Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Saúde de um presidente é desafio para a comunicação

Mateus Bonomi/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 25-10-2017, 20h: Michel Temer, Presidente da República, recebe alta no para o Hospital Militar de Brasília. (Foto: Mateus Bonomi/Folhapress, PODER)
Michel Temer, ao deixar o hospital no Distrito Federal, nesta quarta-feira (25)

Mudam-se os móveis conforme o gosto do titular, mas a cadeira presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto suporta um histórico de ocupantes com problemas de saúde.

A equipe do presidente Michel Temer pecou por limitar a uma nota oficial as informações sobre o procedimento de desobstrução urinária a que foi submetido. Teria sido mais transparente a convocação de entrevista coletiva com os médicos que o atenderam, em nome da precisão e confiabilidade dos relatos.

Comunicar tratamentos médicos do presidente da República tem sido um desafio político constante. Alguns presidentes tentaram escondê-los; outros optaram por divulgação detalhada da saúde presidencial para evitar a disseminação de boatos.

Na ditadura militar (1964-1985), a saúde do presidente era tratada com o rigor de confidencialidade exigido por temas de segurança nacional. O marechal Arthur da Costa e Silva (presidente no período 1967-69) sofreu uma isquemia cerebral no exercício do cargo. Durante cinco dias, assessores do Planalto esconderam dos brasileiros que o presidente estava inabilitado para conduzir o país.

Como resultado dessa tentativa, ganharam força rumores de que o presidente estava morto. Costa e Silva começou a sentir-se mal numa quarta-feira, mas só no domingo o país saberia de sua doença e de que seria substituído no exercício do poder por uma trinca militar.

Outro exemplo de tentativa de abafar o real estado de saúde do presidente ocorreu no mandato do general João Baptista Figueiredo (1979-1985). O colunista Janio de Freitas revelou na Folha que Figueiredo tinha um problema cardíaco que necessitava de cirurgia, à qual o presidente pretendia se submeter às escondidas. A revelação, inicialmente classificada como "terrorista" pelo governo, obrigou que o tema fosse tratado às claras, apesar de nem sempre de forma transparente.

O caso de Tancredo Neves tornou-se sem dúvida o mais exemplar e traumático. Em junho de 1984, quando articulava sua candidatura presidencial, Tancredo começara a passar mal. Sentia febres e dores constantes, que tratava em consultas médicas informais, muitas delas por telefone. Passaram-se nove meses até que Tancredo fosse internado às pressas —na véspera da posse, prevista para 15 de março de 1985— para tratar de um tumor benigno no intestino.

O maior desastre da comunicação presidencial foi a forma com que a família, os médicos e os governistas decidiram relatar a doença de Tancredo. Todos chancelaram a versão de que sofrera uma diverticulite. Anos antes ele já já havia extraído um divertículop(erramos). + ERRAMOS: O conteúdo desta página foi alterado para refletir o abaixo

  • Diferentemente do que informou o texto, a remoção de um divertículo (apêndice em forma de pequena bolsa ou saco) não impede que o paciente venha a desenvolver diverticulite no futuro. Vários divertículos podem se desenvolver e se inflamar no corpo humano, não apenas um..

A palavra que todos temiam tornou-se pública, sete dias depois de sua internação, por meio de manchete da Folha: "Tancredo teve um tumor benigno; operado de novo, estado é grave", estampou a edição de 21 de março. Os médicos contestaram a informação e acenaram com uma recuperação cada vez mais improvável. O ministro da Saúde chegou a indicar o dia da provável alta médica do presidente, indefinidamente adiada.

O calvário de Tancredo prosseguiu por quase 40 dias até sua morte. Novos erros, omissões e desinformações tornaram o caso Tancredo contraexemplo da transparência necessária sobre a saúde de um governante.

A partir de então os titulares do Planalto tornaram-se mais cuidadosos na veiculação de questões de saúde. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) atravessou dois mandatos com dores na coluna e no nervo ciático. Fora de seus mandatos presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) enfrentaram tratamentos contra o câncer com narrativas detalhadas que contiveram rumores inverídicos da doença.


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