Folha de S. Paulo


Testemunhas relembram buscas por corpo de Ulysses Guimarães

O acidente com Ulysses Guimarães pode ter entrado para a coletânea de lendas do anedotário nacional, mas é lembrança bem real na cabeça de quem, por ofício ou coincidência, ajudou nas buscas pelo corpo nunca encontrado.

A Folha conversou com pessoas que acompanharam o resgate dos corpos das outras vítimas —além do então deputado, estavam no helicóptero a mulher dele, Mora, o casal Severo Gomes e Ana Maria Henriqueta e o piloto, Jorge Comeratto.

O acidente foi em 12 de outubro de 1992, quando caiu no mar o helicóptero em que Ulysses —um dos protagonistas da redemocratização e símbolo da Constituição de 1988— se deslocava de Angra dos Reis (RJ) para São Paulo.

"Os corpos estavam num estado de degradação muito grande, com partes decepadas, mordidos por peixes", diz Manuel Alceu Affonso Ferreira, 74. Então secretário estadual de Justiça de São Paulo, ele foi um dos comandantes da operação.

"Tenho essa imagem até hoje na cabeça", afirma o advogado, que, cumprindo ordem do governador Luiz Antônio Fleury (1991-1994), se mudou durante dez dias para a região onde a aeronave caiu, perto de Paraty (RJ).

As buscas, que duraram 21 dias, envolveram forças de segurança do Estado, bombeiros, Marinha e Aeronáutica.

Segundo Ferreira, todas as estruturas e tecnologias disponíveis na época foram usadas. "Lembro daquilo tudo com misto de tristeza e emoção", relata. "Sobrevoávamos toda a costa, mas não se achava nada".

Segundo o ex-secretário, por fim "se chegou à conclusão técnica de que a única coisa que poderia acontecer seria o cadáver de Ulysses parar em alguma praia".

MEMÓRIA DE INFÂNCIA

Foi perto da praia que Marcelo Moraes Vicintin, então um garoto de dez anos passando o feriado na região de Paraty, viu o corpo de uma das vítimas do acidente, o do piloto. Hoje com 35 anos, empresário, ele diz nunca ter esquecido o impacto daquela visão.

Vicintin e dois amigos da mesma faixa etária estavam num barco com o avô de um deles justamente porque os parentes queriam poupar as crianças do clima pesado pós-acidente. Naquela altura, um dia após a queda, a região do condomínio onde a família estava hospedada já tinha sido tomada pelas buscas.

"Então levaram a gente para pescar lula, na direção oposta de onde se acreditava que o helicóptero tinha caído. E foi lá que vimos o corpo. Inicialmente imaginamos que era algum peixe", diz.

Pai dele, Arthur Vicintin Neto, 63, se envolveu no trabalho de rastreamento. Experiente como velejador e piloto, o engenheiro usou seu próprio barco, fez mergulhos e emprestou equipamentos para auxiliar nos trabalhos.

"Eu tinha GPS, um instrumento raríssimo. Pelo rádio, conseguia me comunicar com a Marinha. Também cedi um magnetômetro [equipamento usado para medir campos magnéticos]", relembra.

Na opinião dele, com a tecnologia existente agora, certamente o corpo do deputado seria localizado.

"Hoje existem sonares mais precisos", afirma Vicintin Neto, que diz ter chegado a ver o helicóptero com o político voando baixo, sobre o mar, enquanto um temporal se aproximava.

Testemunhos da época também relacionavam o mau tempo diretamente ao acidente. Os relatos eram que Ulysses insistiu em viajar, mesmo sob alertas. Ele dizia que não tinha medo de voar.


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