Folha de S. Paulo


Advogados citam Lava Jato e criticam entidade por evento sobre corrupção

Cem advogados criticaram em uma carta o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), citando a Operação Lava Jato e afirmando que a entidade está distante de seus objetivos em uma época em que "absurdos estão ocorrendo em grande escala".

A manifestação é uma resposta a um evento que tem como tema "os direitos humanos do povo contra a corrupção", organizado pelo Iasp e marcado para o próximo dia 19.

São destaques da mesa de debate o general e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, e o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde o ex-presidente Lula será julgado em segunda instância na Lava Jato.

Os signatários da carta se dizem chocados com o evento. Segundo eles, magistrados e procuradores são enaltecidos com fotos e autógrafos em nome de um falso moralismo, enquanto "se calam" para abusos de autoridades e do direito de defesa.

O documento conta com assinatura do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, do criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) –que atua na defesa de investigados na Lava Jato–, do advogado de Lula, Cristiano Zanin, entre outros nomes conhecidos.

Rahel Patrasso/Xinhua
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que produz livro sobre processos da Lava Jato
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que é um dos signatários da carta que critica o Iasp

Os advogados afirmam que o título do evento –"A defesa dos Direitos Humanos Coletivos do Povo contra a Corrupção, o direito à administração pública eficiente, ação, agenda e limites"– se assemelha a uma "invocação demagógica" para agradar a opinião pública, em detrimento dos objetivos do Iasp.

"Em tempos de Lava Jato, a bandeira do combate à corrupção é discussão praticamente monotemática no país, que encobre temas sobre questões tão ou mais importantes", diz trecho da carta.

Como contraposição ao tema, os advogados afirmam que há, atualmente, aumento desenfreado de prisões provisórias e citam a falta de dignidade dos presos.

Como exemplo, o grupo cita o suicídio do reitor afastado da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que era acusado de tentar obstruir as investigações sobre o desvio de recursos na universidade.

Para os advogados, o reitor sucumbiu aos exageros da administração pública.

"O que se coloca é que enquanto os direitos humanos dos acusados têm sido violados diuturnamente, um instituto de Advogados está chamando militares à mesa para falar de combate à corrupção, em nome de supostos 'Direitos Humanos Coletivos do Povo'", diz a carta.

"Qual a proposta desse debate? É para se colocar [o evento] na mão de direção da repressão? É pra isso que serve o instituto [dos advogados de São Paulo]?", disse à Folha o advogado Alberto Toron.

'PATRIMÔNIO'

O presidente da Comissão de Estudos de Direitos Humanos do Iasp, o advogado Ricardo Sayeg, afirmou que a carta é uma tentativa de calar as "vozes da sociedade".

"A carta só eleva o trabalho da comissão e mostra que estamos no caminho certo", disse Sayeg. "Vamos continuar lutando em favor da coibição da corrupção".

Fã declarado do juiz Sergio Moro, Sayeg não esconde que o evento é, sim, pró-Lava Jato.

"A operação é um patrimônio institucional do Brasil e assegura os direitos humanos. A gente considera o evento como uma prestação de conta do que está acontecendo", afirmou.

Ele diz que o evento promovido pelo Iasp é plural e, em tom amistoso, convida signatários da carta para novos debate.

Em nota, o Iasp afirma que "jamais submeterá a sua atividade à censura prévia".

"O IASP promove há 142 anos a difusão dos conhecimentos jurídicos e a defesa do Estado Democrático de Direito. O cumprimento de tais fins sociais implica que o IASP, entidade despida de qualquer coloração político partidária, acolha e estimule o amplo debate de temas jurídicos, sem a preocupação de agradar ou contrariar".

A nota também afirma que "preocupam as premissas erradas e a mensagem equivocada pretendendo rotular ou contextualizar um debate, como dezenas que ocorrem diuturnamente, e que, evidentemente não representam uma posição da Instituição que estatutariamente delibera em suas reuniões mensais de diretoria e conselho".


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