Folha de S. Paulo


Lava Jato e Odebrecht fazem pressão sobre delator que não admite culpa

Ex-funcionários da Odebrecht que há um ano aceitaram colaborar com a Justiça agora relutam em admitir crimes de que são acusados pelo Ministério Público e se tornaram alvo de pressões crescentes da empresa e dos procuradores da Lava Jato.

Um dos delatores, Paulo Sérgio Boghossian, corre o risco de ir para a cadeia. Ex-gerente de uma obra executada para a Petrobras por um consórcio liderado pela Odebrecht, ele é acusado de corromper um ex-funcionário da estatal e se recusa a reconhecer este e outros crimes.

Em novembro, o Ministério Público o acusou de descumprir o acordo de delação premiada assinado no ano passado e pediu ao juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em Curitiba, o cancelamento de todos os benefícios concedidos a ele.

Procuradores avisaram a Odebrecht que consideram a punição uma medida de caráter pedagógico, num momento em que outros colaboradores exibem desconforto com a situação a que chegaram após aderir aos acordos celebrados com a Lava Jato.

Paulo Melo, executivo que participou da negociação de um terreno comprado para o Instituto Lula e foi acusado de lavagem de dinheiro, pediu absolvição a Moro. Ele diz que não cometeu o crime e não viu nada de errado na relação entre a empresa e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Outros dois ex-funcionários da Odebrecht, Carlos Armando Paschoal e Emyr Costa, que participaram das obras do sítio de Atibaia (SP) que era frequentado por Lula e foi reformado por empreiteiras, também pediram para ser inocentados. Eles dizem que só cumpriam ordens e negam ter cometido crimes.

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O delator da Odebrecht Carlos Armando Paschoal, durante depoimento
O delator da Odebrecht Carlos Armando Paschoal, durante depoimento

INQUIETOS

O acordo da Odebrecht com a Lava Jato envolve 78 colaboradores -de funcionários subalternos como Boghossian a altos executivos como o ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht, que está preso há dois anos e meio e sairá da cadeia terça (19) para cumprir em casa o resto de sua pena.

Os delatores têm sido chamados para depor com frequência em inquéritos policiais e processos judiciais, mas a maioria não tem acusação formal nem sabe quando começará a cumprir as penas estabelecidas nos acordos com o Ministério Público.

Dos 78 colaboradores, somente dez foram julgados e condenados por Moro até agora, entre eles Marcelo, e oito são réus à espera da primeira sentença, como Boghossian e Melo. Não há crimes imputados aos outros 60.

Essa situação deixa inquietos vários delatores, especialmente os mais jovens, que querem retomar suas carreiras profissionais. Em novembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou um deles, Paulo Cesena, a antecipar o cumprimento de sua pena antes mesmo de ser processado.

Ex-presidente da Odebrecht Transport, que administrava negócios do grupo na área de infraestrutura, Cesena incriminou políticos do PMDB como os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha e o ex-deputado Eduardo Cunha. Ele cumprirá um ano de prisão em regime domiciliar.

CONTROLE

Preocupada com o risco de perder controle sobre os delatores, a Odebrecht contratou o advogado Pedro de Freitas, sócio do escritório Veirano, para coordenar os 19 escritórios que trabalham na defesa dos ex-funcionários.

Desde outubro, a empresa já promoveu três reuniões para cobrar dos delatores que assumam suas responsabilidades. Embora os acordos de colaboração sejam individuais, a Odebrecht assumiu boa parte das despesas que eles têm com advogados e multas.

Em geral, os colaboradores que agora contestam as acusações do Ministério Público reconhecem ter praticado os atos narrados nas denúncias dos procuradores, mas discordam de sua caracterização como crimes, ou alegam que tiveram papel secundário.

Boghossian, o delator na mira da Procuradoria, contratou um consultor indicado por um gerente da Petrobras para destravar pedidos da Odebrecht na estatal e diz que alguns foram atendidos. Mas ele alega que a contratação foi decidida por seus superiores, e que não sabe se houve pagamento de propina.

NÃO SABIA

Marcelo Odebrecht disse que a compra do imóvel destinado ao Instituto Lula era parte dos acertos que fez para financiar os projetos políticos de Lula. Paulo Melo, o executivo que cuidou da transação e agora pede absolvição, diz que não sabia disso.

Paschoal, um dos acusados no caso do sítio de Atibaia, reconheceu em seus depoimentos à Lava Jato que pagou propina a funcionários públicos e fez doações ilegais a dezenas de políticos, mas diz que apenas mandou executar as obras no sítio, sem participar dos acertos da cúpula da empresa com Lula.

Embora os acordos assinados pelos delatores tenham sido homologados pelo STF, caberá a Moro e outros juízes da primeira instância avaliar, ao final de cada processo, se os benefícios garantidos pelo Ministério Público devem ser mantidos. Suas decisões poderão ser rediscutidas depois em tribunais superiores.

Em nota à Folha, a Odebrecht reafirmou "a consistência e plenitude de sua colaboração com a Justiça" no Brasil e em outros países e disse que "está empenhada em ajudar as autoridades a esclarecer qualquer dúvida". A força-tarefa da Lava Jato não quis se manifestar.

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UM ANO DEPOIS Maioria dos delatores da Odebrecht ainda não tem processo e não sabe quando irá cumprir pena
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QUEM RELUTA EM ASSUMIR CRIMES

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