Folha de S. Paulo


Análise

Fantasmas de operações passadas impulsionaram Lava Jato no país

Alan Marques - 26.out.2015/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 26.10.2015. O doleiro Alberto Youssef fala na CPI dos Fundos de Pensão na Câmara dos Deputados. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
O doleiro Alberto Youssef, delator na Lava Jato, já havia sido protagonista do caso Banestado.

Há várias formas de avaliar a importância da Operação Lava Jato. Uma delas é compará-la com a italiana "Mani Pulite" (Mãos Limpas).

A mais eficaz, talvez, seja pesquisar os arquivos do caso Banestado, mega lavagem de dinheiro nos anos 90 que foi o laboratório para a maior investigação anticorrupção do país.

O caso Banestado foi julgado pelo juiz federal Sergio Moro. Participaram das investigações cinco procuradores da República depois reunidos na Lava Jato: Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo, Orlando Martelo, Deltan Dallagnol e Vladimir Aras.

Em 2003, uma força-tarefa investigou no Paraná remessas bilionárias fraudulentas para paraísos fiscais. Dinheiro da corrupção e do tráfico de drogas era transferido por meio de depósitos de doleiros em contas de laranjas e nas chamadas CC5 (criadas para permitir transferências legais para o exterior).

O mercado de dólar clandestino sofreu abalo, com a condenação de alguns dos maiores doleiros do país. Emergiriam na Lava Jato personagens de antigas operações, como Alberto Youssef, Nelma Kodama, Toninho da Barcelona e Lúcio Funaro.

O caso Banestado talvez explique o inconformismo da força-tarefa de Curitiba e sua pregação contra a corrupção e a impunidade. A experiência mostrou que processos por crimes de colarinho branco, inclusive contra o sistema financeiro, dificilmente chegavam ao fim.

Uma ação penal, tendo como réus ex-diretores e gerentes do Banestado, responsáveis pela evasão fraudulenta de mais de R$ 2 bilhões, foi julgada por Moro no prazo de um ano. O processo tramitou durante cinco anos no TRF-4 e ficou mais de um ano na Procuradoria-Geral da República. Em 2013, o STJ extinguiu a punição de 7 dos 14 réus.

O caso Banestado estava praticamente morto em Foz do Iguaçu, em 1996 e 1997, quando houve a especialização das varas de lavagem. O mentor dessas varas especializadas foi Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça.

Ele foi o guru de um grupo de juízes que atuaram em casos relevantes, entre eles, Sergio Moro (Banestado, Farol da Colina, Lava Jato), Fausto De Sanctis (Castelo de Areia, Satiagraha, Banco Santos) e Jorge Costa (mensalão).

O caso Banestado foi o laboratório de práticas empregadas no caso Petrobras, como os acordos penais de cunho reparatório.

Foram celebrados 17 acordos de colaboração premiada, antes que houvesse a previsão legislativa para crimes de organizações criminosas. O doleiro Youssef fez o seu enquanto estava preso.

Em 2014, Dipp criticou os advogados que alegavam motivos éticos para renunciar à defesa de réus colaboradores: "Existe ética em organizações criminosas? A delação premiada está na lei", disse.

Dipp também fez ressalvas a "advogados que criticavam a interceptação telefônica como a grande prova".

Na operação Hurricane, deflagrada em 2007, a Polícia Federal instalou escuta ambiental no escritório do advogado Virgílio Medina, irmão do ministro do STJ Paulo Medina, acusado de vender sentença para beneficiar empresas de bingos.

A diligência foi autorizada pelos ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie, longe de serem tidos como justiceiros. As provas foram consideradas legais pelo STF. Paulo Medina foi afastado do cargo por Dipp, então corregedor nacional de Justiça.

Como advogado, Dipp surpreendeu quando ofereceu parecer, a pedido da defesa de empresário da Galvão Engenharia, considerando "imprestável" uma delação de Youssef.

ABAIXO-ASSINADOS

Depois da condenação e prisão de seus clientes no mensalão, a grande banca retomou o expediente inócuo dos abaixo-assinados em defesa do Estado democrático de direito, inaugurado na Operação Anaconda –ora liderados pelo atuante advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, ora pelo exuberante Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay.

Enquanto os advogados contrários à delação premiada continuaram a apostar em defesas técnicas e a apontar eventuais vícios e nulidades, novas leis abriram o leque de tipos penais e outros mecanismos de apuração criminal.

Os órgãos de investigação aprimoraram a tecnologia de interceptação e cruzamento de dados sobre movimentações financeiras.

MENSALÃO

Entre o caso Banestado e a Lava Jato, a ação penal do mensalão pavimentou o caminho para grandes operações conjuntas de Ministério Público Federal, Polícia Federal e Judiciário, ao mostrar que um processo com muitos réus pode ter começo, meio e fim.

A Lava Jato herdou a expectativa frustrada de que o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, também deveria ter sido investigado naquele processo, divisor de águas da impunidade brasileira.

Durante o julgamento, conduzido pelo relator, Joaquim Barbosa –com apoio do então presidente do STF, Ayres Britto–, havia o temor de que "a República cairia" se Lula fosse denunciado. Lula sempre esteve na mira.

Na Lava Jato, Sergio Moro se expôs, e foi muito criticado, ao determinar a condução coercitiva de Lula e divulgar o teor de conversa da então presidente Dilma Rousseff. Mas a República não caiu.

No mensalão, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, descontentou alguns colegas ao não denunciar Lula.

"Apesar de todas as evidências de que Lula tinha conhecimento e, portanto, participara da trapaça, o MPF deixou-o de fora", escreveu, na ocasião, Aloísio de Toledo César, desembargador aposentado e ex-secretário de Justiça de São Paulo. "Foi um tapa na cara de cada um de nós", afirmou.

Antonio Fernando atuou como advogado do ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha, condenado e preso na Lava Jato –o que é um direito de ambos, e há precedentes. O ex-procurador-geral Aristides Junqueira, por exemplo, foi defensor de um ex-diretor do Banestado.

JABURU

Como a Lava Jato chegou ao Palácio do Jaburu, aumentaram as pressões para que o STF volte a condicionar a execução da pena quando não cabe mais recurso.

Em 2009, quando o STF manteve esse entendimento, Sergio Moro manifestou desânimo: "O melhor é investigar e abrir processos somente em relação ao tráfico de drogas, para os quais o sistema ainda é eficiente, pois o resto não vale a pena".


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