Folha de S. Paulo


Miller diz que ajudou em 'gramática' de delação para não ser 'descortês'

Mauro Pimentel/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, 08.09.2017: - O ex-procurador da republica Marcelo Miller chega para prestar depoimento para Operação Lava Jato na Procuradoria Regional da República da 2ª região, no Centro do Rio. (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress, FSP-FOTO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
Ex-procurador da República Marcello Miller

Protagonista da principal polêmica em torno da delação da JBS, o ex-procurador Marcello Miller afirmou à Polícia Federal que ajudou executivos da empresa a elaborar o acordo de colaboração premiada que implicou diretamente o presidente Michel Temer apenas para não ser "descortês".

Em depoimento prestado na última terça-feira (10), ao qual a Folha teve acesso, Miller relatou que fez somente reparos "linguísticos e gramaticais" a uma espécie de esboço do anexo de delação que foi apresentado a ele por Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais do grupo comandando pelos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Ainda segundo o ex-procurador, Saud mostrou os documentos "em meados de março" e pediu que ele "emitisse sua opinião sobre a adequação" do texto: "dá uma olhada para mim e veja se está bem". Aos investigadores, Miller afirma ter ajudado com os ajustes, mas negou ter orientado o executivo a redigir o documento específico para o acordo de delação.

O ex-procurador disse à PF que se sentiu "desconfortável" em ter acesso ao material e "desempenhar funções que ainda não poderia", como análise jurídica para a JBS, antes de sua exoneração do Ministério Público Federal ser oficializada.

Um dos mais próximos auxiliares do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, Miller é suspeito de ter atuado na defesa da JBS pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe quando ainda tinha cargo no Ministério Público Federal.

Ele pediu exoneração do posto no início de março, mas sua saída só foi oficializada em 5 de abril, dias depois da assinatura do primeiro termo de confidencialidade entre a empresa e a PGR (Procuradoria-Geral da República). A polêmica culminou na suspensão dos benefícios concedidos a Joesley Batista e Ricardo Saud, presos desde o dia 10 de setembro.

À PF, Miller reiterou que teve "de cinco a dez reuniões" com executivos da JBS, na sede da empresa, antes de sua exoneração do MPF ser publicada no "Diário Oficial da União".

Segundo ele, não se falava "abertamente" nos encontros das "condutas criminosas" dos empresários. O ex-procurador, porém, disse que era possível "intuir tais ocorrências", admitindo ter "conhecimento de que a JBS estava tratando das questões criminais com a PGR", mas não deu detalhes sobre como era possível saber sobre o tema.

Miller contou ainda que seu contrato com o escritório Trench Rossi Watanabe lhe renderia cerca de R$ 1 milhão por ano.

'MENTIRAS NOS ÁUDIOS'

O ex-procurador aproveitou o depoimento à PF para se defender das acusações que vem sofrendo desde que Janot anunciou investigação sobre sua atuação no fechamento do acordo e a possível revisão da delação da JBS.

Segundo Miller, os executivos da empresa mentiram sobre ele no áudio apresentado para a PGR em setembro.

O ex-procurador afirmou que não avisou ninguém da PGR sobre suas tratativas de orientação com executivos da JBS antes de sua exoneração ser oficializada e que nunca separou material para a colaboração.

O depoimento do ex-procurador à PF foi interrompido pois ele e seu advogado alegaram ter um voo naquele dia para o Rio de Janeiro e, portanto, não poderiam estender a estadia em Brasília. Miller deve voltar a depor em data ainda não definida.

CONFRONTO

Em investigação interna no Ministério Público, Saud deu declarações divergentes sobre a participação de Miller no processo de colaboração da JBS.

O executivo da JBS disse que esteve "quatro vezes com Miller, sempre este sem nenhum advogado; que nem sabe o que é leniência [espécie de delação premiada para pessoas jurídicas], tratou apenas sobre colaboração premiada, portanto não participou das negociações da leniência".

Ainda segundo o depoimento, Saud contou a Miller sobre um encontro que teve com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que havia sido gravado, e sobre outras gravações que pretendia fazer –tudo isso antes de o acordo de delação ser fechado com a PGR.

"[Saud afirmou] que disse a Marcello Miller que gravaria o [senador] Ciro Nogueira [...]; que disse a Marcello Miller que gravou José Eduardo Cardozo; [...] que Marcello Miller disse que aquilo daria cadeia, que iriam para cima dele, depoente, e José Eduardo Cardozo; que depois dessa conversa Marcello Miller saiu da sala e estava mandando mensagens no celular; que achou isso estranho, o fato de mandar mensagens logo após essa conversa; que não mostrou a gravação de José Eduardo Cardozo a Marcello Miller, apenas mostrou um pen drive", diz trecho do depoimento.


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