Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Proposta de fundo eleitoral cresce poder de caciques partidários

Pedro Ladeira/Folhapress
Sessão no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF) referente a votação da PEC da reforma política
Plenário da Câmara dos Deputados em sessão da reforma política

Desde que o STF proibiu as doações de empresas, os parlamentares buscam suprir a carência de recursos para 2018 para, assim, assegurar sua sobrevivência política.

A sociedade reagiu ao distritão e aos R$ 3,6 bilhões do Fundo de Financiamento da Democracia, mas nossos parlamentares ainda não jogaram a toalha.

O Senado acabou de aprovar o PLS nº 206/2017, destinando mais recursos públicos para cobrir despesas de campanhas. A proposta, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), é melhor do que a elaborada pela Câmara, mas contém artimanhas que beneficiam a base do governo e os líderes partidários –e, claro, prejudica a população.

Os defensores do novo projeto alardeiam que esse fundo custará "apenas" R$ 1,7 bilhão –menos da metade do pretendido pela Câmara. Além disso, defendem que a medida não pesará no Orçamento: os recursos seriam realocados de despesas já existentes, como emendas parlamentares e a propaganda partidária, que seria extinta.

Mas é bom ficar atento aos detalhes. O projeto prevê destinar "ao menos" 30% do valor das emendas das bancadas estaduais para o financiamento eleitoral.

QUEM GANHA E QUEM PERDE - Distribuição de recursos do Fundo de Financiamento de Campanha entre os partidos, em R$ milhões

Isso quer dizer que recursos que seriam aplicados nos Estados e municípios –como projetos de infraestrutura, saúde, etc.– iriam para os políticos gastarem nas suas campanhas. Ou seja, haveria uma transferência de recursos que beneficiam a população (prejuízos difusos) para os candidatos (benefícios concentrados). Você considera isso legítimo?

É preciso destacar que a proposta original, do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), não previa esse corte nos recursos estaduais.

O dinheiro viria exclusivamente da extinção das propagandas partidárias e do horário eleitoral –que, apesar de serem chamados de "gratuitos", custam, respectivamente, R$ 300 milhões e R$ 600 milhões por ano em compensações fiscais para as empresas de rádio e TV.

Imagino que o lobby das emissoras tenha sido decisivo para a decisão de jogar a conta para a população.

A outra questão é que ninguém garante que o fundo ficará restrito a R$ 1,7 bilhão. O texto aprovado no Senado utiliza a expressão "ao menos", o que abre uma brecha para que os parlamentares aumentem a cota prevista para as campanhas. E nunca é demais lembrar que o teto de despesas não se aplica aos gastos com eleições –o projeto será um cheque em branco dado ao Congresso.

A proposta também é engenhosa no que se refere à distribuição desse bolo de dinheiro público. Em vez de utilizar como base a última votação para Câmara dos Deputados –regra que já vale para o Fundo Partidário–, a fórmula de Jucá tem diversas variáveis: 2% seriam repartidos igualmente entre todos os partidos, 49% levariam em conta a votação de 2014, 34% seriam atribuídos de acordo com a bancada atual na Câmara e 15% conforme a bancada atual no Senado.

Ao inserir no cálculo o resultado das mudanças de configuração na Câmara e no Senado, Jucá alterou bastante a destinação de recursos para as campanhas de 2018, conforme pode ser visto no gráfico.

A base governista é a principal beneficiada no projeto aprovado no Senado: PMDB, DEM e alguns partidos do "centrão" (Podemos, PP, PR e PSD) ampliarão a fatia a que terão direito, enquanto PT e PSDB seriam bastante prejudicados. A aposta de Jucá, nesse caso, é que a base aliada do governo, a ser agraciada com alguns milhões a mais de dinheiro público em 2018, seja suficiente para aprovar o projeto até o fim da semana que vem.

O projeto aprovado no Senado também reserva grande poder para os caciques partidários. Caberá às executivas nacionais definir quanto será aplicado nas campanhas para cada cargo e em cada candidato individualmente –uma vez que a distribuição igualitária atingirá apenas 30% do valor a ser repassado a cada partido.

Nesses tempos em que boa parte do Congresso está na mira da Lava Jato e os parlamentares buscam desesperadamente se reeleger, dar mais poder para as cúpulas dos partidos pode ser decisivo para a renovação ou não do Congresso Nacional.

É por essas e outras que é bom desconfiar desses projetos aprovados a toque de caixa para destinar mais recursos públicos para políticos.

BRUNO CARAZZA é doutor em Direito (UFMG) e mestre em Economia (UnB). É autor do blog "O "E$pírito das Leis"


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