Folha de S. Paulo


Justiça aperta o cerco e pune candidatas laranja como fraude

Reinaldo Canato - 2.out.2016/Folhapress
OSASCO, SP, 02.10.2016: ELEIÇÕES-SP - Cabos eleitorais de vários partidos e candidatos fazem boca de urna no entorno da Escola Estadual Josué Benedicto Mendes, no Jardim Munhoz Junior em Osasco (SP). No início da manhã, santinhos sujavam as calçadas da região. (Foto: Reinaldo Canato/Folhapress)
Cabos eleitorais de vários partidos e candidatos fazem boca de urna em eleição municipal em Osasco, Grande SP

Ainda que insuficientes, as cotas de candidaturas vêm se consolidando a cada eleição, inclusive ensejando punição pela Justiça Eleitoral em caso de descumprimento.

Segundo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional eleitoral de São Paulo, os partidos ignoravam as cotas num primeiro momento, e a Justiça dava prazo para que se corrigissem.

"Atualmente, se a coligação não atende a cota no momento do registro, todos os candidatos são recusados."

Uma mudança na redação da lei em 2009 —de "deverá reservar" para "preencherá" um mínimo de 30% para candidaturas de cada sexo— tornou as cotas instauradas em 1997 efetivamente obrigatórias, mas gerou o efeito colateral das candidaturas "laranjas" ou "fantasmas".

GÊNERO E POLÍTICA
Mulheres pedem aprovação das cotas no Legislativo

Para cumprir a regra, passaram a inscrever mulheres candidatas sem que houvesse de fato campanha ou financiamento. Com isso, a porcentagem de mulheres entre os candidatos com zero voto saltou de 44,66%, em 2008, para 86,28% em 2012.

Essa tática também já está na mira da Justiça. Uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as eleições de 2014 no Piauí abriu espaço para a investigação de candidaturas laranjas e seu enquadramento como fraude.

Em agosto, pela primeira vez, vereadores foram cassados em Santa Rosa do Viterbo (SP) por candidaturas femininas fraudulentas em 2016. A decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo tornou os responsáveis pela fraude inelegíveis.

"O Judiciário entendeu que configurar as candidaturas fictícias como fraude seria a única maneira de efetivar as candidaturas femininas. O uso de laranjas, sendo fraude, derruba toda a coligação", diz Karina Kufa, professora do Instituto de Direito Público de São Paulo e advogada eleitoral.

Há na Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP) mais de 230 procedimentos para investigar candidaturas fictícias de mulheres.

O órgão entrou com sete ações por fraude no cumprimento da cota na eleição de vereadores na cidade de São Paulo. A investigação ouviu mais de cem mulheres e algumas nem sequer sabiam que eram candidatas.

As ações pedem a inelegibilidade e a cassação de vereadores eleitos em coligações que tenham descumprido a regra. Todas foram julgadas improcedentes pela Justiça em primeiro grau. A Procuradoria recorreu.

REGRAS EM VÃO

Outras regras que deveriam impulsionar a representação feminina também têm sido alvo de disputa.

A legislação eleitoral determina que os partidos devem reservar 20% do tempo de propaganda na TV e no rádio para "promover e difundir a participação da mulher na política". De 2012 até julho de 2017, houve 60 representações da PRE-SP contra 24 partidos por descumprimento.

A lei diz ainda que um mínimo de 5% da verba do fundo partidário destinada a financiar campanhas deve ser usada para candidatas.

A reforma eleitoral de 2015, no entanto, estabeleceu um teto de 15% que, para os especialistas, é inconstitucional. Há uma ação no Supremo Tribunal Federal que questiona isso.

"É uma situação muito esquisita porque a lei diz que tem que ter 30% de candidaturas femininas, mas só pode usar 15% dos recursos públicos", diz Gonçalves.

"Deveria haver a correção de todas essas distorções, mas temos um Congresso Nacional dominado por homens que não têm interesse na participação das mulheres. Aprovar isso vai custar muito, por isso precisamos de mais mulheres eleitas e aí caímos num círculo vicioso", afirma a vereadora de Belo Horizonte Áurea Carolina (PSOL).

As barreiras enfrentadas por mulheres -

MAIS MULHERES

Sugestões de especialistas e ativistas para aumentar a participação e a representação femininas na política

Dentro dos partidos

  • Estabelecer cota de 30% (há propostas de 50%) de mulheres para cargos de direção
  • Aumentar de 30% para 50% a cota para candidatas mulheres nas coligações e partidos
  • Adotar regras claras para a escolha de candidatos, com eleições internas e candidaturas reais
  • Tornar obrigatória distribuição proporcional entre gêneros de verbas e tempo de propaganda

Fundo partidário

  • Aumentar de 5% para 30% o percentual obrigatoriamente reservado à participação feminina
  • Adotar peso 3 para os votos dados a mulheres na regra usada para dividir o fundo partidário entre os partidos

Regras eleitorais

  • Diminuir número máximo de candidatos por coligação para reduzir gastos e evitar pulverização de candidaturas
  • Para os candidatos que são eleitos sem votos próprios, puxados pelo coeficiente partidário, estabelecer alternância entre homem e mulher, sem prejuízo à vaga conquistada pelo partido
  • Adotar modelo de lista de candidatos pré-determinada pelo partido com paridade de gênero, alternando candidato homem e mulher

Propaganda eleitoral

  • Aumentar para 30% o tempo mínimo que os partidos devem dedicar à promoção da participação feminina
  • Utilizar tempo de rádio e TV cassado de partidos por descumprimento de regras para incentivar a participação de mulheres

Poder Legislativo

  • A PEC 134/2015 reserva assentos para mulheres nos Legislativos em proporção crescente, de 10% a 16%, nas três eleições seguintes à aprovação (especialistas consideram a porcentagem insuficiente). Aprovada no Senado, aguarda votação no plenário da Câmara desde o ano passado.
  • A PEC 23/2015 reserva 30% das vagas no Legislativo para mulheres. Aguarda votação em comissão do Senado desde 2015

Poder Executivo

  • Estabelecer cota de 30% para participação de mulheres em cargos de primeiro escalão do Poder Executivo

Educação

  • Capacitar mulheres para concorrer
  • Informar a população sobre a lei eleitoral e as formas de alterá-la

Veja o vídeo


Endereço da página:

Links no texto: