Folha de S. Paulo


Ação controlada fracassa, e delator deve ter que pagar multa maior

Félix Leal - 31.ago.2015/Futura Press/Folhapress
CURITIBA,PR,:LAVA-JATO - João Antônio Bernardi Filho durante depoimento no auditório da Justiça Federal, em Curitiba (PR), na manhã desta segunda-feira (31). Bernardi foi preso durante a 17ª fase da Operação Lava Jato. (Foto: Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
O engenheiro João Bernardi Filho (esquerda), durante depoimento, em Curitiba, em 2015

O delator da Lava Jato João Bernardi Filho seguiu todo o roteiro sugerido pela polícia: instalou gravadores no próprio corpo, marcou um encontro com seu alvo em um local público e direcionou a conversa para o pagamento de propina.

A operação, porém, não funcionou, e agora o colaborador pode ter que pagar uma multa maior do que o mínimo estipulado em seu acordo com a Justiça.

Engenheiro, Bernardi, 70, trabalhava no Brasil para a empresa italiana Saipem, fornecedora da Petrobras, e passou quatro meses preso em 2015 sob suspeita de pagar propina ao ex-diretor da estatal Renato Duque, seu antigo amigo.

Saiu da cadeia ao firmar um acordo de colaboração. Uma cláusula sigilosa, só tornada pública neste ano, dizia que ele seria colocado em liberdade "com o fim exclusivo de participar de ação controlada" sobre a atuação da Saipem no país.

Ações controladas são operações policiais em que um criminoso colaborador aceita coletar provas, tendo supervisão da polícia. A mais famosa no país foi a entrega de uma mala com R$ 500 mil ao então deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-auxiliar do presidente Michel Temer, feita na delação da JBS e filmada por policiais federais.

No caso de Bernardi, o acordo afirmava que ele iria providenciar "escutas ambientais" para obter provas de "promessa de pagamento de propina" ou até o próprio recebimento dos valores.

O compromisso afirmava ainda que, em caso de pagamento, ele precisaria comunicar os investigadores imediatamente e que seriam usados como critérios para fixar a multa e a pena o resultado e o empenho do delator na empreitada.

O engenheiro responde em uma ação penal ainda não sentenciada pelos crimes de corrupção ativa e lavagem.

Feito o acordo, Bernardi foi a campo e programou um encontro com Luiz Mendes de Almeida Junior, apontado por ele como um emissário da Saipem, que atuaria com contatos com altos dirigentes da companhia italiana.

Pelos documentos da Justiça, o objetivo da conversa seria discutir um saldo de propina da empresa com Renato Duque. Seu depoimento de delação falava em uma dívida de US$ 12 milhões.

A reunião, segundo os documentos na Justiça, foi marcada para uma cafeteria em um shopping no Rio, no dia 13 de junho de 2016.

Antes, uma equipe de policiais foi até a casa do delator, orientou-o a se manter o mais tranquilo possível e instalou os equipamentos de gravação em seu corpo. As provas obtidas, porém, não empolgaram as autoridades.

"Aparentemente, os executivos italianos da empresa Saipem e o próprio Mendes Junior mantiveram-se reticentes em atender aos contatos do colaborador", diz documento do Ministério Público.

Luiz Mendes de Almeida Junior, em uma ocasião, disse ao delator que não havia "novidades".

Um fator pode ter contribuído para o fracasso da iniciativa: o acordo de delação de Bernardi, incluindo parte de seus depoimentos, já era público desde outubro de 2015.

Nesta semana, os procuradores da Lava Jato afirmaram em ofício que a colaboração do engenheiro "não foi efetiva", apesar de ele ter se empenhado no assunto.

A multa mínima sugerida para o engenheiro na época da delação era de R$ 1 milhão e a máxima, R$ 3 milhões. Diante da ação controlada frustrada, a força-tarefa pediu o valor de R$ 2 milhões, "considerando, por um lado, o esforço e o empenho demonstrados pelo colaborador durante toda a execução da medida de ação controlada, e, por outro, a ausência de resultado efetivo".

Agora, caberá ao juiz Sergio Moro decidir o desfecho do caso.

Anteriormente, o engenheiro havia se tornado conhecido por um outro episódio inusitado: investigações apontaram que ele foi assaltado no Rio a caminho de uma entrega de propina, em 2011, e perdeu uma mala com R$ 100 mil.

OUTRO LADO

A defesa de Bernardi não comenta o assunto.

Luiz Mendes de Almeida Junior diz que não ter relação com a Saipem e que nega "peremptoriamente" as afirmações feitas pelo delator.

A Saipem nega que tenha feito qualquer pagamento ilegal e diz que isso seria incompatível com o sistema de compliance (conformidade, em inglês) da empresa. Também afirma que as contratações da Petrobras passaram por licitações regulares e que não tem conhecimento de relações com Almeida Junior.

Segundo a empresa, uma auditoria interna não detectou transações irregulares com agentes da Petrobras.


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