Folha de S. Paulo


Ex-procurador Miller teve vínculo com a Lava Jato renovado em janeiro

Mauro Pimentel - 8.set.2017/Folhapress
O ex-procurador Marcello Miller, ao chegar para depoimento na Procuradoria Regional no Rio
O ex-procurador da República Marcello Miller

Pivô da revisão da delação da JBS, o ex-procurador Marcello Miller foi reconduzido ao posto de colaborador do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR (Procuradoria-Geral da República) em janeiro deste ano, já em suas últimas semanas no Ministério Público Federal.

Na mesma época, ele também teve renovada sua atuação no grupo de cooperação internacional do procurador-geral, Rodrigo Janot.

A renovação ocorreu embora um dos argumentos da defesa de Miller aponte que, a partir de dezembro, ele se retirou de grupos de trocas de mensagens entre procuradores "visando a higidez de seu processo de desligamento".

Conforme o ex-procurador tem dito, ele pediu exoneração do cargo de procurador no dia 23 de fevereiro. Sua saída foi sacramentada em 5 de abril, com a publicação da exoneração no "Diário Oficial".

A portaria, do dia 17 de janeiro, divide o grupo de trabalho da Lava Jato em dez membros efetivos e seis membros colaboradores.

O documento afirma que, entre as atribuições, estão firmar colaborações premiadas, participar de audiências, realizar oitivas e requisitar informações.

A nomeação para a Secretaria de Cooperação Internacional ocorreu uma semana depois, no dia 25.

A defesa de Miller diz que a renovação de sua participação como colaborador foi uma mera formalidade e que ele não teve participação efetiva no grupo da Lava Jato em seus últimos momentos no cargo. Ele foi alvo na semana passada de um pedido de prisão, que acabou negado e que o acusava de, ainda como procurador, orientar os executivos da JBS sobre a celebração de acordos com o Ministério Público Federal.

Após deixar o cargo na Procuradoria da República, ele ingressou no escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, que negociou o acordo de leniência do grupo empresarial. A primeira reunião de Miller como advogado do caso aconteceu em 11 de abril, quando, segundo sua defesa, tratou com seus ex-colegas procuradores sobre qual unidade do Ministério Público negociaria a leniência.

Ele acabou deixando o escritório em julho.

SEMINÁRIO

Miller foi membro efetivo do grupo da Lava Jato até julho de 2016, quando voltou a atuar no Rio de Janeiro e passou a ser um colaborador dessa força-tarefa.

Documento da Procuradoria-Geral da República, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, afirma que Miller participou de audiências e reuniões em oito ocasiões a partir dali até outubro de 2016.

O vínculo formal com os grupos, ligados a Janot, no entanto, foi mantido.

Em março deste ano, após entregar o pedido de exoneração e entrar em um período de férias, Miller deu palestra no Rio em um seminário de cooperação Brasil-França que também teve a participação do procurador-geral.

Em fevereiro, como uma de suas últimas tarefas na Procuradoria, consta que ele foi a Brasília para auxiliar na celebração de acordo entre o MPF, Embraer e a Procuradoria-Geral de Moçambique.

Naquele mês, trocas de mensagens com uma advogada do Trench Rossi Watanabe apontam que Miller discutiu o perfil de procuradores de São Paulo e falou sobre improbidade em financiamentos do BNDES.

Antes, em dezembro do ano passado, foi a Washington como representante do Ministério Público Federal para tratar de um caso que está sob sigilo e esteve em Cabo Verde para uma conferência sobre crime organizado.

Seus últimos dias antes da publicação da exoneração foram em licença médica.

Na semana passada, no dia seguinte ao anúncio da revisão da delação da JBS, início da maior crise enfrentada por Rodrigo Janot, Marcello Miller obteve o benefício de receber uma compensação por não ter retirado licença-prêmio desde quando começou a exercer a função.

Conforme publicado em despacho da Procuradoria-Geral no último dia 5, ele tem direito a converter em dinheiro um período de nove meses de licença, o que soma R$ 260,5 mil.

Ele entrará, porém, em uma fila de disponibilidade.

O salário de procurador da República, sem contar verbas adicionais como auxílio-moradia, era de R$ 28 mil.

OUTRO LADO

A defesa de Marcello Miller, ao ser questionada pela Folha, disse que o ex-procurador não tinha mais interesse em participar do grupo da Lava Jato em janeiro deste ano, mas aceitou a renovação a pedido porque o posto era apenas o de um suplente da equipe.

Diz ainda que a portaria e a renovação periódica foram meramente formais e que desde outubro do ano passado ele não foi mais acionado para qualquer atividade do grupo da Lava Jato.

Afirma ainda que ele não acessou mais o banco de dados ou os processos físicos da operação após deixar de ser um membro efetivo do grupo de trabalho e que a própria Procuradoria-Geral da República já confirmou isso.

No caso da equipe de cooperação internacional, ele não foi consultado sobre a renovação e afirma que a portaria também era apenas uma formalidade.

A defesa também lembra que ele foi integrante desse grupo desde a sua criação, em 2014.

Ao Supremo Tribunal Federal, os advogados negaram que Miller tenha feito "jogo duplo" e disseram que não há como sustentar a suspeita de que ele tenha integrado uma organização criminosa.

Sobre o recebimento da compensação ligada a licença-prêmio, a defesa informou que ele pediu o benefício após se desligar do Ministério Público Federal e que essa remuneração é um direito do agente público.

A Procuradoria-Geral da República diz que não havia em janeiro, época da publicação das portarias, nenhum comunicado oficial sobre o desligamento de Marcello Miller do Ministério Público.

A instituição também afirma que os atos representavam apenas uma renovação.

A Procuradoria-Geral tem dito que as medidas investigativas sobre a atuação do ex-procurador estão sendo adotadas.


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