Folha de S. Paulo


'Melhor Jair se acostumando', dizem alunos de antiga escola de Bolsonaro

"Nasceste para vencer", diz a inscrição na porta do complexo rosa de arquitetura colonial em Campinas onde, 44 anos atrás, um moleque branquelo e espichado que atendia pelo apelido de "Parmito" (palmito em "paulistês") começou sua jornada militar.

O mesmo Jair Messias Bolsonaro é hoje cultuado numa página não oficial de Facebook que reúne antigos e atuais alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército. "É melhor Jair se acostumando! Em 2018, vamos enDIREITAr este país", diz um post de julho curtido por 420 pessoas.

Reprodução/Facebook
Pesquisa no Facebook entre Bolsonaro e Lula -- https://www.facebook.com/EspcExBrasil/photos/a.276022895834619.43715.276013609168881/1001358059967762/?type=3&theater
No Facebook, perfil não oficial da escola onde Bolsonaro estudou para ser cadete agora o exalta

Na quarta (23), dezenas dos 440 estudantes da instituição –porta de entrada para quem quer seguir carreira no Exército– marchavam antes do almoço à base de purê de batata, frango, arroz, feijão, suco artificial de laranja e gelatina de uva.

"Nobre infantaria/ Arma de respeito/ Faz amedrontar", entoava o pelotão de aspirantes a oficial das Forças Armadas.

Foram 29 mil inscritos para a turma de 2017, ou 66 candidatos por vaga (a média para medicina na USP: 63). Jovens de 17 a 22 anos recebem uma ajuda de custo e moram no colégio-quartel, em três dormitórios com beliches e armários metálicos. Cada quarto coletivo tem um "patrono" animal –águia, leão e pantera.

Novidade neste ano: uma ala para 37 alunas, as primeiras numa instituição há 76 anos dominada por homens. Estreia no Exército, as turmas mistas já eram realidade na Aeronáutica e na Marinha.

A equipe pioneira foi batizada com o nome de Rosa da Fonseca (1802-1873), a "patrono da Família Militar", segundo o site do Exército. "Mulher de caráter varonil" e "Matriarca Exemplar", foi a mãe de Deodoro da Fonseca, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil.

Do Mato Grosso do Sul, Mikaela Alcântara, 21, achou que seria médica. O vestibular para a escola de cadetes jogou o antigo sonho para escanteio.

Ela treinou flexão de braço com o pai militar para passar na prova física. Passou. Mas outros testes ainda lhe aguardavam.

No início, a convivência com os colegas "foi um pouco difícil", conta.

"Não nos achavam capazes", diz, tirando um caderno de capa florida da bolsa. "Até hoje a gente vê que tem menino que não é a favor. Inclusive já falaram que tem menina que não vai chegar na Aman [Academia Militar das Agulhas Negras, a próxima etapa de formação]."

Na "parte física", conta Mikaela, as garotas têm algum desconto (menos exercícios na barra do que eles, por exemplo). Também há respeito à "parte fisiológica", como o direito de ser liberada da natação se estiver menstruada.

Mas elas carregam a mesma mochila, que pode variar de 15 kg a 20 kg, e podem ir até melhor em certas áreas, diz a aprendiz de combatente. "A mulher em geral é mais detalhista, mais atenta, mais calma. Para dar tiro, tem mulher melhor que homem."

No quadro geral, somando treinos físicos e aulas teóricas, as alunas têm pontuação alguns décimos superior à deles.

O esmalte de Mikaela é marrom claro. O coque, preso numa redinha, como zela o código de vestimenta. Anéis? Também há regulamento: no máximo três, inclusos aliança e anel de formatura, com preferência a "metais dourados e prateados".

Quanto ao "uso de trajes civis no interior" da escola, elas têm mais restrições do que eles.

Aos cadetes são vetados: "Bermuda; camiseta cavada ou sem mangas; chinelos".

As estudantes não podem: "Saias, vestidos e blusas extravagantes, demasiadamente curtos, justos, de frente única, desrespeitosos, vulgares ou acima dos joelhos; decotes exagerados ou desrespeitosos; tops ou tomara-que-caia, calça legging com mini-blusa; short ou bermuda curta; chinelos".

MARCHA, SOLDADO

Num percurso de cinco minutos, 30 alunos prestam continência ao major Relva, 41, responsável pela comunicação da escola onde a implantação da ditadura militar, em 1964, é tratada como "revolução", diz o ex-estudante da escola.

Relva ainda lembra de jogar o RPG "Dungeons and Dragons" nos intervalos de seu curso, nos anos 1990. Hoje, o grêmio estudantil tem mesas de sinuca e totó. Nos corredores, painéis de três grupos religiosos representados internamente.

Num dos cartazes do Núcleo dos Alunos Evangélicos, o lema "glória a Deus!" vem acompanhado do pedido "ouça o rugido do leão, HALLLL".

No mural da "Cruzada dos Militares Espíritas", a imagem de Chico Xavier é o grande destaque.

Já os cadetes católicos se inspiram na frase escrita com letra cursiva sobre uma cartolina vermelha brilhante: "A vida é uma viagem em que Jesus é a estrada, o Espírito Santo é a carga e Deus Pai, o ponto de chegada".

CADETE BOLSONARO

Em 1973, auge do regime, o filho do dentista plástico Geraldo e da dona de casa Olinda deu o primeiro passo para concretizar um desejo despertado três anos antes. O Exército chegara a Eldorado (SP), onde vivia Bolsonaro, 15. As tropas estavam no encalço do capitão deserdado Carlos Lamarca, líder da guerrilha na região.

Bolsonaro escolheu ali seu lado no conflito e decidiu: seria o primeiro militar da família. Entrou na escola de cadetes aos 18 anos, mas não chegou a se formar lá: fez concurso e foi direto para a Academia Militar das Agulhas Negras.

Nos anos 1980, segundo documento sigiloso do Exército, oficiais viram no hoje presidenciável "excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente".


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