Folha de S. Paulo


Ministério Público deve ser aberto à crítica, diz procurador do caso JBS

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 22-11-2017, 12h00: O procurador da república Anselmo Lopes durante entrevista à Folha, na Procuradoria da República no DF. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***ESPECIAL*** ***EXCLUSIVO***
O procurador da República Anselmo Lopes durante entrevista à Folha, em Brasília

Um dos responsáveis pelo caso JBS, o procurador da República Anselmo Lopes, 36, diz que a população não deve esperar que as investigações do MPF (Ministério Público Federal) ou da Polícia Federal salvem o Brasil da corrupção.

Questionado sobre a situação atual, com vários governantes investigados após três anos de Lava Jato, ele afirma que a sociedade evolui de forma "não linear" e que, não raro, retrocessos vêm antes de avanços.

O procurador é responsável pelas investigações na Caixa envolvendo o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Também cuida da operação Greenfield, sobre rombos bilionários em fundos de pensão.

*

Folha - Após três anos de Lava Jato, como o sr. vê o fato de tantos políticos sob suspeita estarem no poder?

Anselmo Lopes - Não deixa de haver certa naturalidade em que pessoas sob investigação, denunciadas ou condenadas mantenham seus cargos em razão do princípio de que se deve presumir a inocência. O que não pode acontecer é a sociedade esperar que os órgãos de controle e de persecução criminal ou o Judiciário sejam os responsáveis exclusivamente por uma mudança salvacionista do país, que pudesse resolver todos problemas.

A expectativa da população é de que o MPF ou a PF salvem o Brasil?

Não me parece que se deva trabalhar pensando nesse sentido de salvação e que as pessoas deveriam esperar isso do MPF ou da PF. Me parece correto que cada um consiga executar sua atribuição.

Quando se vê uma nova operação na Caixa após uma ação penal que mira um grande esquema no banco, a sensação é de de que as coisas não evoluem?

A evolução não é linear. [Eu] Não tinha expectativa de que uma empresa como a Caixa, da noite para o dia, se tornasse totalmente imune a irregularidades. Seria utopia. Existe um movimento no conselho de administração [da Caixa] para aumentar o profissionalismo na escolha de vice-presidentes.

O sr. vê o aparelhamento político como fonte de corrupção?

Todo o descasamento com o profissionalismo acaba sendo uma causa de ineficiência das estatais. O aparelhamento acaba sendo uma janela para a utilização patrimonialista e irregular da companhia.

Não se vê indignação por aí [com escândalos de corrupção]. O que houve?

Estudiosos apontaram um efeito ricochete da intensificação do combate à corrupção. Quando atos começam a vir à opinião pública de forma a desmascarar [os crimes], as pessoas acabam se dessensibilizando, o que é perigoso.

Após alguns anos de Lava Jato, não se vê condenação no Supremo. Isso não abala a confiança do povo?

Não é só o STF, todos os órgãos que participam do esforço de responsabilização de ilicitudes devem passar por uma evolução. De fato, o STF tem seus desafios, me parece que existem, sim, algumas falhas nessa tentativa de responsabilização de alguns políticos.

O MPF não se baseia mais em delações do que em provas obtidas por meios próprios?

Acredito que não, até porque o colaborador não é um órgão da polícia ou do MPF. Não cabe a ele substituir nosso trabalho e produzir a prova necessária para se ter uma boa causa perante a Justiça.

Como foi para o sr. descobrir uma suspeita muito forte sobre um colega, o Ângelo Goulart [procurador preso, acusado de corrupção e de vazar dados para a JBS]?

Foi uma lição. O MPF sempre teve a concepção de que a ilicitude está fora e que está livre de uma série de riscos. Houve uma comoção geral, uma surpresa. Teve o lado positivo de uma sensibilização dos colegas da humildade que a gente tem de ter e fazer uma autocrítica de que não estamos imunes.

Para se defender, Ângelo diz que não recebeu dinheiro, que [o que fez] era parte das práticas do MPF e que já viu coisas piores em negociações. Concorda?

Até onde eu tenha conhecimento, o Ângelo nunca firmou nenhum acordo de delação. [Em] tudo o que eu presenciei, vi muito cuidado dos colegas do MPF ou até mesmo da PF. Não me parece que seja normal extrapolar.

Passar um áudio para um investigado, por exemplo?

Não é costume do MPF.

Ele argumenta que, no áudio que ele vazou, o sr. forçou um acordo de colaboração.

Me lembro de ter sido uma conversa normal. Não houve pressão indevida.

O caso da JBS expôs o MPF com a polêmica do ex-procurador Marcello Miller [suspeito de ter atuado na defesa da JBS antes de se desligar do cargo público]. A versão que existe é que o sr. pediu para que ele se retirasse da mesa de negociação da leniência.

Antes de se chegar nos valores [do acordo de leniência], a gente fez isso. Não por entender que houvesse alguma ilicitude, mas simplesmente alegando risco moral. No sentido de que não seria eticamente adequado que alguém que havia saído há pouco tempo do MPF tratasse conosco um caso de leniência tão relevante.

O episódio riscou a imagem do MPF e do caso JBS?

Acredito que não houve prejuízo para a leniência. Mas repito, o MPF tem de estar aberto a críticas, não pode pensar que é imune.

E a PGR, manchou a imagem?

Acho que houve uma tentativa de parte da máquina política e parte da imprensa, e de atores econômicos, para manchar essa colaboração.

O senhor foi ao novo diretor-geral da PF, Fernando Segovia, pedir mais delegados para suas investigações. Falta braço?

Nossa estimativa é que precisaríamos dobrar essa equipe para alcançar minimamente as metas necessárias.

São quantos hoje?

Em dedicação exclusiva, são três procuradores, dois assessores e um técnico. O que eu vejo é que a investigação que se mostrou mais importante socialmente é a Greenfield, porque há vítimas em concreto, que estão em um estágio da vida, a velhice, em que fica mais difícil a recuperação econômica. Estão sofrendo e pagando no contracheque por esses crimes cometidos. A PF não destinou uma estrutura mínima para a delegada do caso, para que pudesse se dedicar completamente na Greenfield.

*

RAIO-X

Nome
Anselmo Lopes, procurador da República, 36 anos

Formação
- Bacharel em direito pela USP
- Mestre e doutor em direito constitucional pela Universidade de Sevilha

Trajetória
- Foi também procurador da Fazenda Nacional
- Já atuou nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e patrimônio público, entre outras


Endereço da página:

Links no texto: