Folha de S. Paulo


Fugas e cidadania estrangeira atrasam processos da Lava Jato com Moro

Divulgação/ Interpol
Bernardo Schiller Freiburghaus. Foto: Divulgacao/ Interpol ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Bernardo Freiburghaus, que vive na Suíça e chegou a ser incluído em lista da Interpol

Estão em países como Líbano, Portugal e Espanha alguns dos réus que respondem no Brasil a processos sob responsabilidade do juiz Sergio Moro. Em três anos e meio de Operação Lava Jato, casos de alvos que fugiram ou que vivem fora se tornaram comuns na operação e criam obstáculos para o trâmite das ações.

Ao menos sete réus permanecem fora do país –outros dois foram alvos de mandado de prisão temporária, mas acabaram nunca achados.

A Interpol (polícia internacional) foi acionada em parte dessas situações.

Entre esses réus, o mais conhecido é Rodrigo Tacla Duran, que chegou a ser preso na Espanha e, à distância, fez acusações contra a Odebrecht e contra um amigo de Moro. Ele é suspeito de operacionalizar pagamentos para a empreiteira e também para a construtora UTC.

Tacla Duran tem cidadania espanhola, o que impediu sua extradição, e o juiz tenta dar andamento ao processo por cooperação internacional.

Esses processos, porém, costumam se arrastar diante de dificuldades práticas. São complicadores como pedidos internacionais de auxílio e traduções de centenas de páginas de documentos. O Ministério da Justiça em Brasília precisa ser chamado para intermediar o contato com autoridades estrangeiras.

Isso foi feito no caso de Oscar Algorta Raquetti, uruguaio acusado de lavar dinheiro em benefício do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. A notificação foi encaminhada em 2015, cumprida em 2016 e depois disso o processo não andou nem há registro de advogado constituído no Brasil. Nesse caso, não houve ordem de prisão.

Mesmo casos de foragidos que acabaram presos no exterior rendem problemas em série às autoridades brasileiras.

Suspeito de operar propina para ex-diretores da Petrobras, Raul Schmidt era considerado fugitivo e acabou detido em Portugal em março de 2016. Ele tem cidadania portuguesa. Um pedido de extradição tramitou pelo Judiciário português, mas ainda não houve decisão final. Schmidt, réu em duas ações com Moro que ainda não foram sentenciadas, argumentou que seus direitos estariam em risco no Brasil.

Ele foi para o exterior em 2014, no início da Lava Jato. Procurada pela reportagem, a defesa não respondeu.

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Raul Schmidt. Reproducao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O réu Raul Schmidt, que está em Portugal

A defesa de Tacla Duran também disse a autoridades espanholas que não havia garantias de que ele não seria submetido a condições "desumanas" no sistema carcerário brasileiro.

Moro frequentemente cita o risco de fuga em suas ordens de prisão e lembrou, em despachos, do caso de Bernardo Freiburghaus, suspeito de operar contas no exterior da Odebrecht e que tem cidadania suíça.

Ele chegou a figurar na lista de procurados da Interpol. Virou réu no Brasil, em 2015, mas tanto o Ministério Público quanto o juiz concordaram, neste ano, em mandar o caso ao país europeu.

A medida foi tomada após uma tentativa de cooperação com autoridades suíças para intimá-lo, na qual o prazo de resposta era de 180 dias –período que equivale quase à duração de um processo inteiro na Lava Jato.

"Não sendo possível a extradição, torna-se infrutífero, ainda que possível, o prosseguimento da presente ação penal, no Brasil, tendo em vista a dificuldade para a realização dos atos processuais bem como a potencial ineficácia de uma possível condenação", escreveu Moro, em maio.

Questionada pela Folha, a defesa de Freiburghaus no Brasil disse que ele é cidadão suíço e decidiu morar em Genebra "muito antes de ser investigado pela Lava Jato". "Para tanto, inclusive, todas as formalidades da lei brasileira foram preenchidas."

'MEDO DE VOLTAR'

Em um outro caso, um irmão do ex-deputado pelo PT André Vargas, que informações preliminares apontaram que estaria nos Estados Unidos, foi intimado em um processo por meio de um edital da Justiça –instrumento previsto quando não há informações do endereço nem advogado constituído.

Um suspeito de atuar em lavagem com o doleiro Alberto Youssef está oficialmente em paradeiro "desconhecido" desde 2014.

Na primeira fase da Lava Jato, muito antes de Sergio Moro se tornar famoso nacionalmente e de haver investigações sobre políticos na operação, o nome do libanês Sleiman El Kobrossy figurava na primeira lista de alvos de mandado de prisão.

Na primeira denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, em 2014, também foi incluído.

Até hoje ele ainda não foi sentenciado. Enquanto o doleiro e outros réus daquela fase já tiveram julgamento até em segunda instância, o caso do libanês se arrasta.

Em setembro, ele apresentou carta de um hospital do Líbano afirmando ter problema grave de saúde.

Moro pediu a inclusão dele em lista da Interpol. Outra ré no mesmo processo também não foi localizada, segundo a defesa, porque está presa na Itália.

O advogado Karlos Eduardo Mares diz que El Kobrossy, 51, apenas comercializava moedas estrangeiras informalmente e que ele não cometeu crime de lavagem de dinheiro.

Mares afirma que seu cliente pretende se apresentar no Brasil se for marcada uma audiência em que possa mostrar provas de sua inocência.

"O medo que ele tem é de voltar para o Brasil e ficar preso até Deus sabe lá quando", diz.

Ele não confirma a localização do acusado, embora diga que informa quando há novidades do caso.

No braço fluminense da Lava Jato, também há alvos no exterior, como doleiros que foram presos no Uruguai e o empresário Arthur Cesar Menezes Soares Filho, suspeito de comprar voto para a escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016.

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  • OS RÉUS FORA DO BRASIL
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ALVOS DA LAVA JATO FORA DO PAÍS Fugas e cidadania estrangeira atrasam processos com Sergio Moro
ALVOS DA LAVA JATO NO EXTERIOR Fugas e cidadania estrangeira atrasam processos com Sergio Moro

RAUL SCHMIDT
Onde Está: Portugal
Acusação: Suspeito de operar propina para ex- diretores da Petrobras
O que aconteceu: Foi detido em Portugal. É réu no Brasil, mas Justiça portuguesa ainda não decidiu pedido da defesa para não extraditá-lo

RODRIGO TACLA DURAN
Onde Está: Espanha
Acusação: Suspeito de operar pagamentos para as empreiteiras UTC e Odebrecht
O que aconteceu: Ficou três meses preso na Espanha e teve extradição negada neste ano por ser cidadão espanhol

BERNARDO FREIBURGHAUS
Onde Está: Suíça
Acusação: Suspeito de operar propinas no exterior para Odebrecht
O que aconteceu: Tem cidadania suíça. Moro concordou, em maio, em mandar o processo para a Suíça, onde também é investigado

SLEIMAN EL KOBROSSY
Onde Está: Líbano
Acusação: Teve prisão decretada em 2014 sob acusação de atuar com um grupo ligado ao de Alberto Youssef
O que aconteceu: Foi considerado foragido. Uma ação penal foi aberta por Moro, mas ainda não foi sentenciada

OSCAR ALGORTA RAQUETTI
Onde Está: Uruguai
Acusação: Suspeito de auxiliar o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró a lavar dinheiro com uma empresa
O que aconteceu: Virou réu em 2015, e o Brasil fez pedido de cooperação internacional ao Uruguai para intimá-lo


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