Folha de S. Paulo


Ajuda exterior inédita trouxe rapidez e riscos à Operação Lava Jato

Paulo Lisboa - 30.nov.2016/Folhapress
CURITIBA, PR, 30.11.2016 - 16:50 â€
Procuradores Orlando Martello (esq.), Carlos Fernando Lima (centro) e Deltan Dallagnol (dir.)

A rápida cooperação de autoridades do exterior na entrega de provas potencializou as apurações da Operação Lava Jato, principalmente ao confirmar o teor de delações premiadas, mas também trouxe riscos de anulações que geraram grande preocupação entre os titulares do caso.

A Lava Jato promoveu o maior fluxo internacional de informações da história das investigações brasileiras apostando na redução da burocracia que marcava as relações com autoridades estrangeiras.

Advogados de réus, porém, afirmam que essa orientação de trabalho muitas vezes levou a violações de garantias individuais de suspeitos, como os direitos de acesso ao teor das apurações e de preservação do sigilo de dados pessoais, fiscais e bancários.

As defesas de acusados chegaram a indicar em juízo essas supostas irregularidades nas cooperações, com o objetivo de repetir o roteiro de outras grandes operações anuladas com base em argumentos técnicos ou processuais, mas não tiveram sucesso.

A colaboração jurídica internacional foi fundamental logo no início da Lava Jato. Em novembro de 2014, seis meses após a deflagração da operação, procuradores da força-tarefa do caso foram à Suíça em busca de provas.

A principal meta àquela altura era obter elementos para corroborar fatos indicados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em seu acordo de delação premiada.

Segundo o procurador da República Orlando Martello, à época o Ministério Público da Suíça já tinha iniciado apurações próprias sobre suspeitos na Lava Jato com base em monitoramento do noticiário internacional e em contatos feitos pela Procuradoria brasileira.

Martello afirma que essa situação se repetiu em outros países e foi um dos fatores do sucesso das colaborações estrangeiras. Como abriram investigações próprias, autoridades do exterior realizaram rastreamentos que foram úteis à força-tarefa no Brasil.

O procurador relata que essa foi uma postura inédita das autoridades da Suíça.

"Eles evoluíram a investigação porque se sentiram responsáveis pelo fato de o sistema financeiro deles ter sido usado para lavagem de dinheiro de corrupção", diz.

De acordo com Martello, as trocas de informações de inteligência diretamente com colegas do exterior, sem formalismos, também agilizaram os trabalhos.

O delegado da Polícia Federal Ricardo Saadi chefiou a área de intercâmbio do Ministério da Justiça nos primeiros anos da Lava Jato e ressalta que "as cooperações permitiram obter os documentos que deram suporte às delações premiadas".

"Não podíamos confiar apenas nas palavras dos delatores", afirma.

Dentre as inúmeras situações nas quais as cooperações foram cruciais, os investigadores destacam aquelas que levaram a provas de operações financeiras internacionais atribuídas ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Editoria de Arte/Folhapress
LEGIÃO ESTRANGEIRACooperação internacional foi crucial para Lava Jato

RISCOS DE ANULAÇÃO

Porém, no decorrer da operação as defesas procuraram irregularidades técnicas para tornar ilegais as provas vindas de fora do país.

Um episódio que gerou uma grande expectativa entre os advogados foi o da realização de interceptações de mensagens de texto de celulares da marca BlackBerry.

A defesa do ex-deputado Luiz Argôlo apresentou a alegação de que os grampos eram ilegais, uma vez que não havia pedido de cooperação internacional com o Canadá, local da sede do fabricante dos aparelhos.

O juiz Sergio Moro julgou improcedente o argumento por entender que o Judiciário brasileiro pode "ordenar interceptação telemática de troca de mensagens através do BlackBerry Messenger quando os crimes ocorrem no Brasil e quando os interlocutores são residentes no Brasil".

O assunto foi parar então no STJ (Superior Tribunal de Justiça). As defesas lembravam que anos antes esse tribunal havia anulado totalmente a Operação Castelo de Areia, que também investigou empreiteiras, com base em uma questão técnica.

Na Castelo de Areia, o STJ entendeu que os grampos do caso eram ilegais pois tinham sido autorizados com base apenas em uma denúncia anônima, o que levou à anulação de todas as apurações.

Porém, na Lava Jato o tribunal não acolheu a tese das defesas e, a exemplo de outras situações de contestação de procedimentos, as provas continuaram válidas.

VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Advogados que atuam no caso, todavia, apontam que direitos estão sendo violados.

O defensor da Odebrecht e professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano diz que as cooperações internacionais "mimetizam o que há de positivo e negativo nas recentes operações policiais no país".

"De um lado, há um combate à corrupção mais eficaz, mas por outro muitas vezes não são observados procedimentos para garantir, por exemplo, o sigilo de informações fiscais e bancárias de investigados obtidas no exterior", afirma.

Segundo Serrano, há um fenômeno mundial de agressões aos direitos individuais por forças policiais em nome da luta contra os corruptos.

O advogado também critica aspectos da troca direta de informações entre investigadores de países diferentes.

"Quando se fala em investigações mais livres, mais informais, sem a participação das defesas dos investigados, estamos diante de um potencial poder selvagem, um poder sem controle normativo", diz o defensor.

A procuradora regional da República Cristina Romanó, secretária de Cooperação Internacional da PGR (Procuradoria Regional da República), nega que tenha havido vedação de acesso aos autos, violação de sigilo de acusados ou práticas de contatos com autoridades estrangeiras que não observaram a legislação.

"Todos os procedimentos para a obtenção transnacional de provas adotados nas investigações das quais a SCI/PGR participou - entre elas a Operação Lava Jato - foram feitos de forma absolutamente legal e de acordo com as regras constitucionais e dos tratados de práticas internacionais. A prática de contatos diretos entre autoridades investigativas competentes é incentivada, inclusive, em foros e convenções internacionais", segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da PGR.

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SÉRIE EXPLORA MUDANÇAS NO DIREITO

A série "Direito Pós-Lava Jato" detalha o impacto da operação na área jurídica. p(star). Entre os temas abordados estão as medidas cautelares, os desafios para o STF e o papel das delações.

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OS PASSOS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA NA LAVA JATO

1
Procuradores enviam pedidos de informações ou de bloqueio de ativos para a SCI (Secretaria de Cooperação Internacional) do Ministério Público Federal

2
A SCI faz a tradução e a preparação final dos pedidos e os envia para o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do Ministério da Justiça

3
O DRCI encaminha os pedidos para a autoridade central do país estrangeiro responsável pela realização de cooperação jurídica internacional

4
A autoridade central estrangeira transmite o pedido para os órgãos que podem colaborar com os procuradores brasileiros, como o Poder Judiciário, a polícia e o Ministério Público locais


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