Folha de S. Paulo


Agentes públicos direcionaram editais em São Paulo, dizem empreiteiras

Zanone Fraissat - 26.out.2017/Folhapress
Linha 5-lilás do Metrô
Linha 5-lilás do Metrô de São Paulo

Nos acordos de leniência assinados com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), as empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht descreveram como agentes públicos atuaram para alterar regras de editais de obras públicas, direcionar licitações, acertar preços e até impedir a entrada de estrangeiros que não participassem do suposto cartel.

O único nome foi revelado pela Odebrecht. O teor do acordo da empreiteira com o Cade foi divulgado pela Folha nesta terça (19).

O esquema incluiria o Rodoanel e o Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Metropolitano de São Paulo. Teria funcionado de 2004 a 2015, durante os governos tucanos de Geraldo Alckmin (2004-06), José Serra (2007-10) e Alberto Goldman (2010), além de Claudio Lembo, do então PFL, atual DEM (2006).

Avener Prado/Folhapress
Trecho sul do Rodoanel, que foi superfaturado, segundo o TCU
Trecho sul do Rodoanel, que foi superfaturado, segundo o TCU

No caso do Programa Viário, o ex-diretor de engenharia da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como "Paulo Preto", teria organizado os consórcios e direcionado licitações, segundo o depoimento de executivos.

As obras do Programa foram lançadas em 2008 pela Dersa, órgão viário de São Paulo, e custaram cerca de R$ 5,5 bilhões. Uma parceria com a Prefeitura de São Paulo transferiu algumas delas para o município e, mesmo assim, elas continuaram sob o comando do cartel até 2015.

Segundo os executivos da Odebrecht, em pelo menos sete obras, Souza se reuniu com integrantes do suposto cartel para "organizar o mercado, dividindo previamente as licitações de acordo com a complexidade da obra e a capacidade técnica das construtoras".

Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress
O clube das empreiteiras

Os executivos da Odebrecht afirmaram que Souza definiu até os possíveis concorrentes dos consórcios. O acordo previa ainda a apresentação de propostas para a cobertura de lances de outras empresas fora do cartel que, eventualmente, pudessem vencer a disputa.

No arranjo, as grandes empreiteiras ficariam com as melhores obras –o prolongamento da Avenida Roberto Marinho e a Chucri Zaidan, na zona sul da capital paulista.

As empresas de médio porte fariam as demais obras do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo –Jacú-Pêssego, Marginal Tietê, Sena Madureira, Cruzeiro do Sul, Chucri e Córrego Ponte Baixa.

O cartel teria atuado até 2015 com o encerramento dos contratos por "questões de política interna de transportes do governo municipal".

Não houve menção a políticos ou ao pagamento de propinas para que as empresas levassem os contratos. Nos acordos com o Cade é praxe que, quando há intenção do leniente de entregar provas de crimes cometidos, o relato seja feito diretamente ao Ministério Público Federal, órgão competente para esse tipo de investigação.

CAMARGO CORRÊA

A empreiteira Camargo Corrêa (CC) também mencionou a participação de agentes públicos na Linha 5 do metrô de São Paulo, mas não citou nomes.

Nas reuniões do cartel, conforme a Camargo, "alguns dos presentes", como um executivo da Andrade Gutierrez, "mencionavam ter interlocução com a CMSP [Companhia do Metrô de SP] no sentido de tentar garantir que o edital restringisse a participação de empresas estrangeiras, dentre outras disposições".

Segundo a Camargo, suas investigações internas "apontam para indícios da participação de agentes públicos para facilitação do cartel, por meio da elaboração de edital direcionado. De toda sorte, a CMSP, de fato, optou por lançar a licitação na modalidade concorrência nacional".

Sobre a licitação para o metrô de Fortaleza (CE), a Camargo afirmou que a Marquise não participava das reuniões do cartel, conhecido como G-5, mas "teve sua admissão no consórcio solicitada pelo governo local (...) em razão de sua atuação naquela região".

Em e-mails entregues pela Camargo, há referências a conversas com "o governador", provável referência a Cid Gomes (PDT), que governou o Ceará de 2007 a 2015.

OUTRO LADO

O advogado de Paulo Vieira Souza, Daniel Bialski, afirmou que seu cliente nunca orientou empresas em cartel e nunca pediu dinheiro ou doações eleitorais para empresas de construção civil citadas no acordo de leniência da Odebrecht.

"A afirmação da Odebrecht é absolutamente inverídica. Quando o Paulo fez o Rodoanel, foi o trecho de obra mais barata do país inteiro. Ele jogou muito duro com essas que ele chama de 'Cinco Irmãs', que são as principais empreiteiras. Porque ele achava um absurdo o Estado ter que pagar o preço que elas impunham. Essa menção a ele [na leniência] me parece muito mais uma represália pelo que ele fez na época, de passar para outras empresas e dificultar o ganho fácil de dinheiro que eles tinham."

A Dersa afirmou que é a "maior interessada no andamento das investigações e nas eventuais punições do crime de formação de cartel".

A SP Urbanismo diz que não foi notificada e não comentaria. A Odebrecht não quis detalhar os termos da leniência. Camargo e Andrade disseram que estão colaborando com as investigações. Em nota, a Marquise respondeu que "desconhece a acusação de participação em cartel".

O ex-governador Cid Gomes afirmou à Folha nesta quarta-feira (20) que a Camargo Corrêa trata de duas obras do Metrô em Fortaleza em seu acordo de leniência. No primeiro caso, segundo ele, a licitação foi aberta pelo governo anterior, e sobre isso ele não comentará. Sobre o segundo caso, a Linha Leste de Fortaleza, Cid Gomes disse que a própria CC reconhece que o "cartel não funcionou". Segundo o ex-governador, isso ocorreu porque o governo não permitiu o acerto entre as empreiteiras ainda na fase inicial do projeto ao descobrir que havia um suposto esquema para compra de tuneladoras, também chamadas de "tatuzões", máquinas usadas para abrir túneis.

"Eu descobri que esse cartel tinha meio que uma maracutaia com o principal vendedor de tuneladoras do mundo. Para o Brasil, essa tuneladora custava, entre aspas, três vezes o preço normal dela. Eu identifiquei isso e consegui adquirir para o Estado tuneladoras com um terço do valor. Era isso que fazia com que esse grupo funcionasse. No Ceará conseguimos impedir que eles ganhassem porque optamos por fazer a compra das tuneladoras", disse o ex-governador.

Sobre o executivo citado em e-mails como seu interlocutor, Gomes disse que se tratava de um executivo do grupo Queiroz Galvão com o qual "brigou" nos primeiros seis meses do governo porque "ele se julgava 'dono' de uma obra que eu mandei licitar". "Ele ficou fazendo intrigas contra mim."


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