrapassada. Nós já conversamos a respeito, não é nada pessoal, segundo ele próprio, mas apenas uma condição e um pleito que ele tinha e que com a minha presença ele via alguma dificuldade de realizar.

Haverá uma eleição interna no PMDB agora para definir a direção do partido no Tocantins, é isso?
Exatamente. Eu não estou pleiteando a presidência e nem espaço no diretório, na área de direção do partido, mesmo porque eu estou chegando, então eu tenho que reconhecer o meu espaço inicial e deixar que as coisas se resolvam da melhor forma possível. Ainda há uma tentativa de acordo entre os dois grupos pra eleição do diretório, no dia 18, que é quando vence o mandato do deputado Júnior Coimbra e é uma questão de que ele quer antecipar essa eleição e marcar a eleição para o dia 11, agora sexta-feira. Como não há um amplo acordo entre todos os ex-governadores, deputado federal, deputados estaduais, eu acredito que a executiva nacional do PMDB deve agir firmemente pra trazer os dois grupos para selar paz e acordo no Tocantins.

Os seus planos eleitorais no Tocantins, para 2014, são quais?
As pesquisas de hoje são apenas um apontamento, as coisas mudam ao longo do tempo, dos meses. Não servem pra trazer nenhum tipo de conforto. Mas as pesquisam demonstram uma situação bastante tranquila, com relação à minha candidatura à reeleição para o Senado e até uma possível...

O seu mandato vence agora...
Vence agora, em 2014. E até uma possível candidatura ao governo do Estado. Isso tudo vai depender das composições. Eu ficaria imensamente feliz se fosse candidata e reeleita ao Senado, assim como também ao governo do Estado.

Seu desejo maior é ser governadora ou voltar como senadora?
Eu acredito que como senadora eu tenho muito a contribuir com o Estado. No nível de relacionamento, que hoje possuo em todo o Brasil, com a experiência política que trago hoje. Tenho muitas responsabilidades com o meu Estado, no desenvolvimento econômico, que coincide com a presidência da CNA, que é a representação do agronegócio brasileiro, mas também como governadora, eu tenho certeza que eu empenharia e não faria feio lá com os meus eleitores. Sinceramente, eu me sentiria muito honrada e orgulhosa em qualquer uma das duas posições.

Sua resposta, embora a senhora seja do Tocantins, foi muito mineira, mas a senhora prefere ser governadora ou senadora?
Não é uma questão de preferência. Como eu disse agora pouco: você participa de um partido político e não existe o eu quero, né? Existe muito mais o que devo, o que eu posso.

A senhora é ligada à causa ruralista. Nos últimos anos aproximou-se do Palácio do Planalto, da presidente Dilma Rousseff, com quem tem uma relação cordial. Como se deu essa aproximação?
É uma aproximação bastante interessante e surpreendente, até mesmo pra mim. Não votei na presidente Dilma, ao contrário, trabalhei contra ela. Tinha preocupações com relação a sua chegada a presidência da República...

A senhora se enganou?
Sinceramente sim. E, na verdade, o que ocorreu: nós tivemos uma aproximação inicial, ainda quando eu era senadora na oposição, Lula presidente da República. Assim que foi anunciado, ainda pré-candidata à presidência da República, quando foi anunciado que ela tinha sido acometida com um tumor, com um problema de saúde, e naquele momento, muito mais como mulher, como mãe, como cristã que sou, eu lhe enviei uma carta me solidarizando naquele momento difícil.

Lá atrás...
Lá atrás. Ainda na oposição ao Lula, fazendo oposição, como fiz nos 8 anos, mas apenas me solidarizando. Senti muito ela ter sido acometida pela doença, porque na verdade o embate tem que ser eleitoral, tem que ser nas urnas, e eu acho que uma mulher que chegou aonde chegou, como presidente, merecia essa disputa e estar saudável para essa disputa. Então eu fiquei muito penalizada, na verdade, com a situação. Isso, de certa forma, eu não esperava, mas ela acatou bem essa correspondência. Acho que ela foi crível à minha solidariedade e acho que essa foi uma pequena semente que surgiu, mas nunca mais nos falamos, nunca mais tivemos nenhum tipo de relacionamento. Mas, uma vez ou outra, ela se lembra desta carta, que ela recebeu com muito carinho. E depois, em uma primeira audiência.

Ela já presidente?
Ela já presidente. E de forma institucional pedi a audiência, como presidente da CNA, para levar os problemas do agronegócio e me comprometi a levar dois problemas, inicialmente, mas são tantos problemas, um passivo enorme ao longo de 20, 30 anos sem solução e eu então falei: vou levar dois problemas que são fundamentais para sentir a reação e a receptividade, se há realmente uma vontade política de resolver os problemas. Porque eu já tinha definido desde que entrei na CNA que nós não iríamos nos comportar mais com chapéu na mão reclamando das dívidas e pedindo empurra-empurra de prorrogação de dívidas. Eu não ia submeter os produtores rurais, através da minha pessoa, a essa situação. E levei pra ela um modelo novo de política agrícola para o país e que tem por sustentação principal o seguro agrícola e a questão da logística, a questão do escoamento da produção, isso já em 2011, nessa primeira audiência. Para a minha surpresa agradável, após essa audiência, as questões foram tendo prosseguimento. As ações foram sendo acompanhadas efetivamente e, hoje, nós estamos, Fernando, eu posso dizer com muita tranquilidade, de uma representante de classe que não votou nessa presidente, se eu somar tudo que já aconteceu nos últimos dois anos da presidente Dilma, dois anos e meio, nós já resolvemos passivos de 20 anos que não tinham soluções. Já chegamos ao máximo? Não.

Qual a diferença principal entre o governo da presidente Dilma e o governo do ex-presidente Lula?
A presidente Dilma ela é uma gestora. Ela é uma operadora de problemas de sistemas. Ela tem vontade de resolver, não significa que o ex-presidente não tivesse vontade. Mas ela tem mais ação diante dos fatos. Então, plano agrícola, o problema do plano agrícola: ele está disforme da política agrícola atual, estou te dando um exemplo. Nós estamos com o seguro agrícola como se fosse uma concessão de piedade aos produtores e na verdade o seguro agrícola é um pilar importante, em toda parte do mundo, onde o agronegócio se desenvolveu. Então essa mudança de mentalidade, pra mim, era fundamental que a presidente, o governo, assimilasse essa questão, ou nós continuaremos na mesmice.

Dê um exemplo concreto de algo que foi de fato executado no governo Dilma e que dificilmente seria executado no governo Lula. Executado, uma ação.
Olha, nós tivemos a votação do Código Florestal. Tentamos durante 8 anos no governo Lula e, infelizmente, não foi possível. Mas no governo da presidente, nos primeiros 2 anos, nós conseguimos votar uma matéria polêmica...

Mas nesse caso vai contra a posição do Palácio do Planalto.
Não. Na verdade, o Palácio do Planalto tinha vontade de solucionar o problema, mas não significa que nós coincidíamos em todos os artigos, incisos, espécies, em todos os detalhes, mas isso não tem importância. A presidente tem a opinião dela e eu tenho a minha. Isso não significa uma aproximação, uma simpática recíproca, de que isso possa ser uma leniência e uma concordância incondicional ao Palácio do Planalto, absolutamente, eu tenho opinião própria.

Mas esse caso aí, houve divergência entre a posição da senhora e da bancada ruralista em geral com a o do Palácio do Planalto. Cite um caso onde houve convergência, uma ação tomada no governo Dilma e que era difícil de ser tomada no passado.
A MP do Portos. Nada pode retratar mais essa pergunta do que a MP dos Portos. Porque, na verdade, quando eu cheguei ao Senado Federal, eu fiquei imaginando qual seria o tema de maior importância para o país e que eu queria me dedicar. Claro que o agronegócio não é um tema, é um segmento importante da economia, indiscutivelmente. Mas qual era o tema que atrapalhava o país a crescer e desenvolver? E eu me dediquei ao estudo da infraestrutura, da logística, especialmente, de portos e hidrovias. Eram dois temas inadmissíveis, que ninguém conseguia compreender o porquê não fazer. Hidrovia: muito menos custo para construção, quase zero. Menos poluente. Um custo de transporte muito mais barato, infinitamente mais barato e vários rios no país propensos a serem navegáveis, mas isso não andava em lugar nenhum. E a questão dos portos. Porque nós tínhamos uma lei tão interessante, uma lei tão boa dos portos, ainda do governo Fernando Henrique, e essa lei foi desvirtuada por um decreto inicialmente, por instrução normativa, inexplicavelmente trazendo uma reserva de mercado para os portos atuais, sem permitir que a iniciativa privada pudesse construir mais portos e atender à demanda brasileira para que nós não vivêssemos o que vivemos ano passado. Então eram duas coisas que eu não conseguia entender e que eu lutei durante sete anos da minha estada no Senado para modificar essa situação. E as duas questões nós conseguimos, através da presidente, mudar este conceito, tanto das hidrovias, que hoje estão incluídas no PAC, principalmente as hidrovias do eixo Arco Norte - Madeira, Teles Pires-Tapajós e Tocantins, que fica no meu estado - e a MP dos portos, que você acompanhou tão bem, cobriu, toda a imprensa e mostrou o quanto foi duro modificar as pessoas que eram contrárias, estavam defendendo os seus interesses individuais, por vezes legítimos, mas cabe a nós, o Congresso Nacional, defender o interesse da maioria do Brasil.

A senhora mencionou a presidente Dilma como sendo uma gestora, uma pessoa preocupada com a gestão e a solução dos problemas. Não obstante, há muitas críticas em relação a forma como a presidente comanda a equipe, o governo, e muitos políticos, não só da oposição, mas até do governo, julgam que a forma de gestora da presidente acaba tornando tudo mais lento do que era durante do governo do ex-presidente Lula. A senhora acha que há verdade nessa interpretação?
Se as pessoas estão dizendo, todo mundo tem sempre um pouco de razão nas suas manifestações, não deixam de ter razão. Não quero com isso fazer aqui um jogo de dar razão a todos e ficar bem com todo mundo, não. Mas se você for analisar, Fernando, especificamente as concessões. Vamos falar das concessões. São dois anos e meio...

Esse é um bom tema porque houve uma demora que muita gente acha que foi excessiva.
É. Na verdade eu acho que, do meu ponto de vista que estou participando, não só a CNA, mas a CNI, a CNT, a CNC, todas as confederações empresarias, estamos ali, junto do governo, para falar a nossa demanda. Nunca tínhamos sido ouvido tanto como estamos. A nova rota do agro foi priorizada pelo governo federal. O eixo Arco Norte, o escoamento da produção para a região Norte, não só hidrovias, ferrovias, rodovias e portos. Então eu posso dizer que estou próxima com as confederações acompanhando todo o processo. E na verdade assim.... quando você...

Não está sendo mais lento?
Não. O que ocorre: o Brasil não se habituou a fazer projeto e planejamento. Em um país desenvolvido...

Senadora, o governo do PT já tem quase 12 anos.
Com certeza. O que aconteceu no governo Lula? No governo anterior o Ministério do Planejamento e também o Ministério dos Transportes não fizeram...

Senadora, a ministra da Casa Civil, que mandava em todos eles, é a atual presidente.
Você que está dizendo que ela mandava em todos eles, eu não tenho essa informação.

Mas era fato. O presidente Lula a designava como mãe do PAC, dizia que ela que tinha que comandar tudo e fazer as obras andarem e ela foi ministra da Casa Civil por muitos anos e agora é presidente. Ela está há muitos anos no comando. Por que que demora?
Demora porque não existem projetos para as estradas, rodovias e ferrovias. Com a criação da Empresa de Planejamento Logístico, que hoje está lá Bernardo Figueiredo, é que deverá superar isso, pelo menos teoricamente. Então um projeto na China pra fazer o maior porto do mundo, os chineses levaram seis anos para projetar e dois anos para construir. No Brasil leva-se um ano para fazer um projeto mal e mal e leva 10 a 15 anos para construir uma ferrovia ou um porto. Então as questões estão trocadas. O governante atual deveria, em tese, estar executando os projetos deixados pelo outro e se preocupando em deixar novos projetos para o seguinte fazer. Os projetos são demorados, projetos técnicos de competência, eficiência, e que vão fazer com que o recurso público seja bem gerido e administrado são projetos demorados. E nós estamos vendo fazer as duas coisas. O que nós estamos vendo hoje no governo é: construindo projeto e fazendo concessão ao mesmo tempo.

Deixa eu começar outra pergunta na forma adversativa. Mas não é o caso de lembrar que esse governo, essa administração tem 12 anos? Não é tempo suficiente para ter tido esses projetos?
Com certeza, concordo com você.

Faltou competência?
Talvez, quando não há planejamento a falta de competência deve ser inquirida.

A senhora trata muito dessa área de infraestrutura. Vamos falar de um caso que as pessoas conhecem. Dos aeroportos que foram concedidos, os primeiros. Depois que a concessão, enfim, o leilão de concessão ocorreu o governo percebeu que não exigia determinados itens que talvez fossem necessários das empresas que se saíram vencedoras. O número mínimo de passageiros administrados por ano, prova de competência anterior. Só percebeu isso depois que o leilão tinha sido realizado. Como é possível acontecer isso em um governo?
É difícil. Você tem toda a razão em admitir as falhas. O importante, Fernando, é que com esse grande volume de concessões que, pra mim, é um conforto muito grande, após colocar 10 mil quilômetros de ferrovias a serem concessionadas, 7 mil quilômetros de rodovias a serem concessionadas, concessão de aeroportos, a impressão que eu tenho, claro, o Brasil precisa aperfeiçoar, não dá pra fazer concessão envergonhada, não dá pra fazer concessão mais ou menos. Precisa encarar que os recursos públicos, os recursos da União são insuficiente para fazer os investimentos que o Brasil precisa. Que nós precisamos da mão forte do setor privado para complementar ou quase que fazer a maior parte da infraestrutura do país. Então, o que me consola e o que me conforta é que após essa atitude, desta grande frente, uma ampla frente, para dar à iniciativa privada essas concessões é que nós não voltaremos atrás. Nós tivemos o período Fernando Henrique onde fizemos as concessões das telecomunicações e energia, que foi um sucesso total. Depois tivemos um período no governo Lula onde as concessões foram muito tímidas, que poderíamos ter aproveitado um grande momento de bonança dos oito anos do governo Lula para fazer as concessões e as reformas e, infelizmente, não foi possível de serem feitas. E, agora, retomamos então, parece que dessa vez, enfim, as concessões efetivamente como uma forma do país investir e desenvolver através da iniciativa privada.

Estamos nós dois aqui falando sobre tudo isso usando a expressão concessão. Certo não é mais dizer privatização. O mais correto, mais direto, não é isso?
Eu não tenho nenhum preconceito com relação a isso. Pra mim eu vejo com muita naturalidade concessão, privatização, PPP [Parceria Público-Privada]. Eu acho que no mundo moderno, onde as pessoas precisam de infraestrutura, nós não devemos escolher quem faça, nós devemos escolher fazer.

Existe alguma medida que precisaria ser tomada pela presidente Dilma para melhorar a gestão do governo?
Eu acredito que uma reforma administrativa seria muito importante. A impressão que eu tenho na conversa com os empresários do país, com as pessoas que empreendem no país, a sensação que nós temos é que a iniciativa privada evolui 50 anos em termos de processo, modernização, vários setores, e que o governo deu uma ré nos seus processos de 50 [anos]. O Brasil cresceu muito, mas não houve uma preocupação em nenhum dos governos com uma modernização efetiva da máquina pública brasileira, da meritocracia...

A presidente Dilma poderia fazer isso?
Poderia, claro que sim. A meritocracia, indicadores...

Mas por que ela não faz?
Eu não sei...

A senhora tem falada com ela. A senhora sente o que a respeito disso?
As nossas conversas são majoritariamente envolvidas com o agronegócio, com a logística, com a infraestrutura, com a questão dos licenciamentos ambientais, com as questões que atingem o agro, a própria burocracia bancária de financiamento, de processos, tudo isso está emperrado em todos os níveis. Vou lhe dar um exemplo...

Quem é o principal responsável?
Eu acho que não existe um responsável.

Em termo de instituição. É o governo federal?
Hoje nós estamos vendo esses processos burocratizados em todos os níveis - governo estadual, federal e municipal.

Mas quem que deveria tomar iniciativa? No plano federal, o que poderia ser feito, mas não é?
Eu acho que uma reavaliação de todos os processos dos ministérios. Existe uma prática que as vezes eu, em tom de brincadeira, digo que os ministérios, alguns, tem uma padaria dentro fabricando pão 24 horas, que são os decretos, instruções normativas, decretos, instruções normativas, que são atos, infra... Atos que não passam no Congresso Nacional e que são elaborados por ministérios monocraticamente e que surpreendem a população todos os dias, especialmente no Ministério do Meio Ambiente do governo anterior, e também do Fernando Henrique era uma coisa difícil de acompanhar. Nós tivemos também nessa questão uma paralisação na emissão desses processos e dessas regulamentações que mudavam a todos os dias. Que, inclusive, com dificuldade de acompanhamento até para o cumprimento da lei.

A senhora acha que a população percebe tudo isso?
Muito. A população percebe não. A população é que mais sofre com os processos burocráticos.

Mas ela entende o que está se passando?
Entende. As ruas mostraram isso. Eu acho que a manifestação, as manifestações foram legitimas e verdadeiras. Talvez um pouco diluída em algumas opiniões, diferentes opiniões, mas o motivo principal de toda manifestação que nasceu nas grandes cidades com o stress do dia a dia, do transporte público, da péssima qualidade do transporte público, da ausência de médicos, de equipamentos, de exames. Um papanicolau, um exame de papanicolau demora até oito meses para dar o resultado para uma mulher, com certeza, alguma podem até chegar à morte com isso. Então começa no detalhe do posto de saúde, pra fazer o exame de seis a oito, nove meses, o resultado do exame que demora mais um ano. Então isso é a vida das pessoas. Essa é a prática na vida das pessoas, é o que ela vive no dia a dia. Vai no posto de saúde não tem o medicamento, isso tudo, o transporte escolar, e acabou que o Brasil inteiro se solidarizou com essas pessoas que estavam sofrendo nas grandes cidades e isso foi acumulado com a questão da corrupção. Mas, muito mais do que a corrupção, Fernando, na minha opinião, o que indigna mais as pessoas além da corrupção é a impunidade. Então eu acho que o somatório de serviços públicos ruins, de impunidade, de corrupção, fez com que um retrato do que as pessoas sentem e que as pessoas são inteligentes.

Qual vai ser o impacto disso, no cenário, vamos dizer, sucessório presidencial do ano que vem, na sua opinião?
Eu acredito que nós precisaríamos de realmente uma modificação na legislação eleitoral antes da próxima eleição. Não foi possível infelizmente fazer minimamente algumas modificações, mas eu acredito que nada diferente vai acontecer. Precisaria ter uma mudança um pouco mais forte. Como por exemplo, o voto distrital, o voto distrital misto, o fim das coligações proporcionais, porque são duas armas. Não significa que a solução de tudo, o remédio final de tudo, mas são duas armas que empoderam o eleitoral. E tudo isso ficou empatado em função do contrário, do empoderamento do partido, que é a lista fechada e o financiamento público de campanha. Então nós teríamos que optar pelo empoderamento do eleitor e não pelo empoderamento dos políticos. Infelizmente isso não houve um desenvolvimento nessa área que levasse a uma boa votação no Congresso Nacional.

Mas na sucessão presidencial, no momento há três pré-candidatos apresentados mais competitivos: a própria presidente Dilma Rousseff, o senador Aécio Neves, do PSDB, e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, pelo PSB, que agora recebeu o apoio da ex-senadora Marina Silva. Desses três nomes, que hoje estão apresentados, a senhora acha que qual deles está mais preparado para conduzir o país nessa direção que a senhora defende?
Eu, sinceramente Fernando, fico muito feliz os três personagens. Eduardo Campos é reconhecidamente um excelente governador. Aécio Neves, a mesma coisa, fez muito bonito à frente do governo de Minas e a presidente Dilma também é uma gestora. Eu fico muito tranquilo quando nós temos uma solução de candidatura onde os três candidatos já mostraram capacidade administrativa.

A senhora, quando se filiou ao PMDB, o PMDB é coligado ao PT no plano nacional, oferecendo inclusive Michel Temer como vice-presidente da República, deve apoiar a reeleição da presidente Dilma, a senhora?
Independente de eu ter filiado ou não no PMDB eu já tinha me decidido votar na presidente Dilma. Pelas questões de soluções do agro, repito, por toda a sua sensibilidade em atender às nossas demandas pelo Brasil a fora. Não estamos 100% cobertos mesmo porque dois anos e meio, sinceramente, não dá pra que nós possamos deixar o agronegócio como ele precisa estar, mas demos bons e grandes passos nessa direção.

A senhora enxerga no ano que vem um cenário em que a sucessão presidencial seja decidida no primeiro ou no segundo turno?
Nós tivemos esse caso do Fernando Henrique Cardoso, que se elegeu no primeiro turno, mas tivemos, inclusive, o presidente Lula, que com toda a sua popularidade, teve que passar nas duas eleições pelo segundo turno. Então é imprevisível. Não consigo ainda prever o que irá acontecer.

Mas a lógica a senhora acredita que seria qual? A presidente Dilma ir ao segundo turno ou ter chance de ganhar no primeiro?
Em três candidaturas, quando se há três candidatos a lógica é o segundo turno.

Dos dois candidatos de oposição, quem acaba se fortalecendo no novo cenário? O senador Aécio Neves ou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos?
Com essa aproximação da ex-senadora Marina Silva, é claro que houve uma movimentação importante. A aliança dela com Eduardo Campos é alguma coisa significativa do ponto de vista político. Agora o resultado disso na cabeça das pessoas e eleitores acho que devemos esperar um pouco mais pra essa análise.

A senhora tem ideias que senão opostas, muito diferentes da senadora Marina Silva. Uma eventual vitória de uma chapa como Eduardo Campos e Marina Silva, seria nociva para o agronegócio?
Eu não acredito que exista alguém no mundo que seja inimiga do agronegócio, que seja inimiga do setor mais importante da economia do país. Eu confesso que talvez haja desconhecimento do setor agropecuário por parte da ex-senadora, através dos seus artigos e das suas manifestações. Mas eu também creio que ela é uma mulher inteligente e que ainda há tempo de conhecer um pouco mais o setor como ele merece e precisa diante de uma candidata a presidente da República.

Que tipo de posição da ex-senadora Marina Silva a senhora acredita que não expressa uma compreensão de acordo com o que a senhora entende?
Eu gostaria de citar um dos seus últimos artigos, que faço questão de ler todos por sua importância e por ser uma mulher inteligente, em que pese, pensa totalmente diferente de mim. Nós somos totalmente opostas. Mas ela fez um último artigo, que eu dou como exemplo, na Folha de S.Paulo, que o título, se eu não me engano é "O espantalho", dizendo o quanto o setor é retrógrado, o quanto o setor é atrasado. E ela colaborou para que alguns preconceitos fossem construídos com relação ao produtor rural brasileiro, como um destruidor do meio ambiente, e nós não somos isso. Quando você pega um Brasil de 850 milhões de hectares e lembre-se que nós produzimos uma das maiores agriculturas do planeta em apenas 27% do território nacional, nós, sinceramente, não merecemos essa pecha.

Se ela mantiver essa posição como tem mantido e vier a, enfim, ter sucesso na campanha eleitoral junto com Eduardo Campos, esse tipo de posição, no comando do país, que efeito teria
Desastroso. Se continuar com esse preconceito, se viesse a dirigir o país seria desastroso. Porque o meio ambiente, nenhum de nós tem dúvida da sua importância e não é conversa, como se diz no interior do Tocantins, pra boi dormir. Nós produtores rurais precisamos do meio ambiente. Nós precisamos de água pra produzir, as terras degradadas não dão produtividade adequada, nós precisamos das chuvas, nós precisamos dos controles de praga ou também não teremos produtividade. Então, ninguém mais do que os produtores rurais, do ponto de vista empresarial, comercial precisa, do meio ambiente.

A senhora conhece o governador Eduardo Campos?
Superficialmente. Principalmente na imprensa.

A senhora acredita que ele pensa como a senadora Marina Silva a respeito do agronegócio?
Eu acredito que não e torço para que não.

Porque nesse caso então existe um conflito entre ambos, imagino.
Eu não o conheço em debates, nunca nós falamos sobre essa questão. Nós tivemos algum embate, algum tipo de confronto democrático na MP dos Portos, onde ele era contrário à abertura dos portos e eu era a favor da MP, para que dava a condição de que a iniciativa privada pudesse construir mais portos no País.

A aplicação desses conceitos, defendido pela ex-senadora Marina Silva, pode funcionar como impeditivos para que essa dupla amplie o apoio que tem na sociedade, durante a campanha? A senhora acredita ou o oposto? Porque existe o preconceito contra o agronegócio, eles surfariam em cima disso?
Eu acho que a ex-senadora Marina Silva, não sei se pretende ou não compor a chapa como vice ou como candidata a presidente, mas eu acredito que qualquer candidato a presidente deste país, que queira ter sucesso, não só nas eleições, mas principalmente na sua gestão, tem que ter um olhar à altura do que o agro representa. Não os produtores. Do que o agro representa pra economia, em termos de emprego, 36% do emprego, quase 40% das exportações do país e responsável por quase um quarto do crescimento do PIB. Só analisar os primeiros seis meses, enquanto o Brasil inteiro cresceu 2,5% o agro cresceu 14,7%. Então não há possibilidade de qualquer candidato a presidente da República que queira ter sucesso divergir ou ser inimigo de um setor como esse. Não acredito que isso acontecerá.

Agora, na população, talvez esses números e essa explicação não esteja ecoando tanto assim. A julgar, por exemplo, por 2010, quando o tema nunca é tão presente nas eleições, não é, e a ex-senadora Marina Silva, em 2010, chegou a ter 20 milhões de votos com o discurso que ela tem hoje. Isso significa o quê? Que os que defendem o agronegócio ou o setor do agronegócio não conseguem transmitir pra sociedade para os eleitores exatamente o que significa esse setor no Brasil?
Nós temos que melhorar cada vez maior, já foi pior. Já tivemos um diálogo muito ruim com a sociedade e com a classe política e nós estamos trabalhando para evoluir nesse diálogo. Nós estamos nos profissionalizando no diálogo. O que eu quero dizer com isso? Não estou artificializando o diálogo, não. Por deficiência nossa, às vezes nós nos expressávamos mal e agora nós estamos mais articulados no diálogo, apoiados mais na ciência, na pesquisa e em conteúdo. E antes, prevalecia, até mesmo em mim, em vários produtores rurais no país, representantes classistas, muito rancor, muita raiva, muita indignação com as injustiças e hoje nós tratamos com muita tranquilidade e procuramos superar o preconceito demonstrando a nossa boa fé, demonstrando que nós somos brasileiros como os outros qualquer, que só queremos trabalhar, criar nossa família e cumprir a lei e que a lei seja cumprida também para nós.

Que tipo de preconceito a senhora citaria como um dos principais e que precisaria ser mais explicado a respeito do agronegócio e que até hoje não foi?
A questão do trabalho escravo. Esse pra mim é imperdoável que o Brasil faça isso hoje ainda, que grupos pequenos de pessoas, mas que articulados na imprensa e na opinião pública coloque esse preconceito no produtor rural brasileiro. Quer dizer, ao mesmo tempo em que nós aparecemos na televisão com as colheitadeiras, com toneladas e toneladas de grãos, nas exportações, no emprego, na mesa farta, o alimento barato, a classe média que ascendeu comprando mais alimentos, quer dizer, por um lado isso tudo é mostrado na televisão e por outro lado ainda há grupos que querem trazer o agronegócio pro passado, naquela novela das seis, onde os donos de fazendas - que foi uma realidade, claro - onde nós fomos um país escravocrata e muito escravos trabalhavam nas fazendas. Não eram só nas fazendas, mas também nas cidades, se é que isso pode ter algum tipo de amenidades, mas na realidade isso ficou muito cravado na cabeça das pessoas e com razão, que a escravidão estava nas fazendas. E tudo isso mudou e nós precisamos mostrar para as pessoas que nós não queremos isso nunca mais e que os produtores também mudaram. Nós não construímos essa grande agricultura, não fizemos essa revolução verde em 40 anos escravizando pessoas, escravizando gente. Existem distorções? Existe descumprimento da lei? Existe sim. Nós precisamos aprimorar cada vez mais. A legislação trabalhista brasileira, especialmente a NR31 que é uma instrução normativa do Ministério do Trabalho. O produtor rural brasileiro, independentemente de onde ele estiver, qualquer tamanho que ele seja, ele tem que cumprir 252 exigências para estar quite com a lei trabalhista. Isso é negativo ou positivo, ter que cumprir isso? Não é positivo, tudo que nós tivermos para melhorar essa relação, não só financeira, de salários, de direitos, mas uma relação social é importante que nós possamos avançar nessa direção. Agora, daí a dizer que no Brasil existem escravocratas, que fazem de má-fé, não, poderá ter alguma coisa isolada, que nós não representamos, que nós não defendemos e que nós nos recusamos a estar próximo a essas pessoas. Nós defendemos pessoas de boa-fé, que ainda podem desconhecer a lei, o equívoco e, principalmente, estarem em uma fronteira do País onde se quer tem as mesmas condições de conforto e de viabilidade até para o próprio patrão.

No caso do Código Florestal falta um decreto ainda que vai disciplinar tudo de que deve ser feito. É isso?
Exatamente.

Por que esse decreto demora tanto?
O próximo passo agora, Fernando, é o CAR, Cadastro Ambiental Rural. Eu confesso que tem alguns ambientalistas mais radicais que torcem para que esse CAR não dê certo, mas ele vai dar.

O que é o CAR?
O CAR é um Cadastro Ambiental Rural, é uma identidade, um passaporte, uma radiografia das propriedades rurais do país.

Hoje não existe o NIT? Que é no imposto de renda territorial rural que se coloca o número para cada propriedade?
É nós teremos um ponto de coordenada no centro da fazenda e nas suas divisas e isso tudo será colocado no CAR e através do satélite você vai poder vistoriar a fazenda sem sair do Ibama ou do Ministério do Meio Ambiente. Então os produtores terão que aderir a esse CAR e vão fazê-lo com muita seriedade e correção, porque qualquer diferença no que foi declarado e que realmente estão acontecendo nós teremos problemas graves com os produtores, inclusive a impossibilidade de plantar e tomar qualquer tipo de financiamento. Então a partir do CAR, num país de 850 milhões de hectares, que 230 milhões de hectares estão nas mãos dos produtores rurais, quer seja pequeno, médio ou grande nós temos algumas dificuldades para implantar.

Quando deve sair esse decreto? A senhora tem acompanhado?
Eu acredito que a ministra deve estar tentando viabilizar e a CNA está colaborando sob todos os aspectos, agora mesmo consegui 50 milhões de reais para o Tocantins fazer o CAR, a fundo perdido no fundo da Amazônia. O fundo da Amazônia no BNDES deve cobrir toda a Amazônia, porque custa caro, custa em torno de 4 mil reais por hectares para fazer o CAR e nós precisamos de recurso para que os pequenos produtores não fiquem de fora e não podem ficar de fora.

Como é que o pequeno produtor vai entrar no CAR? O que é que ele vai ter que fazer? Quanto é que ele vai ter que gastar?
Ele não vai ter dificuldade nenhuma e nem gastar nada. Nós estamos tentando, estamos viabilizando recursos e unindo todas as forças de governadores e da União e de parceiros para que tudo isso possa custar o mínimo possível e de graça para os pequenos produtores.

Que tipo de providência o produtor tem que tomar do ponto de vista tecnológico?
A partir do momento que o CAR for decretado, que começar a contar o prazo ele vai ter duas situações para aderir o CAR: ele pode ir direto na internet e fazer o seu CAR, no seu computador, informando onde está a reserva legal, onde tá a margem de rios, onde é que eu produzo, onde está uma área sensível, então vai ser a radiografia da fazenda. Se houver algum ponto de desmatamento sem licença o satélite vai indicar imediatamente. Ele poderá também, se tiver dificuldades com a internet, ele poderá se dirigir ao sindicato rural da sua cidade, ele poderá se dirigir ao órgão ambiental estadual para fazer o seu CAR. Tudo isso a partir do momento da publicação do decreto e contar o prazo de dois anos.

Basicamente, o produtor, todo produtor rural, vai ter que entrar no sistema e declarar em detalhes o que há na sua propriedade. É isso?
Todas as imagens de satélite do Brasil o governo federal comprou, o Ministério do Meio Ambiente, inclusive custou uma boa fortuna, para que todas essas imagens estejam à disposição para que cada produtor de através da sua coordenada se encaixe no território brasileiro.

E essas imagens serão atualizadas de quanto em quanto tempo?
Não me lembro especificamente, mas agora as últimas imagens custaram mais de 50 milhões de reais e já estão sendo formatadas e adequadas para começar após a publicação do decreto.

A senhora acha que até o final do ano, ano que vem, quando que isso vai estar plenamente funcionando?
Olha, eu acredito que nós não teremos um Brasil 100% ano que vem, mas nós teremos boa parte do Brasil já mapeada. Todas as federações de agricultura, todos os sindicatos rurais, as cooperativas do País, todos nós queremos sair à frente, dar credibilidade a esse instrumento.

Isso ficaria pronto ao longo de 2015?
Exatamente. A partir do momento que o Ministério do Meio Ambiente publicar o decreto do CAR, nós teremos dois anos para a execução.

E a senhora acha que o ministério consegue publicar exatamente quando?
No melhor da sua expectativa. Eu acredito que antes dos próximos seis meses.

Meados do ano que vem?
Com certeza, acredito que sim. Mesmo que seja regional, conseguimos todos os recursos da Amazônia então vamos liberar e começar a contar o prazo e deixar a Amazônia fazer o seu CAR. Isso vai ser um motivo de atração de investimentos empresarias. As pessoas vão se interessar por onde, os Estados já estejam com a sua situação regularizada.

Senadora, por que a senhora é a favor de transferir a competência para demarcar terrar indígenas do governo para o Congresso?
Na verdade eu sou a favor de sair da Funai para o Congresso. Claro que a Funai é governo, mas é uma decisão monocrática de um único antropólogo, toda a tramitação, e que decide a partir de declarações dos próprios indígenas, com o direito do produtor recorrer administrativamente com o mesmo antropólogo, e ele define uma questão tão séria pro País de forma monocrática, unilateral, sem ouvir o Congresso Nacional, que são aqueles que foram eleitos para decidir sobre as questões regionais e estaduais.

Mas me parece que dentro do governo há um pouco de divergência. O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo assinou um parecer contrário aí à PEC 215 que trata desse tema. Também há resistências na Casa Civil com a ministra Gleisi Hoffmann. Por que esses ministros têm se posicionado, enfim, não a favor?
Fernando, ninguém gosta de perder poder e nem arrecadação. Ninguém quer diminuir impostos para não perder arrecadação e ninguém quer perder poder de decisão política, então é uma queda de braço entre governo e Congresso e que será decidida no Congresso Nacional.

A senhora já tratou isso com a presidente Dilma, o que ela disse?
Ela também tem as suas dificuldades em aceitar, mas eu votarei a favor de que o Congresso Nacional arbitre sobre essa situação.

Há um componente eleitoral também nesse caso em que os políticos que vão disputar a eleição ano que vem ficam reticentes em retirar da Funai esse poder?
Acho que o contrário. O contrário dá mais votos. Acontece, Fernando, que isso já ultrapassou a questão ruralista, a questão agropecuária. Isso já atingiu os prefeitos, os vereadores, os governadores, por não estarem sendo ouvidos em questões municipais e estaduais. Nós vivemos em uma federação. Nós temos um pacto federativo que por muitas vezes é desrespeitado. Nem [a reserva indígena] Raposa Serra do Sol, que deve estar em vias de votação a qualquer momento, nós esperamos. Isso está muito claro, que não dá para criar e nem ampliar e avaliar a terra indígena sem a participação dos prefeitos e dos governadores e isso ecoa no Congresso Nacional porque os parlamentares também têm a sua base ligada aos prefeitos e aos governadores. Então não é mais uma questão de ruralistas, não é mais uma questão dos produtores rurais. Essa questão tá incomodando toda a sociedade.

O Brasil tem, na sua opinião, um número excessivo de terras demarcadas para indígenas?
Eu não quero julgar se é excessivo ou não. Eu vou te dar os números e as pessoas vão avaliar: o Brasil tem 200 milhões de habitantes, 850 mil índios, menos de um milhão de índios, sendo que segundo o último IBGE, a pesquisa PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], praticamente metade, 500 mil moram nas aldeias, 400 [mil] moram nas cidades. Então nós temos 13% do território nacional à disposição de 500 mil índios. Se nós pudéssemos fazer um comparativo, nós temos 1 milhão e 350 mil assentados em 10% do território nacional. E 850 mil índios em 13%. Mas esse não é o problema, Fernando, nós temos terra de sobre nesse país. Não dá pra brigar por terra. O grande problema é que a Funai resume num tema só os problemas dos índios: terra. E se esquece do alcoolismo, das drogas, da gravidez na adolescência, na falta de assistência médica, na falta de habitação, na falta de alimentação. Então quem dera que o problema terra fosse a solução de todos os problemas. Nós sabemos que patrimônio não significa transferência de renda. Nós precisamos encontrar outras soluções. Terra, neste momento, é o segundo plano. Se os índios estivessem recebendo mais terras e transformando essas terras em riquezas em que eles pudessem mudar a sua condição de vida, nós teríamos dificuldade em contradizer. Mas não, o que nós estamos vendo é uma busca ardorosa por terras, não só do Cimi [Conselho Indigenista Missionário], da Funai, mas de ONGs internacionais, e que na verdade eu não sei o que tem por trás disso tudo. Enquanto os índios pleiteavam as áreas da floresta, nós tínhamos poucas divergências, poucas dificuldades. A partir de alguns anos, especialmente de 4, 5 anos pra cá, a Funai tem instigado o Cimi a que os índios também requeiram áreas de produção. O Brasil que tem que definir o que quer de seu país. Se queremos dar as terras de produção aos índios ou se essa quantidade já é suficiente.

Na sua avaliação, a quantidade de terras que já foi oferecida e demarcada aos índios é suficiente?
Não sei se é suficiente, não tenho estudo jurídico ou antropológico para isso. Mas a minha intuição diz o seguinte, que em 27% do território nacional, aonde nós fazemos o segmento mais importante da economia nacional, não pode ser reduzido para converter em unidade de conservação, em terra indígena, em nada que se possa inibir a produção de alimentos. Nós temos áreas devolutas do Incra, nós temos uma infinidade de áreas de unidade de conservação, que podem também, duplamente, ser unidade de conservação e terra indígena, nós temos outro tipo de solução que não seja a diminuição da área de produção de alimentos do país. Porque isso significa também reduzir exportação, reduzir emprego, reduzir riqueza.

Senadora, a senhora gosta de ser política?
Muito, gosto muito, tenho orgulho de ser política.

A senhora gostaria de ser presidente da República algum dia?
Acho que todo político gostaria, é uma pena que Presidência da República, como dizem por aí, não é um projeto, é um destino, e eu não sei se esse será o meu destino.

A senhora acha que, olhando pro futuro, tem chances de chegar lá?
Acho que o Brasil é um país democrático, já elegeu um intelectual, já elegeu um governador de um Estado minúsculo, como Alagoas, já elegeu um sindicalista, já elegeu uma mulher que nunca tinha ido às urnas, eu acho que o Brasil tem essa grandeza, de dar oportunidades a quem queira ter oportunidade.

Ou seja...
Ou seja, todos nós políticos podemos sonhar com isso.

No ano que vem a senhora ainda não decidiu então, governadora ou senadora.
Exatamente, vai depender da circunstância local. Vai depender de toda a articulação que nós faremos com os partidos aliados. Tem vários candidatos a governador, tem vários candidatos ao Senado, então eu não posso, no momento, já chegar carimbar a minha posição, que seria até antidemocrático.

Pensando na política brasileira, quem seriam, dos políticos contemporâneos, aqueles que a senhora mais admira?
Fernando Henrique Cardoso, eu gosto muito dele, acho que é um grande brasileiro, foi um grande presidente, não se preocupou com a sua própria vida, tem espírito público, gosto de Fernando Henrique Cardoso. E gosto também da presidente Dilma.

Olhando historicamente a senhora tem algum ídolo histórico na política brasileira ou ninguém que mereça ser citado?
Eu acho que pela minha própria geração, por toda construção de Brasília, por toda essa história bonita, e dos filmes, dos contos, Juscelino Kubitschek de certa forma me traz boas lembranças.

A senhora acha que foi correta a decisão de mudar a capital do Rio de Janeiro aqui para essa região do país?
Corretíssima, a interiorização do Brasil foi fantástica, com essa interiorização veio junto a agricultura, veio junto a grande revolução verde que se uniu ao poder político, aqui no planalto central, e transformou o país.

Senadora Kátia Abreu, muito obrigado por essa entrevista.
Eu que agradeço.


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