Folha de S. Paulo


Imagens sacras, quadros e videogames compõem mansão de Cabral em leilão

Imagens sacras, quadros, videogames, livros e equipamentos que incluem até uma câmara frigorífica. São esses itens que serão leiloados junto com a mansão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e Adriana Ancelmo no próximo dia 3 de outubro, com lance mínimo de R$ 8 milhões.

A casa no condomínio Portobello, em Mangaratiba (RJ), tem 462 metros quadrados de área construída, com dois pavimentos, cinco suítes, dois lavabos, dois banheiros, sala, átrio e cozinha. A área externa tem cerca de 500 metros quadrados com duas piscinas, churrasqueira e, na frente do terreno, uma quadra de vôlei na orla da praia São Braz.

Descrita por Cabral como "extensão de sua residência", ela será vendida para ajudar a pagar multas e indenizações decorrentes dos processos da Operação Lava Jato. Ele já foi condenado em dois, e é réu em outros 12.

Caso não haja interessado no primeiro certame, um outro leilão será realizado no dia 11 de outubro com 20% de desconto (R$ 6,4 milhões) no lance mínimo. A Justiça privilegia pagamento à vista, mas aceita parcelar em até 30 vezes, com uma entrada mínima de 25%.

'PORTEIRA FECHADA'

De acordo com o leiloeiro Renato Guedes, a venda é na modalidade "porteira fechada" –inclui todos os itens dentro do imóvel. A mansão conta ainda com dois carrinhos de golfe (para circulação no condomínio), seis bicicletas (duas infantis), pranchas de surfe, além de dezenas de livros –entre eles "Flanando em Paris", de José Carlos Oliveira. Apenas itens pessoais ficarão com o casal –a mansão ainda guarda muitas fotos da família.

A decoração da casa é sóbria. Piso frio em tom pastel claro, paredes brancas, e dez quadros –dois de Romero Brito, retratando Cabral e Adriana cada.

Esta casa passou a ser frequentada em 2011 pelo casal. Contudo, a compra só foi registrada no cartório em 14 de outubro do ano passado, um mês antes da prisão do ex-governador, em nome de Adriana Ancelmo.

O valor registrado foi de R$ 2 milhões. A Justiça avaliou o imóvel em R$ 8 milhões.

Foram vizinhos de Cabral os ex-secretários Wilson Carlos e Sérgio Côrtes, além dos empresários Marco Antônio de Luca, Fernando Cavendish, Arthur Soares e Georges Sadala, todos alvos da Lava Jato no Rio.

"A quadrilha toda ficava aí. Natal e Réveillon ele botava para quebrar. Tinha mais fogos do que na avenida Atlântica", disse o aposentado Raul Lopes Ribeiro, 74, que mora ao lado da casa de Cabral.

HELICÓPTEROS

O ex-governador por diversas vezes despachava na mansão, o que acabou por gerar a Cabral mais problemas judiciais. A Folha revelou em fevereiro que os helicópteros do Estado fizeram quase 1.500 voos para Mangaratiba entre 2007 e 2014, quando renunciou ao cargo.

O peemedebista responde a ação popular que apura suposto abuso no uso das aeronaves. Elas levavam, além do ex-governador, amigos, familiares e autoridades para despachar ou descansar no resort.

O local também era usado para lobby de vizinhos junto ao ex-governador. Em texto encontrado no celular de Luca, o empresário diz que o aluguel de uma casa no condomínio "dava oportunidade de alguns encontros".

O ex-governador chegou ao Portobello em 1998, numa casa em frente ao canal que desemboca no mar. Esse imóvel atualmente está em nome do Resort Portobello.

A compra da casa, em maio de 1998, foi divulgada em dezembro daquele ano pelo então governador Marcello Alencar (PSDB), rompido com Cabral havia três anos.

DOSSIÊ

O "Jornal do Brasil" divulgou um dossiê que o tucano, morto em 2014, iria entregar ao Ministério Público sobre a casa adquirida por R$ 100 mil. Alencar afirmara que ela valia, à época, R$ 1 milhão.

"Ele não tem outras fontes conhecidas de renda. Tem um salário de deputado estadual [R$ 6.000 à época] que, a rigor, não daria para pagar o aluguel de uma casa como essa", declarou o governador.

Cabral, em resposta, disse que venderia a casa ao então governador por 40% do valor que o tucano dizia valer o imóvel.

"Vendo essa casa por mais da metade do preço. Dou 60% de desconto. Porque os Alencar superfaturam tudo. E superfaturaram a minha casa. Mas eu vendo para ele, ou alguém da sua família, que com certeza tem dinheiro para comprar", ironizou.

CAIXA DOIS

Nessa época, o peemedebista já estava perto de acumular US$ 2 milhões em uma conta no exterior não declarada, como reconheceu em depoimento. Ele afirma que não se tratava de propina, mas sobras de caixa dois de campanha de que se apropriou.

No fim do ano passado, os doleiros Renato e Marcelo Chebar entregaram cerca de US$ 100 milhões, atribuídos ao ex-governador. Ele nega ter mantido esses recursos no exterior. Diz que desde o fim da década de 1990 passou a manter as sobras de caixa dois no Brasil em valores bem abaixo do informado pelos irmãos –sem determinar quanto.

O dono do condomínio, Cláudio Jardim Borges, também foi condenado na Lava Jato. O juiz Marcelo Bretas entendeu que ele repassou R$ 2,5 milhões para o escritório da ex-primeira-dama sem prestação de serviço com o objetivo de lavar dinheiro da quadrilha.

Em depoimento à Polícia Federal, Borges disse que Cabral ajudava na divulgação do condomínio. Comparou o peso da imagem do peemedebista ao de Ayrton Senna, que também já frequentou o local.


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