Folha de S. Paulo


Gilmar proíbe condução coercitiva sem prévia intimação

O ministro Gilmar Mendes decidiu em caráter liminar (provisório) que a polícia não pode cumprir mandado de condução coercitiva (quando a pessoa é levada para prestar depoimento) sem que o investigado tenha sido previamente convocado para prestar depoimento.

A decisão é uma vitória para os advogados da área criminal. Desde 2014 os criminalistas que atuam na Lava Jato reclamam que os clientes são levados à força para prestar depoimento sem que antes tenham sido intimados pela Justiça.

Na visão da PF e do Ministério Público, a condução coercitiva é usada no lugar de um pedido de prisão, com o objetivo de que os investigadores possam tomar depoimentos dos suspeitos sem que eles combinem versões, já que muitas vezes depõem ao mesmo tempo. Também evita que destruam alguma prova ou avisem outros potenciais alvos de uma operação.

De acordo com as informações mais atualizadas do Ministério Público Federal, apenas na Lava Jato os investigadores cumpriram 222 mandados de condução coercitiva nas ações autorizadas pelo juiz Sergio Moro, do Paraná.

Em 4 de março de 2016, por exemplo, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva foi alvo de um mandado de condução coercitiva expedido por Moro.

Os críticos desse instrumento citam o artigo 201 do Código de Processo Penal, que diz que "se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade".

"As conduções coercitivas para interrogatório têm se disseminado, especialmente no curso da investigação criminal. Representam uma restrição importante a direito individual, alegadamente fundada no interesse da investigação criminal", escreveu Gilmar na decisão.

"No curso do inquérito, não há regra que determine a submissão ao interrogatório. Pelo contrário, como já afirmado, consagra-se ao investigado o direito ao silêncio", afirmou.

Segundo o ministro, "a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer". "Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal", acrescentou.

Quatro procuradores ouvidos pela reportagem em condição de anonimato criticam a decisão de Gilmar.

Segundo eles, a decisão pode ser ruim para os investigados porque os juízes terão que decretar prisões temporárias para tomar depoimento de uma pessoa que não saiba que está sendo investigada e, portanto, que não pode receber uma intimação prévia.

Eles destacam que a condução coercitiva tem sido usada nos últimos anos para a obtenção de informações e que é medida menos gravosa do que a prisão.

DECISÃO

A decisão de Gilmar foi concedida em duas ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), um tipo genérico de ação que questiona a legalidade de uma norma. Cabe recurso e o assunto pode ser debatido no plenário do Supremo.

"O ministro Gilmar Mendes decidiu em nome da Constituição da República e pronunciou-se de modo veemente contra o símbolo das arbitrariedades desse novo modelo de persecução penal. Uma vitória histórica da ampla defesa e do devido processo legal e do Estado democrático de direito", disse à Folha o criminalista Juliano Breda, que defende investigados na Lava Jato e é conselheiro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que entrou com uma das ações no Supremo.

A outra ação foi impetrada pelo PT, que questiona a medida de condução coercitiva tanto na investigação quanto na instrução criminal, baseando-se em alegada violação ao direito à não autoincriminação.

Já ação levada ao Supremo pelo Conselho Federal da OAB, é mais restrita quanto ao objeto –ataca a medida apenas em fase de investigação– com os argumentos de que conduções coercitivas violam os princípios do direito ao silêncio, do direito de não produzir prova contra si e da ampla defesa e do contraditório, entre outros.

CÓDIGO PENAL

O professor de Direito Processual Penal da USP, Gustavo Badaró, defende a decisão de Gilmar por entender que havia excessos nas conduções coercitivas decretadas na Lava Jato. Segundo ele, a coercitiva é uma "criação jurisprudencial" da operação.

O especialista afirma que o Código de Processo Penal prevê a condução coercitiva apenas quando o réu é obrigado a comparecer a uma audiência de interrogatório. "Pela lei, existe nesta hipótese. Se não comparecer, pode ser conduzido coercitivamente."

"A jurisprudência criou a condução coercitiva como uma medida cautelar para determinar um certo grau de restrição de liberdade do investigado. Isso foi inventado jurisprudencialmente", diz.

Badaró afirma que não é correto pensar a situação sob a lógica de como ajudar as investigações, mas sim a partir da legalidade. "A lógica não pode ser se atrapalha ou não. Pendurar no pau de arara e bater ajuda a investigação, não ajuda? Mas não vamos fazer isso, concorda?"

Quanto à possibilidade do aumento de prisões temporárias a partir da proibição das conduções, o professor diz considerar um abuso. "Se decreto temporária é porque tenho elementos para prender. A coercitiva significava que não tinha elementos para prender, mas para uma medida menos drástica. O que eles [procuradores] estão falando é que vão ser decretadas prisões sem motivo. 'Vamos buscar ainda que de forma ilegal'."

LULA

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de mandado de busca e apreensão e de condução coercitiva (quando o investigado é obrigado a depor) em março de 2016.

O juiz federal Sergio Moro afirmou à época que a condução coercitiva do ex-presidente Lula na Operação Alethéia (24ª fase da Lava Jato) foi determinada para evitar tumultos.

Essa fase da operação apurava se empreiteiras e o pecuarista José Carlos Bumlai favoreceram Lula e seus familiares por meio do sítio em Atibaia e o tríplex no Guarujá. O ex-presidente nega as acusações.

A condução coercitiva, segundo o juiz, deveria ser aplicada somente no caso de recusa do petista em acompanhar a Polícia Federal para prestar esclarecimento em lugar determinado. O ex-presidente prestou depoimento em uma sala no aeroporto de Congonhas.

Moro considerou a decisão "circunstancial".


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