Folha de S. Paulo


Lava Jato adota comunicação como um de seus pilares

Geraldo Magela - 18.out.2005/Agência Senado
O doleiro Alberto Youssef, à época do caso Banestado
O doleiro Alberto Youssef, à época do caso Banestado

Um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro remete bilhões de reais ao exterior. Uma força-tarefa de procuradores da República e delegados da Polícia Federal do Paraná é responsável pela investigação.

Dezenas de acordos de colaboração premiada são firmados e cerca de uma centena de sentenças são expedidas. O doleiro Alberto Youssef é um dos condenados pelo juiz Sergio Moro.

Poderia ser a Lava Jato, mas trata-se do Banestado, caso do início dos anos 2000. O que explica que a Lava Jato tenha tido repercussão tão mais expressiva do que a antecessora?

Além do escopo da investigação atual ser maior, a comunicação é encarada pelos procuradores como um dos pilares da operação. Ter o respaldo da opinião pública é um objetivo declarado.

A estratégia envolveu diversos pontos. Um dos principais é usar como ferramenta constante o e-proc, sistema on-line implantado em 2003 pela Justiça Federal da 4ª Região, à qual pertence Curitiba.

Com o e-proc, Moro e a Lava Jato levaram ao extremo o princípio da transparência.

Qualquer pessoa pode consultar a movimentação de processos: ler denúncias, despachos e sentenças e assistir a vídeos de audiências.

Também foi desenvolvido um aplicativo para celular.

Editoria de Arte/Folhapress
TRANSPARÊNCIA Sistema e-proc dá acesso a documentos da Lava Jato

O Ministério Público Federal criou um site especial da operação. Lançado em janeiro de 2015, contava com mais de 2,5 milhões de acessos no início de 2017 –último balanço disponível.

O órgão adotou como prática, ainda, a realização de entrevistas coletivas. Desde a deflagração da Lava Jato, em março de 2014, foram 16. Isso sem contar as 46 realizadas pela Polícia Federal a cada nova fase da operação.

Figuras emblemáticas da investigação têm tido papel determinante na divulgação do caso. Moro e os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima se dedicam regularmente à promoção de palestras.

O trio é atuante nas redes sociais. Moro não tem página no Facebook, mas a conta "Eu MORO com ele, administrada pela mulher, Rosangela, tem 1 milhão de curtidas.

Já os procuradores costumam defender o trabalho do Ministério Público, levantar a bandeira anticorrupção e criticar opositores da Lava Jato.

CONTRAPONTO

A transparência também traz dores de cabeça. Em março de 2016, a quebra do sigilo telefônico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a divulgação de uma conversa dele com a então presidente Dilma Rousseff (PT) geraram críticas.

À época, o relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki, questionou Moro por divulgar uma conversa privada.

"Não há como conceber a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal", disse.

Outro episódio que desgastou a Lava Jato foi a entrevista coletiva em que Dallagnol, em uma apresentação usando o programa Power Point, exibiu diagrama com diversas acusações dentro de círculos que convergiam para Lula, no centro. A apresentação, em setembro do ano passado, foi ridicularizada por ser simplória e gerou memes.

Professor de Processo Penal na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Geraldo Prado diz que é "legítimo" e "democrático" que o Ministério Público preste contas à sociedade. Segundo ele, a prática garante a confiança de que os recursos públicos são bem empenhados.

Ainda assim, Prado ressalta como ponto negativo uma suposta violação da presunção de inocência e condena a exposição de suspeitos "como se fossem verdadeiros culpados".

O professor defende que a sociedade tem o direito de exercer uma "pressão legítima" ao acompanhar os processos, mas que esta pressão se torna "ilegítima" quando uma "exposição prematura e intensa" convence as pessoas de que os suspeitos são efetivamente autores do crime.

"A sociedade não pode ser manipulada para reforçar a posição de agentes do Estado", diz. "Quer de maneira sóbria ou espetacular, como foi a exposição do ex-presidente Lula no famosíssimo caso do Powerpoint, apresenta-se suspeitos como culpados."

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SÉRIE EXPLORA MUDANÇAS NO DIREITO

A série "Direito Pós-Lava Jato" detalha o impacto da operação na área jurídica. Entre os temas abordados estão as medidas cautelares, os desafios para o STF e o papel das delações.


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