Folha de S. Paulo


Entidade de advogados diz que prisão após 2ª instância viola direitos humanos

O Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo) afirmou que a prisão após segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa, é um ato inconstitucional e que viola os direitos humanos.

Em 2016, o STF (Supremo Tribunal Federal) mudou entendimento do próprio tribunal e decidiu que a pena poderia começar a ser cumprida depois que um tribunal referendasse a primeira decisão. À época, a maioria dos ministros alegou que a mudança combate a ideia de morosidade da Justiça, uma vez que as múltiplas possibilidades de recursos podiam estimular a impunidade.

De acordo com parecer divulgado pelo Iasp, não se trata, porém, de "fechar os olhos para os direitos das vítimas" ou para os "anseios da sociedade pelo fim da impunidade".

"Constata-se [na decisão do STF] flagrante violação aos direitos humanos diante da decisão que, com força vinculante em todo o país, impõe aos réus o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, em aberta violação a expresso texto da Constituição", diz trecho do parecer.

Segundo o instituto, o Estado não pode acelerar o trânsito em julgado das sentenças, uma vez que há risco de se ferir direitos e garantias individuais.

"Poderá ocorrer, inclusive, desta decisão em segunda instância não ser unânime, o que parece ainda mais distante a noção de justo processo diante do cumprimento antecipado da pena", diz o Iasp.

À Folha, o presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, afirmou que, com esse entendimento, os réus dependem da sorte. Ele citou um estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria com apoio do Iasp que mostrou que as chances de um recurso ser aceito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo variam de acordo com a câmara criminal e com os desembargadores que vão julgá-lo.

De acordo com o estudo, publicado em 2015, a taxa de rejeição de recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo variava de 16% (na 12ª Câmara Criminal) a 81% (na 4ª Câmara Criminal, a mais "dura" de todas).

"Tomar uma decisão que tem impacto de levar milhares de pessoas a cumprir pena sendo que estaticamente existe uma reversão desse julgado é desumano, principalmente considerando o caos do sistema carcerário do país", diz Ribeiro. "O STF não toma essa decisão baseado na realidade do que acontece em relação aos processos".

No parecer, o Iasp cita a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que afirma que "toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei". O texto lembra também de ações movidas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo PEN (Partido Ecológico Nacional) que questionavam a legalidade da prisão nessas circunstâncias.

"Resta saber o que fazer diante de uma decisão inconstitucional proferida pelo guardião da Constituição", afirma o Iasp no parecer.

"Todos têm direito constitucional e direito ao devido processo legal, que não pode ser entendido como um processo pela metade", diz Ribeiro, que ressalta que certa ou errada, a decisão do Supremo deve ser acatada.

INELEGIBILIDADE

A questão pode esbarrar em uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição de 2018. Pré-candidato ao Planalto, ele foi condenado em julho em primeira instância na Lava Jato e recorreu.

No início de novembro, o juiz federal João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato na segunda instância, concluiu seu voto sobre o caso. Esta é a primeira etapa dentro do tribunal para dar andamento aos trâmites do recurso antes que o julgamento seja marcado. Ainda não há data para os desembargadores analisarem o caso, que pode tornar Lula inelegível.

Mesmo que o tribunal mantenha a condenação de Lula, o ex-presidente pode recorrer aos tribunais superiores e pedir liminar para suspender os efeitos da condenação e da inelegibilidade.


Endereço da página:

Links no texto: