Folha de S. Paulo


Na Argentina, construtoras brasileiras obtêm aditivos de US$ 3,5 bi

Quatro construtoras brasileiras –todas alvos da Operação Lava Jato– ganharam, sozinhas ou integrando consórcios internacionais, ao menos US$ 9,6 bilhões em obras públicas na Argentina nos últimos 12 anos.

Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão firmaram um total de 11 contratos com o país vizinho. Ao longo desses anos, esses contratos tiveram aditivos que somados atingem US$ 3,5 bilhões –uma média de US$ 322 milhões em aditivos. O levantamento foi feito pelo site de fact-checking argentino Chequeado.com, que comparou o orçamento inicial e final de cada um desses contratos.

Dos 11 contratos públicos analisados no levantamento –firmados para construir uma estação de tratamento de água e rebaixar uma linha de trem, por exemplo–, sete contaram com financiamento brasileiro do BNDES, item considerado fundamental para a vitória nas licitações. Desses 11 contratos, 5 ainda não foram concluídos. São obras abandonadas ou atrasadas.

Há indícios de que o método flagrado na Lava Jato no Brasil se repetiu no exterior, incluindo formação de cartel, superfaturamento e suborno.

"O que vemos é um modus operandi que não se restringe às obras no Brasil. É a forma como são contratadas obras aqui na Argentina também", diz Natalia Volosin, advogada especializada em casos de corrupção e mestre em direito pela Universidade de Yale.

A trajetória costuma seguir um mesmo roteiro. A construtora brasileira primeiro se associa a uma argentina e oferece custos mais baixos para determinada obra, trazendo promessa de financiamento do BNDES (que chega a responder por 50% do valor do contrato).

Os brasileiros ganham a licitação e, em seguida, pedem a reavaliação e aditivos aos contratos, elevando seu valor. Em alguns casos, os prazos são estourados, e o BNDES abandona a transação, obrigando o governo argentino a buscar outras fontes de financiamento para concluir a obra. Ela quase sempre sai mais cara do que o previsto.

"O caso do rebaixamento da linha férrea de Sarmiento é um caso clássico: no final, a obra acaba sendo financiada pelo governo nacional [argentino]", afirma o procurador Federico Delgado.

O levantamento revela que, das 11 obras analisadas, 9 tiveram aditivos. Em quatro casos, eles representaram um acréscimo de mais de 50% no orçamento original.

A maior soma de aditivos, de 239%, ocorreu na obra de rebaixamento da linha ferroviária de Sarmiento, que liga Buenos Aires a províncias a oeste do país. O consórcio encabeçado pela Odebrecht venceu a licitação por US$ 889 milhões. Com só 17% dos túneis escavados até agora, a obra já consumiu mais de US$ 3 bilhões.

Em junho, a Odebrecht pediu para sair do projeto e vendeu sua parte para uma empresa italiana. Em setembro, no entanto, a polícia argentina cumpriu mandado de busca e apreensão nos escritórios da construtora na Argentina. Era parte da investigação do suposto pagamento de propina por parte da empresa para garantir o contrato.

Em depoimento, o ex-executivo da Odebrecht Márcio Faria disse ter pago US$ 25 milhões em propinas para obter o contrato de uma obra milionária de expansão dos gasodutos do país. Em 2005, a Odebrecht venceu uma licitação, com respaldo do BNDES, para levar gás do norte e do sul do país à província de Buenos Aires. A empresa brasileira subcontratou firmas locais para executarem a construção.

Segundo perícia encomendada pela Suprema Corte da Argentina, foram gastos US$ 2,6 bilhões neste empreendimento e, de acordo com a denúncia do procurador Carlos Stornelli, o valor inicial acordado teria sido de US$ 1,677 bi.

"Não há justificativa técnica ou econômica que respalde essa variação ou desvio do orçamento original", diz ele.

OUTRO LADO

A Odebrecht afirmou que é "prestadora de serviços" e que "as informações deveriam ser facilitadas pelas empresas (locais) subcontratadas". Elas argumentaram, por sua vez, que "o preço inicial e final são o mesmo, considerando-se o ajuste da inflação". O levantamento, contudo, foi feito em dólar.

A construtora também aponta mudanças nos projetos feitas pelas autoridades como razão para o aumento no orçamento.

Em nota, a Queiroz Galvão informou que o projeto analisado foi realizado pelo Consórcio UTE MetroBus LaMatanza, formado com a empresa local Centro Construciones e que "o mesmo desconhece qualquer tipo de problema com a obra, realizada com o financiamento do Banco Mundial".

A empreiteira Camargo Corrêa, em nota enviada à reportagem, informou que "em Bezarateggui (unidade de tratamento de esgoto), o contrato sofreu forte impacto de correções inflacionárias que já estavam nele previstas, ampliadas por aditivo de prazo contratual, sem nenhuma irregularidade".

As demais construtoras citadas no levantamento foram procuradas, mas não responderam.

LAVA JATO NA ARGENTINA - Construtoras brasileiras tiveram, em média, US$ 322 milhões em aditivos feitos em 11 contratos

MATÍAS DE SANTI e FEDERICO POORE são jornalistas do site Chequeado. Colaboraram ARIEL RIERA e a plataforma venezuelana "Armando Info". Tradução da Agência Lupa


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