Folha de S. Paulo


Barroso diz que 'quase ultrapassou a linha' na briga com Gilmar Mendes

Evaristo Sá - 20.jun.2017/AFP
O ministro Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso, que discutiu com Gilmar Mendes

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta sexta-feira (27) que "quase ultrapassou a linha" nabriga Gilmar Mendes, durante a sessão de quinta (26).

"Vocês ainda vão ter filhos um dia. Alunos são como filhos espirituais. E quando tiverem filhos irão aprender que os filhos não prestam atenção no que a gente fala. Eles prestam atenção no que a gente faz. Por isso, tenho a preocupação de nunca ser um mau exemplo", disse o ministro durante aula na Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Assista ao bate-boca

De acordo com o gabinete do ministro, os alunos estavam "em estado de grande vibração com o embate da véspera", Barroso ficou preocupado com o que "interpretou como certa celebração do conflito" e "fez questão de apaziguar os ânimos".

"A exaltação não é a melhor forma de se expressar. Às vezes a gente levanta o tom da voz, mas essa não é a melhor forma de viver a vida. Pode acontecer de ser necessário, às vezes. Mas isso não é motivo de alegria. E em qualquer caso, a gente deve sempre estar em controle, sem nunca ultrapassar a linha. No caso de que estamos tratando, eu não ultrapassei. Mas foi quase", afirmou.

Assista ao bate-boca

Também pela manhã, mas em Brasília, durante uma palestra no IDP, instituição de ensino da qual é sócio, Gilmar –sem citar o nome de Barroso –disse que, "de vez em quando", o STF é "esse tipo de Corte, que proíbe a vaquejada e permite o aborto".

Barroso ajudou a formar maioria em ambos os casos, julgados no último ano: a Primeira Turma do STF (composta por cinco ministros) firmou o entendimento que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime; o plenário do Supremo proibiu a vaquejada, que depois foi validada pelo Congresso.

Na quinta, durante julgamento no plenário do STF, o clima esquentou quando Barroso disse que Gilmar "tem parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco". Gilmar rebateu e chamou o colega de "advogado de bandidos internacionais".

Sobre a briga dos colegas, o ministro Marco Aurélio disse à Folha que o episódio é "lastimável" e completou: "Não teço considerações maiores porque guardo inimizade capital com um dos interlocutores", em referência a Gilmar.

A discussão gerou um clima de constrangimento depois da sessão, disseram ministros à reportagem.

Em conversas reservadas, reclamaram de a presidente Cármen Lúcia não ter encerrado a sessão quando o clima piorou. Segundo ministros, a provocação feita por Barroso não foi uma surpresa devido ao clima de "belicosidade" nos bastidores do tribunal.

A presidente disse a pessoas próximas que pretende conversar com os dois na próxima semana. Segundo relatos, ela reclamou da exposição que o episódio gerou para o Tribunal.

DIVISÃO INTERNA

A discussão entre os ministros expõe uma divisão no tribunal. Os julgamentos de questões que de alguma maneira estão relacionadas à Lava Jato são marcados pelo antagonismo de dois grupos.

Alinhados ideologicamente, Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e, em várias ocasiões, Luiz Fux costumam proferir votos no mesmo sentido. Outro grupo, que conta com Gilmar, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, tem posições semelhantes em questões relativas à Lava Jato.

Apesar de muitas vezes defenderem a mesma tese, os ministros alinhados com os votos de Gilmar têm postura diferente daquela do colega, que costuma falar publicamente sobre vários assuntos e criticar publicamente decisões de seus pares. Ele já criticou decisões de Fachin, Rosa, Fux, Barroso, Marco Aurélio e Lewandowski.

O decano Celso de Mello, Marco Aurélio e Cármen Lúcia são considerados, nos bastidores da corte, mais independentes desses grupos.

Alguns julgamentos importantes que ainda estão para ocorrer devem expor novamente essa divisão.

Um deles é arevisão da prisão após condenação em segunda instância. Gilmar, que votou a favor em 2015, já mudou sua posição e passou a conceder habeas corpus a condenados nessa situação.

Nesta sexta, a presidente definiu a pauta do tribunal para novembro e não incluiu ações polêmicas, como prisão em segunda instância ou a possibilidade de a polícia fechar acordo de delação premiada. De acordo com um ministro, a "pauta sem grandes temas controversos" foi um pedido feito pelos magistrados e reforçado após a confusão da quinta-feira.

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Barroso versus Gilmar, em detalhes

Entenda os casos citados na discussão dos dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)

Gilmar Mendes A gente citar o Rio de Janeiro como exemplo..
COMENTÁRIO O STF decidia sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará por meio de emenda à Constituição estadual

Luís Roberto Barroso Vossa Excelência deve achar que é o Mato Grosso...
COMENTÁRIO O ex-governador Silval Barbosa, que está em prisão domiciliar, fechou acordo de delação premiada. O ex-presidente da Assembleia, José Riva, negocia delação

Gilmar Mendes Não, é o Rio mesmo.
COMENTÁRIO O ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), está preso. Outro ex-governador, Anthony Garotinho (PR), foi preso duas vezes, mas está em liberdade

Luís Roberto Barroso...onde está todo mundo preso.

Gilmar Mendes Ah, no Rio não estão?

Luís Roberto Barroso Aliás, nós prendemos, tem gente que solta.
COMENTÁRIO Gilmar tem histórico recente de conceder habeas corpus a presos preventivamente. Ele votou, por exemplo, pela liberdade de José Dirceu, o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e o amigo de Lula João Carlos Bumlai

Gilmar Mendes Veja o caso. Solta cumprindo a Constituição. Quem gosta de prender... Vossa Excelência, quando chegou aqui, soltou o José Dirceu.

Luís Roberto Barroso Porque ele recebeu o indulto da presidente da República.
COMENTÁRIO: Barroso declarou a pena de Dirceu no mensalão extinta com base em indulto concedido pela presidente Dilma Rousseff e com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. Dirceu continuou preso preventivamente na Lava Jato, por decisão do juiz Sergio Moro

Gilmar Mendes Não, Vossa Excelência julgou os embargos infringentes.
COMENTÁRIO Após o julgamento do mensalão, a defesa de Dirceu questionou a condenação pelo crime de associação criminosa. Barroso foi um dos seis ministros que votou pela absolvição

Luís Roberto Barroso Absolutamente, é mentira. Aliás, Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade. Então eu gostaria de dizer que o José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República. E Vossa Excelência está fazendo um comício que não tem nada a ver com extinção do Tribunal de Contas do Ceará.

Gilmar Mendes Tem sim.

[...]

Cármen Lúcia Ministros, eu pediria que a gente voltasse ao julgamento do caso, por favor.

Gilmar Mendes Vou voltar, senhora presidente. Só queria lembrar que os embargos infringentes do José Dirceu foram decididos aqui...
Cármen Lúcia Ministro, se pudesse voltar ao caso do Tribunal de Contas, este é o caso em julgamento.

Gilmar Mendes...e se dizia que o mensalão era um caso fora da curva...

Luís Roberto Barroso José Dirceu permaneceu preso sob minha jurisdição, inclusive revoguei a prisão domiciliar porque achei impróprio e concedi a ele indulto com base no decreto aprovado pela presidente da República porque ninguém é melhor ou pior do que ninguém. Portanto apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo, não fui eu, porque o Supremo tem 11 ministros. Portanto, a maioria entendeu que não havia o crime. Depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto e mesmo assim permaneceu preso por determinação da 13ª Vara Criminal de Curitiba. E agora só está solto porque a segunda turma determinou que ele fosse solto. Portanto não transfira para mim essa parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade de colarinho branco.
COMENTÁRIO A segunda turma do STF libertou Dirceu da cadeia em maio. Ele estava preso preventivamente por decisão de Sergio Moro. Foram 3 votos a 2. O voto decisivo é de Gilmar Mendes

Gilmar Mendes (risos) Imagina...

Cármen Lúcia Ministros, eu peço por gentileza, estamos no plenário de um Supremo Tribunal e eu gostaria que... vamos voltar, por favor.

[...]

Gilmar Mendes Eu tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui o presidente do Supremo Tribunal Federal que liderou inicialmente todo o mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais.


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