Folha de S. Paulo


Doria bloqueia críticos no Twitter, e sua equipe aponta conteúdo 'de baixo calão'

Reprodução/Twitter
João Dória bloqueia seguidor
João Doria bloqueia seguidor

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Foi com esse emote de uma carinha triste que o DJ João Laion, 29, finalizou uma mensagem compartilhada com seus 56 seguidores no Twitter: "Doria me bloqueou". Para acompanhar o lamento irônico, a reprodução do notificado enviado pela rede social.

Banido do perfil do prefeito João Doria (PSDB), ficou "impedido de seguir @jdoriajr e ver os tweets de @jdoriajr".

Como ele, outras vozes críticas ao tucano foram obstruídas pela equipe responsável por gerir suas redes sociais. No Twitter, o veto alcançou 32 perfis desde agosto de 2015, quando o prefeito ainda era candidato ao cargo, segundo seu coordenador de comunicação, Daniel Braga.

Doria tem 600 mil seguidores em sua conta pessoal, e é a ela que recorre para amplificar sua mensagem política. Todo dia recebe uma enxurrada de comentários negativos, mas só aqueles com linguagem ofensiva são enquadrados, afirma Braga. "Ofensa, discurso de ódio e palavra de baixa calão eu bloqueio mesmo."

O critério "é igual" ao que veículos de comunicação como a Folha usam para filtrar comentários nos sites, diz. "Se alguém entrar numa matéria sua e escrever 'esta repórter é tendenciosa, é petista', aposto que não vão bloquear. Se falar 'vaca filha da puta', vão."

É aí que começa uma guerra de versões. A reportagem conversou com três atingidos pelo índex digital (um deles não quis ter o nome exposto). Eles negam ter ultrapassado os limites apontados pelo time de Doria.

"Sou uma pessoa educada. Não gosto de usar palavras de baixo calão, gosto de atacar pelas ideias", diz o veterinário Magal Melo, 39.

Ele afirma não lembrar o tuíte exato que o fez ser excluído. Especula: "Possivelmente o tenha chamado de 'prefake'. Só". Trata-se da junção de "prefeito" com "fake" (falso, em inglês).

"Nunca xinguei", diz o DJ Laion. "Sempre marcava Doria em reportagens [críticas ao governo]. Se puderem provar [que ele se valeu de linguagem abusiva]... Não zoei nem a ovada [que o prefeito levou em Salvador], pois acho isso zoado também."

Os bloqueados que negam a postura agressiva "são mentirosos", rebate Braga. Basta ver, diz, o mundaréu de opiniões discordantes que povoa Facebook, Instagram e Twitter de Doria.

"Vou te falar que adoro quando tem discussão, mas se ela for sadia. Se não envolve palavrão, não tem problema."

Quem está com razão? Não há como saber, já que o Twitter, além de impedir o acesso do usuário à conta que o denunciou, deleta todas as interações entre os dois perfis.

CAIU NA REDE...

Nos últimos meses, Laion e Melo postaram vários comentários de viés esquerdista e anti-PSDB em geral, mas nenhum de baixo calão.

No dia em que foi bloqueado, Laion marcou Janaina Paschoal (autora do impeachment de Dilma Rousseff), reproduziu a reportagem da Folha secretário de Doria denunciou suposto esquema ilegal antes de ser demitido e questionou: "E sobre este prefeito aqui, @JanainaDoBrasil? O que dizer desses milionários corruptos?".

Dias antes, replicou um tuíte que o então empresário Doria escreveu em junho de 2012, quatro anos e meio antes de chegar à Prefeitura: "Envie suas frases e participe do Concurso Cultural CAVIAR. Não deixe de usar a hashtag #LuxoParaMimÉ...".

Os palavrões na página do DJ e produtor existem, mas em outros contextos. Ele, por exemplo, reproduziu o comentário de um internauta que reclamava da HBO Espanha ter exibido o episódio errado de "Game of Thrones": "Puta que pariu, eu tô muito fora de mim!".

O veterinário Melo tem predileção por tuítes pró-Lula e PT. Já definiu como "trio malvadeza" os presidentes Michel Temer (do país), Rodrigo Maia (da Câmara) e Gilmar Mendes (do Tribunal Superior Eleitoral).

No dia 8 de agosto, comunicou aos 727 seguidores que havia sido expulso do perfil de Doria. "Que legal. Não vou ficar sabendo mais da relação dele com um ovo que ele conheceu em Salvador."

Para Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, bloquear só é um expediente "legítimo" se o usuário for um encrenqueiro "que não sabe conviver de modo tolerante com a diferença política" –sobretudo no Twitter, "onde a porradaria corre mais solta" e "há uma produção enorme de perfis 'robôs' focados em notificar sem parar outro perfil".

Caso contrário, vira "censura", diz.

À MODA TRUMP

Aparentemente, é o caso dos EUA. Reportagem de junho da CNN: "Não precisa de muito para que Donald Trump o bloqueie no Twitter". O presidente, mostrou a rede de TV, fechou seu perfil a vários seguidores, entre eles uma mulher que postou a foto do papa Francisco lançando um olhar cético a ele. Seguia a legenda: "É assim que o mundo todo o vê...".

A equipe de comunicação de Trump já informara que seu Twitter pessoal deveria ser considerado um canal para a Casa Branca. Logo, para especialistas consultados pela CNN, bloquear desafetos seria um atropelo à primeira emenda da Constituição americana, que garante o direito à liberdade de expressão.

Segundo Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade e colunista da Folha, o Brasil não possui regulamentação específica para tratar do tema.

"No entanto, meu entendimento é que todo post e comentários anexados a ele feitos por gestores públicos em conta oficial utilizada em nome do cargo devem ser preservados. Não há nada na lei que autorize a remoção desses conteúdos. Ao contrário, existe um interesse público em ver preservados os comentários que forem feitos em contas oficiais, mesmo que sejam ofensivos, desde que sejam lícitos."

Os principais canais digitais de comunicação de Doria são suas páginas pessoais no Twitter e no Facebook (2,8 milhões de curtidas). Em maio, na Arena do Marketing, seu coordenador Braga receitou um "novo marketing político" baseado na presença constante nas redes sociais, sempre que possível de forma espontânea e bem-humorada.


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