Folha de S. Paulo


Data de início de cláusula de desempenho divide especialistas

Pedro Ladeira/Folhapress
Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, em votação da reforma política
Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, em votação da reforma política

No final de outubro, o presidente do PSDC, José Maria Eymael, fez a seguinte consulta ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral): a partir de que eleição será aplicada a cláusula de desempenho?

Referia-se à norma aprovada na reforma política que impede o repasse de recursos públicos e o acesso à propaganda na TV e no rádio a partidos que não atingirem um desempenho mínimo nacional para deputado federal (num primeiro momento, 1,5% dos votos válidos).

A resposta parecia óbvia: a eleição de 2018, conforme se tem dito de forma consensual desde a aprovação das novas regras, há dois meses.

Uma outra interpretação, contudo, vem ganhando espaço no meio jurídico. O patamar mínimo nas urnas só seria exigido quatro anos depois, na disputa de 2022.

O ponto de discórdia é a redação de um dos artigos da emenda constitucional que trata do tema. Diz o texto: "Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que na legislatura seguinte às eleições de 2018 obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos".

Eymael defende o seguinte entendimento: o artigo não diz que os votos mínimos devem ser obtidos na eleição de 2018, mas sim na legislatura que tem início após esse pleito. Ou seja, na legislatura de 2019 a 2022. Como no período a eleição para deputado federal ocorre apenas em 2022, a cláusula de desempenho só pode ser aplicada nesse ano.

"É um erro dizer que começa em 2018, como muitos fazem. Esperamos que o TSE esclareça de vez esse equívoco", diz o presidente do PSDC.

No TSE, o caso está sob análise do ministro Jorge Mussi e deve ser julgado pelo plenário em fevereiro. Um parecer elaborado pela assessoria consultiva do tribunal reconhece que a "estrutura textual" da emenda "pode ensejar questionamento", mas opina que a resposta deveria ser 2018.

Especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha se dividem sobre o tema.

Carlos Eduardo Caputo Bastos, ex-ministro do TSE, concorda com Eymael.

"Quando o texto diz que as alterações serão aplicadas 'na legislatura seguinte às eleições de 2018', infere-se que não terão eficácia para 2018. Assim, como não existe disputa para mandatos de deputado federal nos pleitos municipais de 2020, a interpretação da norma constitucional parece inclinar para sua efetiva concretização somente a partir das eleições de 2022."

Dessa maneira, partidos com fraco desempenho nas urnas passariam a sofrer restrições a partir de 2023.

"A análise de Eymael seguiu, rigorosamente, a melhor hermenêutica", avalia o advogado Almino Afonso. "Se a intenção dos congressistas era aplicar a norma em 2018, laboraram em engano grosseiro."

"Isso não faz sentido", rebate a deputada federal Shéridan (PSDB-RR), relatora na Câmara da PEC que criou a cláusula de desempenho.

"É uma interpretação equivocada. A emenda é muito clara: os efeitos passam a valer a partir de 2018. O que determinará a aplicação na legislatura que começa em 2019 serão os votos da eleição de 2018. Não há confusão nenhuma no texto e confiamos que a Justiça manterá o entendimento do Congresso Nacional."

Presidente da comissão de direito eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Erick Wilson Pereira avalia que a hipótese defendida pelo PSDC é "interpretação forçada." "O texto é literal para a aplicação das restrições já na legislatura que será iniciada em 2019. Portanto, os votos mínimos serão cobrados na eleição de 2018", argumenta.

Nas eleições de 2014, 14 das 32 agremiações existentes, entre elas o PSDC, não ultrapassaram o piso de 1,5% dos votos. Caso a nova regra estivesse em vigor na ocasião, ficariam sem receber recursos do fundo partidário nos quatro anos seguintes.

"A redação da emenda não é realmente a melhor", opina Henrique Neves, ministro do TSE até abril deste ano, "mas acho que não há dúvida de que se aplica já na eleição do ano que vem. Mas, enfim, para isso serve a consulta, para que tudo seja esclarecido."


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