Folha de S. Paulo


Preso, deputado trabalha de dia na Câmara e retorna ao anoitecer

O deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) orgulha-se de sua assiduidade na Câmara.

Em 2016, faltou a seis sessões de plenário. Quem entra em suas redes sociais se depara com uma foto, de 10 de maio, onde se lê: "Deputado atuante, 100% presente em reuniões de comissão".

Desde junho, além das comissões, Jacob tem sido o único com 100% de presença em todos os dias úteis, inclusive às sextas, quando o quórum costuma ser baixíssimo –na última (29), era um dos três deputados que compareceram.

Ele foi à Câmara em 8 de setembro, no meio do feriado da Independência, e durante o recesso, em julho, quando parlamentares aproveitam para tirar férias ou para voltar às suas bases eleitorais.

Jacob foi preso em 6 de junho, no aeroporto de Brasília. Cumprindo pena no regime semiaberto, conseguiu, em julho, o direito a trabalhar durante o dia. Ele foi condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a sete anos e dois meses de prisão por falsificação e dispensa de licitação na construção de uma creche quando era prefeito de Três Rios (RJ), em 2002.

Sua presença na Câmara já virou notícia duas vezes. Foi o único a comparecer em 30 de junho, quando a primeira denúncia contra Michel Temer passava pelo Legislativo e o governo tentava garantir quórum para abrir sessões e acelerar a tramitação. O mesmo aconteceu recentemente, na segunda denúncia: desta vez, só ele e o deputado JHC (PSB-AL) apareceram para abrir sessão.

Hoje, Jacob reside no CDP (Centro de Detenção Provisória) da Papuda, o complexo penal famoso por receber presos do mundo político. Tem como colegas o lobista Ricardo Saud, da JBS, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB).

ROTINA

O deputado acorda diariamente na cela que divide com mais dois presos, toma banho e sai às 7h para o estacionamento externo do CDP. Apesar de continuar tendo direito às prerrogativas parlamentares, como o carro oficial, Jacob contratou um motorista de Uber para fazer o trajeto diário de 16 km até a Câmara.

Pago por fora do aplicativo –ele também continua recebendo os R$ 33 mil de salário de deputado e pode usar a cota parlamentar–, o veículo o deixa no Anexo 3 da Casa por volta das 7h40.

Lá, se divide entre seu gabinete, a liderança do PMDB, o plenário e a Comissão de Educação, da qual é o segundo vice-presidente.

Na quarta (27), registrou presença na Casa às 8h49. Seguiu para o corredor das comissões, onde se reuniu com educadores finlandeses e participou de sessão deliberativa.

Durante o colegiado, recebeu apoio dos colegas, que acusavam a "criminalização da atividade política": "Outro dia foi o deputado Celso Jacob, amanhã pode ser qualquer um de nós", disse Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), companheiro da Frente Parlamentar Evangélica.

Depois, foi receber visitantes na porta da Câmara. Jacob não pode sair da Casa nem para almoçar, mas pode receber visitas. É assim que encontra familiares, como o filho de 31 anos.

De lá, seguiu para o restaurante-escola do Senac, no Senado, onde costuma almoçar o menu de R$ 44,15, que inclui entrada, prato principal e sobremesa.

Não solta o celular, que carrega acoplado a um carregador portátil. O aparelho, proibido na Papuda, fica na Câmara quando o deputado volta ao presídio ao final das sessões ou por volta das 20h, quando não há quórum.

Na quarta (27), começou o trajeto quase às 23h. Nesses dias, é obrigado a levar impressa a lista de presença para justificar a volta após o horário estipulado pelo juiz.

É descrito por outros parlamentares como o "típico deputado do baixo clero": sem grande expressão durante os três mandatos que ocupou, evita falar na tribuna e só ficou conhecido após a condenação. Coisa que, aliás, irrita o parlamentar, também conhecido, até entre a oposição, como alguém de trato fácil, receptivo e bem educado.

Abordado pela Folha nesta semana, afirmou que não daria entrevista, porque "a mídia só fala da minha prisão e não fala sobre o que eu estou passando". Ao perceber que era fotografado nos corredores, irritou-se: "Tá tirando foto minha por quê?"

Ele se ressente por ter sua condenação frequentemente associada à Lava Jato, diz sua chefe de gabinete, Márcia Azevedo: "A política para ele só trouxe dor de cabeça".

O PROCESSO

Jacob foi condenado porque contratou em uma licitação uma empresa desclassificada por apresentar certidões fora da data de validade. Então prefeito, teria atuado na falsificação de uma de lei aprovada pela Câmara da cidade fluminense, permitindo que a empresa fosse contratada –ele contesta.

O parlamentar pretende entrar no início deste mês com um pedido de revisão de pena de falsificação.

Segundo Azevedo, o então presidente da Câmara dos Vereadores de Três Rios, seu adversário político, concordou em testemunhar afirmando que, na verdade, ele falsificou a lei após a aprovação.

Se dependesse dos colegas, conseguiria: parlamentares de diversos partidos, de oposição e governo, disseram à reportagem achar a condenação injusta.

Talvez por isso o deputado não enfrente nenhum processo no Conselho de Ética. É um destino diferente do que teve o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a quem Jacob era ligado. Afastado, o ex-presidente foi cassado antes de ser preso –e o ex-aliado votou pela perda de mandato.

Jacob tem outra peculiaridade com relação aos demais políticos. Enquanto os colegas miram nas eleições de 2018, ele não discute reeleição. "O plano dele agora é ver a mãe, que é idosa e não pode vir aqui. Depois se pensa nisso", afirma Azevedo.


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