Folha de S. Paulo


Temer resistiu a pressão por renúncia e refez planos políticos em 'ano do ufa'

Os planos de Michel Temer, ambiciosos para quem ostentava uma popularidade tão baixa, começaram a ruir naquela noite de 17 de maio.

Até o minuto em que estourou a delação da JBS, o presidente e a cúpula do Palácio do Planalto faziam os primeiros movimentos para tentar transformá-lo em candidato à reeleição em 2018.

O cálculo político parecia simples: a aplicação do ajuste fiscal permitiria ao governo turbinar investimentos e acelerar a recuperação do emprego, aumentando, assim, os índices de aprovação.

A divulgação do controverso diálogo entre Temer e o empresário Joesley Batista, porém, fez com que o presidente deixasse de lado o projeto e considerasse renunciar ao cargo, depois do que classificaria como o dia mais difícil de seu governo.

Naquela quarta-feira, quando a gravação no Jaburu veio a público, Temer se reunia com governadores em seu gabinete. Viu então entrar apressado seu secretário de Comunicação, Márcio de Freitas, que fez um rápido sinal com as mãos para que ele encerrasse imediatamente o encontro.

Em uma sala reservada, o assessor estendeu a notícia impressa em uma folha de papel e perguntou: "O senhor falou isso mesmo ao Joesley?"

Freitas olhava para um Temer confuso, que dizia não se lembrar de detalhes, mas garantia não ter autorizado a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

Diante da repercussão imediatamente negativa, a explicação ainda um pouco vacilante pareceu ineficaz.

"Ele estava atordoado, todos nós estávamos. Ele e o governo demoraram muito para se recuperar depois daquele dia", disse à Folha o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral), um dos principais auxiliares do presidente.

Na manhã seguinte, Temer ainda tateava a crise em busca de reação e começava a ver os primeiros sinais de que perdia sustentação política e que seu governo poderia ruir em poucas horas.

Do secretário de Comunicação, o presidente ouviu duas opções: enfrentar o processo com um desgaste sem precedentes ou encurtar seu mandato, propondo uma emenda constitucional para convocar eleições diretas para presidente em novembro, passando o poder a um novo mandatário já em 2018.

Temer surpreendeu os assessores ao cogitar a segunda hipótese e Freitas preparou um discurso naquele tom. Foi papel dos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha (Casa Civil) dizer que o ato era "uma loucura" e desencorajar o presidente, que recuou.

Quando subiu ao púlpito para bradar que não renunciaria, às 16h09 do dia 18 de maio, Michel Temer leu a segunda versão do discurso. Deu, ali, seu primeiro suspiro de alívio durante a crise.

Agarrando-se ao cargo, o presidente decidiu enfrentar as dificuldades que pareciam ininterruptas e infindáveis.

Assistiu à prisão, nessa ordem, de três de seus mais próximos aliados do PMDB [atual MDB]: Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures –este, o assessor que correu na rua com uma mala contendo R$ 500 mil.

Enfrentou (e venceu) votações na Câmara de duas denúncias contra ele –uma por corrupção passiva, outra por obstrução da Justiça e organização criminosa– e teve de lidar com movimentos discretos, porém precisos, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Estimulado por alguns aliados, o deputado percebeu que poderia ser o próximo presidente da República e chegou a experimentar uma articulação para a votação da primeira denúncia contra Temer, que o Planalto preferiu chamar de conspiração.

VIRADA

Além da crise política, o presidente teve problemas de saúde que o fizeram passar por três cirurgias e viu naufragar o avanço da principal bandeira de seu governo: a reforma da Previdência.

Parecia que sua única conquista em 2017 se resumiria à aprovação da reforma trabalhista, defendida por ele como uma proposta "modernizadora", mas atacada por adversários que dizem que a medida retirava direitos.

A sorte de Temer começou a mudar em 4 de setembro.

A data é lembrada por auxiliares do Planalto como a virada do presidente, que estava desacreditado quando o então procurador-geral, Rodrigo Janot –inimigo declarado do governo–, convocou uma entrevista coletiva para dizer que poderia rever a delação dos executivos da JBS.

O motivo: suspeita de omissão de informações e de que o ex-procurador Marcelo Miller, um de seus principais assessores, atuara de forma ilegal para fechar o acordo.

Era mais um suspiro para Temer. Possivelmente, o maior deles. Antes de assistir à derrota do procurador, o presidente havia conseguido recuperar algum capital político ao apostar no espírito de corpo dos parlamentares para barrar as denúncias contra ele na Câmara. Dizia que a Lava Jato queria dizimar a classe política —e o discurso colou.

Com medo de serem os próximos, deputados e senadores decidiram ajudá-lo a enterrar as acusações e, de quebra, articular um bloco de centro-direita para apoiar um candidato em 2018.

Temer ainda se coloca como um "player" nas eleições. Acredita ter recuperado força, amparado por inúmeras concessões de cargos e emendas. Não conseguiu, entretanto, amealhar os 308 votos para a nova Previdência.

A dimensão do poder de Temer ao fim deste ano é uma incógnita. Não renunciou, também não foi apeado do cargo, mas continua com baixíssima popularidade –5% de ótimo/bom pelo Datafolha– e é cedo para calcular sua força na disputa eleitoral.

Para ministros do núcleo político, essa avaliação só será retomada em fevereiro. Agora, dizem, Temer dá mais um suspiro antes de enfrentar a travessia até o fim do mandato, seja como protagonista das eleições, como fiador de um palanque forte ou até em estado de inércia.

"Quase não dá para acreditar que sobrevivemos a tudo isso", disse o presidente em conversa recente com auxiliares, segundo relatos. Um desabafo subjetivo. O resumo mais pragmático fica por conta de Moreira Franco: "2017 é o ano do 'ufa'. E nós só queremos que ele termine".


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