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Adaptado à cadeia após um ano preso, Cabral busca ser mais 'altivo'

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O ex-governador Sergio Cabral, em depoimento a Sergio Moro, em abril
O ex-governador Sergio Cabral, em depoimento a Sergio Moro, em abril

Chamou a atenção do deputado Marco Antônio Cabral o pedido de seu pai, o ex-governador Sérgio Cabral, (PMDB) na véspera do interrogatório do último dia 23.

Em vez do blazer e da camisa branca com que depôs nas cinco vezes anteriores, pediu uma camisa azul clara que costumava usar em inaugurações de obras.

O traje é uma espécie de uniforme de "políticos modernos". No lugar do blazer ou terno, a camisa com a manga dobrada até o cotovelo tenta passar, segundo marqueteiros, uma imagem de pessoa trabalhadora, ativa e próxima do cidadão comum.

Sérgio Cabral

Ele voltou a usá-la no interrogatório em que teve um entrevero com o juiz Marcelo Bretas e só não foi parar no presídio federal de Campo Grande (MS) graças a uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF.

Quem já trabalhou com o governador viu na camisa azul mais um indicativo de que Cabral tem preocupações para além das acusações de que é alvo. Entendeu o gesto como demonstração de que o governador quer preservar também sua imagem de liderança e o próprio governo.

O peemedebista completa nesta sexta (17) um ano preso. Já foi alvo de 16 denúncias, que somam propinas de quase R$ 400 milhões.

Acumula três condenações e 72 anos –uma delas, de 45 anos, a maior da Lava Jato. Um sem número de investigações seguem em curso.

"Ele não pode deixar a obra dele virar esses 16 processos. Os depoimentos dele, mal ou bem, fazem parte da história. Não são só uma defesa sobre o mérito dos processos, mas também uma defesa histórica de quem foi Sérgio Cabral", afirmou o filho.

A estratégia já gerou até repreensão do juiz. "Não podemos transformar isso aqui em algum tipo de palanque."

"Não quero palanque. Já tive muitos palanques eleitorais e graças a Deus muito bem sucedidos aqui no Rio", respondeu o ex-governador.

Cabral vem repetindo que não cobrou 5% de propina sobre contratos, mas que fez uso pessoal de sobras de caixa dois de campanha. Embananou-se, porém, ao explicar porque seu "homem da mala" Luiz Carlos Bezerra trabalhou ininterruptamente, inclusive em anos ímpares –sem disputa eleitoral.

Inicialmente, não reconheceu a atuação constante do ex-assessor. Depois, disse que, mesmo em ano não-eleitoral, recebia para pré-campanhas ou dívidas com fornecedores.

O procurador Sérgio Pinel quis saber por que ele pedia mais caixa dois, mesmo com recursos sobrando para comprar joias e outros bens. O peemedebista declarou que os empresários não sabiam a destinação final do dinheiro.

O coordenador da Lava Jato do Rio, Eduardo El Hage, estima ao menos mais dois anos de investigações. "Cada colaborador que nos aparece abre novas investigações. A cada passo, há um crescimento exponencial de frentes de trabalho", afirmou.

ALTIVO

O banco dos réus nem sempre foi um "palanque" para Cabral. Até maio deste ano, ele só respondia aos questionamentos da defesa. Em algumas vezes, de forma quase monossilábica.

Em julho, sua estratégia mudou: o novo advogado, Rodrigo Roca, estimulou uma atitude mais altiva. Cabral também se adaptou à cadeia.

Ele trabalha na biblioteca da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, zona norte do Rio. Quando sai da cela, costuma atrair rodas de conversas. Puxou até uma salva de palmas para o ex-presidente da Rio-16 Carlos Arhtur Nuzman quando foi preso. "Este é o homem que trouxe a Olimpíada para o Rio", disse. Já participa até do bolão do Brasileirão dos presos da Galeria A.

Há algumas semanas, recebeu uma caixa de apostilas para um curso de jardinagem. Chegou assim que ele terminou o de espanhol à distância.

Nos tempos vagos, lê os livros da biblioteca em que trabalha para redução da pena. Já resenhou "O Alquimista", de Paulo Coelho, e "Nunca Desista de Seus Sonhos", de Augusto Cury, o que também diminui em quatro dias a pena.

Relatos de mordomias não faltaram. Há um mês, um home theater foi instalado na cadeia e retirado após o pastor que declarara ter doado o equipamento dizer ter sido coagido pelo ex-governador.

O peemedebista é também investigado sob suspeita de financiar um dossiê contra Bretas, o que ele nega.

Dentro da cadeia, já sofreu ataques. No mês passado, foi abordado pelo inspetor César Dória, conhecido por atuar em manifestações de servidores, dentro da cadeia.

"O preso foi enquadrado da forma mais natural possível. Emiti uma ordem para que o interno viesse a mim. Ele titubeou, depois se aproximou, e eu falei para ele tudo aquilo que o cidadão fluminense quer falar para ele: 'Marginal, ladrão, cadê o 13º dos servidores", disse Dória.

A Secretaria de Administração Penitenciária instaurou procedimento administrativo contra o inspetor.

Editoria de Arte/Folhapress
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